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2. AS INTERVENÇÕES SOCIAIS DA UNIÃO EUROPÉIA E OS FUNDOS

2.1 Breves considerações: Linhas gerais do serviço público comunitário na União Européia e

Dois princípios de direito comunitário representam a idéia de atuação intergovernamental ou supranacional para a prestação de serviços públicos nos blocos econômicos: o princípio do equilíbrio e da subsidiariedade. Pelo primeiro entende-se que o aprofundamento do processo de integração deve ocorrer homogeneamente entre os Estados Partes, de maneira que se justifique o uso de algum tipo de tratamento diferenciado que cumpra esse papel. O segundo tem origem essencialmente pragmática e define-se, grosso modo, pela necessidade de atuação comunitária sobre um Estado Parte para o ajuste de alguma deficiência, quando este, isoladamente, não dispõe de meios materiais para fazê-lo.101

Até o presente momento a correção das desigualdades nos processos de integração do Mercosul e da União Européia dá-se por meio de dois mecanismos distintos.

Em primeiro lugar, mediante a estipulação de tratamentos diferenciados a um determinado país, o que envolve desde permissões para manutenção de alíquotas de importação mais elevadas, permissões para a desconsideração da tarifa externa comum (TEC) sobre determinados produtos necessários à indústria nacional e a vigência de regras de origem mais brandas para os produtos fabricados nos Estados Partes menos industrializados. Estas regras têm impacto principalmente sobre as indústrias locais dos Estados favorecidos, defendendo-as contra a concorrência daquelas de outros Estados Partes ou estimulando desigualmente suas exportações dentro do bloco econômico. Neste caso não há, necessariamente, uma prestação positiva e não se pode falar, portanto, na existência de um serviço público comunitário.

A importância de se estudar este tipo de mecanismo, como se verá adiante, reside no fato de que a TEC, ao invés de ser excepcionada a um Estado, pode se converter em fonte de financiamento do serviço público comunitário.

Em segundo lugar, mediante a utilização de fundos estruturais, criados com contribuições dos Estados Partes ou financiados com recursos independentes do bloco, e aplicados seletivamente em regiões e países menos desenvolvidos, sobretudo em projetos de infra-estrutura, saúde, redução da pobreza e desemprego. Via de regra, da existência de um fundo estrutural comunitário, ainda que não signifique a execução propriamente dita de um serviço público pelo ente comunitário, representa pelo menos o financiamento deste serviço a nível supranacional.

A evolução dos fundos estruturais, cuja origem institucional remonta à disciplina do direito financeiro, tem ocorrido no Mercosul, de maneira ainda tímida. Com relação ao financiamento, inexiste uma fonte automática de recursos com destinação específica, dependendo, a cada ano, da contribuição orçamentária de cada país. Ademais, no estágio atual, são ínfimos os recursos previstos para o desenvolvimento de suas atividades se tomado em conta a amplitude dos seus objetivos. Já no que tange ao modo de desenvolvimento dos projetos, inexiste uma regulamentação precisa e ordenada, vigente com relação a todos Estados Partes, quanto à forma de prestação dos serviços (prestação direta, concessão, permissão, parceria público-privada) contemplados com tais recursos. Finalmente, também se encontram indefinidos os mecanismos de participação democrática na definição, fiscalização e execução dos projetos.

Dessa forma, em razão da presente imaturidade do instituto no Mercosul, é interessante tomar nota da experiência européia, aprendendo com seus erros e acertos. Esta afirmação é relevante especialmente em razão da formação latino americana e de alguns traços fundamentais que distinguem pejorativamente a cultura jurídica do continente, sobretudo no que afeta o direito público: o desleixo pelas instituições, a falta de impessoalidade nas relações públicas, o apreço excessivo pela bela retórica dos

discursos ou por simples intenções legais em detrimento da efetiva organização de meios e a execução metódica e realista de objetivos.

Os fundos estruturais europeus consistem assim no instrumento principal para o desenvolvimento do que se chama política social européia102 e uma das manifestações

mais evidentes da existência daquele serviço público comunitário. Antes de qualquer coisa, é necessário conceituar, um “fundo”, na terminologia usualmente empregada pelo direito financeiro, nada mais é do que um montante de recursos financeiros arrecadados para uma destinação específica.103

Há três caminhos a serem percorridos na análise da intervenção comunitária por intermédio dos fundos estruturais. Primeiramente, é preciso ter em vista os debates econômicos e jurídicos que lidam com as questões atinentes à intervenção comunitária sobre os Estados Membros. Em segundo lugar deve-se enveredar na questão de como ocorre a arrecadação das receitas necessárias a esta intervenção. Também, é imprescindível observar todos os aspectos concernentes à realização das despesas dos fundos, os seus objetivos, os critérios para a destinação dos recursos, a iniciativa para aprovação e gestão dos projetos e as formas de participação democrática na elaboração das políticas de intervenção. Finalmente, não se pode deixar de lado as circunstâncias históricas que possibilitaram a criação e a evolução dos fundos estruturais europeus ao longo de sua existência. Percorrer-se-á este caminho para compreender a formação e disposição jurídica destes mecanismos e dos princípios que regem sua atuação.

