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2. AS INTERVENÇÕES SOCIAIS DA UNIÃO EUROPÉIA E OS FUNDOS

2.2. Política Social e a Intervenção Comunitária

2.2.3 O princípio da subsidiariedade e a jurisprudência da Corte de Justiça

Foram poucos os casos e manifestações da Corte de Justiça Européia acerca do princípio da subsidiariedade após sua introdução formal no direito comunitário.130 Em algumas destas situações ele foi tratado apenas de modo supérfluo pela Corte e pouco foi discorrido sobre seu significado.131 Também noutro caso a Corte se eximiu de se pronunciar sobre o assunto, rejeitando a queixa apresentada por ausência de locus

standi da entidade demandante.132

Entretanto, há duas situações em que o princípio foi analisado com pouco mais afinco (ainda assim insuficiente). A primeira delas trata de uma controvérsia entre o Reino Unido e o Conselho, na qual aquele país buscava a anulação de uma Diretiva sobre a carga horária de trabalho (Working Time Directive). Argumentava que o Artigo 138º do Tratado da Comunidade Européia,133 no qual se baseou a diretiva, deveria ser

interpretado à luz do princípio da subsidiariedade e que, em outras palavras, não foi considerado pelo Conselho, ao tomar a decisão, que aquele tipo de ação poderia ser executada a nível nacional e não comunitário. Além disso, sustentava que a Diretiva

130 BÚRCA, 1999, p. 104.

131 No caso C-11/95 Commission v. Belgium [1996] ECR I-4115, o governo belga alegou, em resposta a queixa da Comissão de que a Bélgica descumpria o Artigo 2º da Diretiva de Transmissão (Broadcasting Directive) 89/552 ao manter um sistema de autorização a priori para redistribuição a cabo das transmissões de TV dos outros Estados Membros, que, de acordo com o princípio da subsidiariedade, podia intervir em assuntos culturais desde que não falhasse em observar as obrigações legais comunitárias. Em resposta, a corte disse simplesmente que os Estados Membros não poderiam se eximir de cumprir uma obrigação estabelecida numa Diretiva se apoiando no princípio da subsidiariedade. No caso C-91/95P Tremblay v. Commission [1996] ECR I-5574 a decisão da Comissão em não tomar nenhuma ação com base em reclamações no campo do direito da concorrência, fundamentando-se no fato de que o assunto poderia ser apropriadamente tratado pelas autoridades nacionais, foi contestada como sendo um uso inadequado do princípio da subsidiariedade. Porém, a queixa não vingou perante a Corte, que entendeu que de fato as autoridades nacionais poderiam muito bem ser acionadas para averiguar as reclamações mas ainda assim sem discorrer sobre o aludido princípio.

132 T-135/96 UEAPME v. Council [1998] ECR II-2335. Neste caso a UEAPME (União Européia de Artesanato e Pequenas e Médias Empresas) questionou uma Diretiva que tratava do direito à licença paternidade, argumentando que a mesma afrontava o princípio da subsidiariedade porque não houve envolvimento de organizações representando as pequenas e médias empresas nas negociações.

133 Artigo 138º: 1.Á Comissão caberá promover a consulta dos parceiros sociais ao nível comunitário etomar todas as medidas necessárias para facilitar o seu diálogo, assegurando um apoio equilibrado às partes. 2. Para o efeito, antes de apresentar propostas no domònio da política social, a Comissão consultará os parceiros sociais sobre a possível orientação da acão comunitária. 3. Se, após essa consulta, a Comissão considerar desejável uma acão comunitária, consultará os parceiros sociais sobre o conteúdo da proposta prevista. Estes enviarão à Comissão um parecer ou, quando adequado, uma recomendação. 4. Ao efectuarem essa consulta, os parceiros sociais podem informar a Comissão do seu desejo de dar início ao processo previsto no artigo 139º. A duração deste não pode exceder nove meses,

afrontava o princípio da proporcionalidade, ao dispor além do que era necessário para atingir seus objetivos, quais sejam, proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores. Quase todos argumentos do governo britânico se embasavam no Protocolo nº 30 (protocolo de Amsterdã) relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.134

