• Nenhum resultado encontrado

1. DIVISÃO DO TRABALHO, SOLIDARIEDADE SOCIAL E A FORMAÇÃO DO

1.5 A formação do Direito Administrativo Comunitário

1.5.2 O direito da integração como vanguarda do direito internacional

Embora a integração propriamente dita não ocorra por intermédio de simples acordos e tratados intergovernamentais, a autonomia do fenômeno sociológico da integração com relação ao daquela positivação jurídica é mitigada pela sujeição das sociedades e indivíduos a uma determinada soberania estatal. Sendo o objeto da positivação jurídica nos processos de integração, em grande medida, a criação de liberdades, e se tais liberdades ainda não existirem, o movimento de interação entre diferentes sociedades se encontra intimamente prejudicado. A idéia de submissão a uma soberania estatal parece ser um fardo ao processo de integração, uma vez que o fato do indivíduo se encontrar na situação de “não ser nacional” de um determinado Estado, atributo de natureza eminentemente jurídica, aflige o fenômeno social como um todo pois, nessa situação, o indivíduo pode ser privado de alguns direitos em outra jurisdição.

Pode-se citar dois desdobramentos negativos provenientes daí para o desenvolvimento da integração regional: um nas relações horizontais, entre os indivíduos e agrupamentos sociais de um determinado Estado e seus pares não nacionais deste mesmo Estado; o outro nas relações verticais, entre os Estados e aqueles indivíduos não considerados como seus cidadão nacionais.

A primeira situação ocasiona no impedimento relativo do indivíduo e das demais organizações para estabelecer relações privadas com estrangeiros. Isso porque, a inexistência de algumas liberdades (de circulação de bens, serviços, pessoas, de trabalho e capital, etc.) é, por lógica, obstáculo à interação social espontânea. No momento em que um Estado determina uma restrição qualquer, direta ou indireta, à liberdade de seus nacionais de contratar com estrangeiros ou o contrário, está-se

limitando a espontaneidade da divisão do trabalho que poderia se realizar para além dos seus limites territoriais.

Em segundo lugar, considerando que a nacionalidade é sempre referível a um Estado, dela surge uma série de direitos sociais do indivíduo ou dos agrupamentos sociais. Pois quando se nega a um estrangeiro a condição de nacional, exclui-se ele da relação já estabelecida entre governantes e governados, fato que tem como conseqüência imediata uma limitação dos deveres do Estado para com os estrangeiros em comparação com aqueles deveres que possui com seus nacionais.

Não é por outros motivos que Duguit já havia afirmado que a noção de soberania é um fardo ao desenvolvimento do direito internacional. É verdade que o dogma da existência de um poder soberano, corporificado no Estado, se enfraqueceu no interior de cada nação, especialmente a partir da desmistificação e negação do direito subjetivo de imperium, conceito substituído progressivamente pela aceitação de um direito objetivo, nem proveniente do poder divino tampouco da vontade geral, mas das relações entre Estado e indivíduo. Concomitantemente, a passagem de uma visão para outra contribuiu para a formação de um direito público interno que ultrapassou uma visão simplificada de poder estatal, indo em direção a um ideal de dever ou, em outras palavras, de uma força dos governantes que, embora exista de fato, não se fundamenta e justifica em si mesma, mas apenas na realização de sua tarefa em função dos governados; já se disse que o Estado é a força a serviço da realização do direito ou para utilizar uma assertiva muito comum entre os administrativistas, a idéia de realização do interesse público primário. O poder soberano restou assim considerado como apenas uma justificação metafísica para explicar um momento histórico em que os vínculos nacionais se tornaram mais fortes e delimitados contribuindo para a formação da solidariedade nacional.

Todavia, no âmbito da formação do direito internacional, a verdade é que o dogma da soberania mantém-se vivo. Neste campo, prospera a insistência estatal de não reconhecer nenhuma autoridade acima deles e de arrogar-se na produção das

normas de caráter internacional. Por tais motivos, é corrente o entendimento de que a formação do direito internacional dá-se apenas numa base voluntária entre Estados independentes, para não falar de opiniões mais radicais que sequer admitem sua existência. Ademais, como afirma Dupuy, embora seja verdade que muitos partidários da paz internacional já procuraram combater a noção de soberania em nome daquela, há de se reconhecer que não é fácil lidar com um conceito enraizado profundamente na mente dos homens ao longo da história.90

Ainda assim, admitindo-se que da idéia de soberania advenha quase todo tipo de construção (ou desconstrução?) do direito internacional, nota-se que os processos de integração entre Estados independentes se constituem como uma situação apta a alterar esse panorama. Porque a interdependência é um fato social e ela se acha tão mais presente entre duas partes conforme mais elas estejam em proximidade e contato, as relações regionais entre estes Estados independentes tendem a manifestar mais aspectos dessa interdependência do que as relações multilaterais. Pois naquele caso, em virtude das sociedades se encontrarem mais vinculadas umas às outras “[...] tende- se a aceitar um sistema institucional assente numa concepção diferente, de certa forma susceptível de retomar os caracteres de direito interno e de oferecer a imagem de um conjunto dotado de órgãos competentes”.91 Como aqui as relações sociais se revelam mais fortes do que noutros tipos de relações internacionais, o direito positivo que dela advém, mesmo formalmente criado pelos tratados firmados entre Estados e segundo os trâmites de incorporação ao ordenadamente de cada um, é passível de ser mais correspondente à naturalidade que as relações sociais demonstram do que o direito internacional em geral.