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3. REDUÇÃO DE ASSIMETRIAS E O FUNDO PARA CONVERGÊNCIA ESTRUTURAL

3.3 A experiência do Mercosul

3.3.1 Histórico: dificuldades e obstáculos

Historicamente, destacam-se antecedentes remotos e recentes na formação do Mercosul. Os mais remotos são os esforços continentais de cooperação e integração econômica entre os países latino-americanos ocorridos sob a égide dos Tratados de Montevidéu de 1960 (ALALC) e o de 1980 (ALADI), que veio a substituir o primeiro.257

Recentemente, o Mercosul é resultado da aproximação política entre Brasil e Argentina durante o período de redemocratização dos dois países no qual foi assinada a Ata para a Integração Argentino-Brasileira, que instituiu o Programa de Integração e

256 GOBBO, Edenilza. O MERCOSUL e a livre circulação de mercadorias. Ijuí: Unijuí, p. 77.

257 FARIA, José Angelo Estrella O Mercosul: princípios, finalidade e alcance do Tratado de

Assunção. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1993. p. xv. Tais tratados objetivavam a

ampliação do comércio regional e, conseqüentemente, dos mercados nacionais. Baseavam-se em “listas nacionais”de concessões, numa “lista comum”de bens, cujo desgravamento desde já se prometia, e em “listas especiais”, em proveito dos países de menor desenvolvimento relativo, a qual não estava sujeita à cláusula de nação mais favorecida. Duas características importantes emanam de tais acordos: a prioridade ao estabelecimento de uma zona de preferências tarifárias regionais e ampla margem aos Estados Partes para celebrarem acordos bilaterais de complementação econômica. Segundo Paulo Roberto de Almeida, houve algumas tentativas anteriores a 1960 no sentido de buscar a integração entre o Brasil e a Argentina. Primeiro no final dos anos 30 uma tentativa de construção de uma união aduaneira bilateral Brasil-Argentina aberta aos demais países, projeto cuja descontinuação foi causada pela conjuntura político militar, pelas assimetrias econômicas, pouca complementaridade industrial e pela excentricidade de suas alianças comerciais externas. Um novo impulso integracionista iniciou-se por defesa das escolas da Cepal, comandada por Raúl Prebisch. Veja-se, neste sentido: ALMEIDA, Paulo Roberto de. Mercosul e sua primeira década (1991-2001): uma avaliação política a partir do Brasil.

Cooperação Econômica (PICE), cujo objetivo era propiciar um espaço econômico comum.

Posteriormente, em 1988, ambos os países celebraram o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, pelo qual expressaram o desejo de constituir, no prazo de dez anos, um espaço econômico comum. Um novo impulso foi dado adiante com a assinatura, em 1990, da Ata de Buenos Aires, que fixou a data de 31 de dezembro de 1994 para a conformação definitiva do mercado comum entre os dois países. Este acordo repercutiu regionalmente, sendo que os governos paraguaio e uruguaio se manifestaram favoravelmente a sua inserção no processo de integração bilateral, o que foi formalizado no Tratado de Assunção, firmado em 1991.

A despeito de tais iniciativas, manifestamente ambiciosas quanto aos objetivos e prazos, o Mercosul enfrentou e enfrenta uma série de obstáculos à sua consecução. Apesar de um desenvolvimento inicial relativamente acelerado, o fato é que ele entrou em crise desde 1999, após uma assoladora combinação de circunstâncias conjunturais e fatores estruturais, dentre os quais se destacam os processos de estabilização econômica das economias brasileira e argentina e a incapacidade de lidar com as assimetrias existentes, agravados pelas crises financeiras dos anos 1990.258

Grande parte da crise foi causada pela ausência de um padrão macroeconômico estabelecido pelos Estados Partes. As dificuldades consistiam sobretudo na disparidade cambial que perdurou na primeira década259, mas também em outros fatores econômicos e políticos como recessão, desemprego, processos eleitorais e as sucessivas crises financeiras mundiais como a do México (1994) Para Almeida, após a crise brasileira de 1999, que redundou na desvalorização da sua moeda, desencadeou- se uma reação do setor privado argentino que se sentia incapaz de competir com a

258 ALMEIDA, Paulo Roberto de. América do Sul: rumo à desintegração política e à fragmentação

econômica, 2006. p.03. Disponível em www.diplomaciaenegocios.com.br. Acesso em 02.02.07.