Embora não tenha abordado o assunto detalhadamente, a Corte se pronunciou no sentido de que o princípio é referível apenas “à necessidade de uma ação comunitária”, mais do que a natureza e a intensidade de tal ação e que, uma vez que o Conselho entendeu necessário, pelo Artigo 138º, melhorar as condições de saúde e segurança dos trabalhadores mediante a harmonização das horas de trabalho, aquilo era suficiente para atender as indagações da Corte e que mais nada o Conselho era obrigado a demonstrar. Em nenhum momento se exigiu algo mais que a simples avaliação daquele órgão de que aquela medida era necessária, decisão que culminou em atribuir-lhe uma ampla margem de discricionariedade para adotar medidas que pudessem interferir na autonomia dos Estados Membros. 135

O segundo caso refere-se a uma tentativa do governo alemão de anular um Diretiva do Conselho e do Parlamento (Diretiva 94/19 EC). A Diretiva determinava que cada Estado Membro deveria estabelecer um sistema de garantia que determinasse às instituições de crédito um nível mínimo de cobertura dos depósitos bancários. Ademais, segundo aquele ato, o sistema estabelecido por um Estado Membro deveria garantir, além da cobertura dos depósitos efetuados na matriz e suas respectivas filiais das instituições situadas em seu território, também a cobertura dos depósitos bancários realizados na filiais que estivessem situadas noutros Estados Membros. Finalmente, havia uma cláusula (cláusula de não exportação, non export clause) que impedia as

134 O Protocolo de Amsterdã foi introduzido em 1997, consta em anexo ao Tratado da Comunidade Européia e tem como objetivo procurar esclarecer alguns pontos sobre o princípio da subsidiariedade. É um instrumento que procura instruir de maneira mais detalhada quando e como um texto legislativo comunitário pode interferir no ordenamento dos Estados.

135 C 84/94, United Kingdom v. Council [1996] ECR I-5755. Houve também outra decisão, de importância secundária para o presente estudo, que mencionou a irretroatividade do princípio da subsidiariedade para atingir medidas tomadas antes que ele fosse expressamente introduzido no Tratado da Comunidade Européia. C36/97, Kellinghausen v. Amt fur Land und Wasserwirtschaft Kel [1998] ECR I-6337.

filiais cujas matrizes estivessem situadas noutros Estados Membros de oferecer uma cobertura maior do que o nível máximo do sistema estabelecido no Estado Membro em que estava situada. A objeção alemã era de que a medida impediria as filiais de uma instituição de crédito situadas num determinado Estado Membro cuja matriz estivesse em outro Estado Membro, de oferecer um nível mais alto de proteção aos seus correntistas do que o nível máximo oferecido pelo sistema de garantias do Estado no qual se encontrava. Para eles não havia justificativa na medida de harmonização da maneira como estava posta, pois restringia de certa forma a liberdade de estabelecimento, ao impedir as filiais de prover coberturas maiores aos correntistas (portanto, mais segurança a estes) do que o máximo estabelecido pelo sistema do Estado Membro no qual se localizava.

A Corte, ao analisar o caso, entendeu que, embora o preâmbulo daquela Diretiva não fizesse qualquer menção ao princípio da subsidiariedade, os assim chamados “considerandos” (recitals) mencionavam que as medidas tomadas pelos Estados Membros isoladamente foram insuficientes para a segurança do sistema financeiro, daí inferindo a Corte que a Diretiva ia de encontro ao princípio da subsidiariedade. Contudo, é importante dizer, como no outro caso descrito, a Corte não analisou a argumentação do governo alemão, embasada no Protocolo de Amsterdã, de que a medida não apontou de modo claro como sucedera a insuficiência das ações nacionais.136

De todos esses casos, o que se pode concluir é que as instituições européias, ao adotar uma medida a nível comunitário, e cujo objeto seja de competência comum dos Estados Membros, não procuram descrever claramente em que fundamentos aquela ação pretendida é mais eficiente se realizada pela Comunidade.137 De igual maneira, os julgados da Corte tem relutado em realizar uma análise mais profícua acerca da juridicidade dos atos comunitários tendo em vista o princípio da subsidiariedade, contentando-se apenas com a afirmação da autoridade Comunitária responsável de

136 C-233/94, Germany v. Parliament and Council [1997] ECR I-2405. 137

que a ação realizada alcançará melhor seu objetivo naquele nível, não exigindo da autoridade qualquer tipo de comprovação objetiva além disso.

2.2.4 A procedimentalização do Princípio da Subsidiariedade e o Protocolo de