102O conceito de política social do presente trabalho deve ser tomado em um sentido bem amplo, como toda medida proveniente de alguma entidade governamental para a manutenção ou estabelecimento de uma situação de bem estar social em benefício dos cidadãos. Neste teor, são medidas sociais aquelas destinadas a assegurar um desenvolvimento econômico que vise garantir um nível de renda e emprego adequado, o acesso a serviços públicos como transportes, comunicações, previdência social, saúde, educação, a proteção do meio ambiente e das condições de trabalho, etc. As obras sobre o assunto também não seguem um padrão na linguagem. Por vezes separam os termos “política social”, “política regional” e “política de coesão”. Em outros casos fala-se em “política regional” abrangendo também a “política de coesão” e, finalmente, fala-se em política social numa acepção que abrange os outros dois termos. Neste estudo adotar-se-á a terminologia “política social” para enquadrar as ações dos três fundos estruturais estudados.

103 OLIVEIRA, Régis Fernandes. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 456.

Além disso, como esclarecimento pertinente, é importante dizer que o estudo ulterior restringe-se apenas à análise de três fundos estruturais europeus, nomeadamente, o Fundo Social Europeu (FSE), o Fundo de Desenvolvimento Regional (FEDER) e o Fundo de Coesão (FC). Deixar-se-á de fora o Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), cujo objetivo é proteger os produtores rurais contra a oscilação dos preços agrícolas no mercado internacional, e o Instrumento Financeiro de Orientação da Pesca (IFOP) voltado para a estruturação do setor de pesca. Os motivos para tanto se sustentam em dois pontos principais

Primeiro, em menor medida, porque o FSE, o FEDER e o FC, embora possuam finalidades e critério de atuação um tanto diferentes, não deixam de concorrer ao mesmo objetivo, qual seja, a realização de uma intervenção financeira de cunho social e de caráter redistributivo entre as regiões mais pobres104. Assim o é que a própria União Européia procura coordenar tais mecanismos entre sí para a fim de torná-los mais eficientes e mesmo a literatura que trata do assunto costuma abordá-los em conjunto.105 Ademais, crê-se que a análise das intervenções comunitárias por meio do FEOGA foge a lógica dos demais fundos. Este atua por meio de subsídios à produção agrícola, contribuindo para a manutenção dos preços de mercado, servindo para garantir a renda do produtor rural.106

104 As despesas com política agrícola não possuem natureza distributiva, isto é, seus recursos não são financiados segundo a capacidade contributiva de cada Estado Membro e suas despesas não são direcionadas de acordo com as necessidades de recebimento dos recursos. A doutrina costuma dizer que os gastos com política agrícola são de natureza alocativa, os recursos são direcionados a uma finalidade determinada pelo tratado independente de qualquer critério distributivo. Por tal motivo não são necessariamente os países e regiões mais pobres que recebem os recursos do FEOGA. Além disso, como anota Giangranco Viesti e Francesco Prota, recentes decisões da Comissão Européia buscam (ainda que timidamente) reduzir os recursos e ações do FEOGA em razão de que suas ações distorcem o comércio global e de que seus custos são suportados pelos consumidores. VIESTI, Gianfranco; PROTA, Francesco. Le Polítiche Regionali Dell´Unione Europea. Bolonga: Mulino, 2004.

105 Inclusive, a regulamentação atual da União Européia que estabelece as disposições gerais dos fundos estruturais (Regulamento CE nº 1083/2006 do Conselho, de 11 de julho de 2006), abrange apenas o FSE, o FEDER e o FC, deixando de fora os demais instrumentos, regulados em instrumentos normativos próprios.

106 Outra diferença que pode ser apontada é que as despesas financeiras da política agrícola européia são, ao lado das despesas previdenciárias, relativas aos funcionários da administração da Comunidade, as únicas despesas do orçamento europeu que possuem caráter “obrigatório”. NAVA, Mario. La Finanza

Ao contrário, O FSE, o FEDER e o FC como será analisado posteriormente, parecem mais condizentes com um ambiente de estimulo à concorrência. Eles não visam garantir o preço da produção mas, ao contrário, estimular a emergência de novas forças produtivas (financiando projetos de inovação tecnológica, obras de infra- estrutura, etc.) e reajustar os desequilíbrios entre os fatores de produção (financiando a qualificação de trabalhadores, a reconversão de empresas e empregados para outras áreas ou setores de produção) que podem ocorrer num mercado único ou que lhes podem ser preexistentes.

Em segundo lugar, a abordagem se limita ao FSE, FEDER e FC porque estes fundos muito se assemelham, enquanto seus objetivos, ao Fundo para Convergência Estrutural no Mercosul (FOCEM), adequando-se ao viés comparativo do presente estudo. Vale adiantar, o Mercosul não possui nenhum tipo de política agrícola.