259 Enquanto a Argentina adotou um regime de conversibilidade criado pela chamada Lei Cavallo, de 1991 (em alusão ao ministro da economia argentina) que estabelecia a paridade do peso com o dólar, o Brasil sequer havia iniciado seu processo de estabilização econômica. Após o Plano Real (1994) o Brasil também manteve também um regime cambial supervalorizado até 1999. Com a desvalorização da moeda brasileira em Janeiro de 1999 os déficits comerciais da Argentina com o Brasil voltaram a subir.

indústria brasileira. Os efeitos foram a retomada de medidas protecionistas, avalizadas pelo governo Argentino (em véspera de eleições). O saldo comercial positivo mantido pela Argentina até então reverteu-se em favor do Brasil, mesmo após a disparidade cambial promovida por aquele governo em 2001.260

Todavia, após o ano 2000 é possível vislumbrar alguns avanços importantes. Primeiro, no chamado processo de relançamento do Mercosul, em dezembro daquele ano, movimento pelo qual os chefes de Estado procuraram ajustar avanços na estrutura institucional do bloco. Criou-se um conjunto de metas e um monitoramento de convergência macroeconômica, além de ter início um programa de ajustamento dos regimes de incentivos fiscais, especialmente para bens de capital e telecomunicações, e de metas para efetivar por completo a união aduaneira.

Depois de uma diminuição no comércio intra-zona em 1998 e 1999, após o ano 2000 o fluxo de comércio da região voltou a se expandir, possibilitado pela estabilização econômica e, após 2002, pela expansão da economia mundial. Nesta nova etapa, o principal desafio ao processo de integração, monitorado nos discursos dos chefes de Estado, deixou de ser os desequilíbrios macroeconômicos passando a temática da redução das assimetrias existentes sobretudo pelo descontentamento declarado das pequenas economias com o bloco. A este desafio se encontra ligada a efetivação da tarifa externa comum que, mesmo após o relançamento do processo de integração, vem sendo postergada a cada ano.

Para além da temática econômica, pode-se acrescer aos problemas do Mercosul outros, de natureza política. Cite-se a constante instabilidade das políticas governamentais da região, a falta de convergência com relação a algumas idéias e até mesmo o uso de instrumentos demagógicos de administração pública que certamente impedem qualquer tipo de integração política mais profunda.261

260ALMEIDA, 2002, p. 11.

261 É possível citar, como exemplos recentes desta assertiva: a) a discussão entre Uruguai e Argentina acerca da instalação de uma indústria de papel celulose em território uruguaio, questionada pelo governo

O processo de integração implica em uma série de medidas a serem adotadas pelos Estados Partes (zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, etc). Contudo, o tempo e modo para materialização de cada estágio necessitam de adaptação constante às peculiaridades e fragilidades de cada economia de um bloco, sob pena de se alavancarem “vôos de galinha” na sua evolução institucional. Acima de tudo, é uma lição histórica que tais evoluções muitas vezes não ocorrem de maneira linear e que existem momentos mais propícios do que outros para fazê-las avançar. Olhando o Mercosul em retrospectiva compreende-se que muitos dos grandes problemas internos de cada país já foram razoavelmente resolvidos, tais como a enorme instabilidade macroeconômica e política. A essas conquistas deve-se acrescentar a promoção da coesão social entre os Estados Partes, dificuldade não menos complicada.