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2. AS INTERVENÇÕES SOCIAIS DA UNIÃO EUROPÉIA E OS FUNDOS

2.3 O financiamento da política social européia e os fundos estruturais

2.3.3 O Financiamento atual da União Européia e as modificações introduzidas.

O sistema de financiamento acima descrito foi mantido em sua estrutura até os dias atuais. Porém, ao longo da década de 80 e 90, algumas modificações foram realizadas em razão da percepção de certos problemas que então se afiguravam. Dentre tais problemas destacam-se os chamados “desequilíbrios de orçamento”

(squilibri di bilancio) e a insuficiência dos recursos orçamentários face às ambições

políticas de despesa comunitária.160

De acordo com Nava, os desequilíbrios orçamentários, também chamados “saldos orçamentários negativos”, consistem, em tese, na desproporção entre os recursos financeiros que um Estado Membro recebe e aqueles que ele cede ao orçamento comunitário. Assim, diz-se que um Estado encontra-se em desequilíbrio quando recebe menos recursos do que entrega à Comunidade. A idéia geralmente aventada, até por um critério de justiça, é que os Estado mais pobres recebam mais recursos do que cedem. Contudo, essa explicação não é tão simples e convincente. Em primeiro lugar porque diversas despesas comunitárias são realizadas levando-se em conta critérios regionais e não nacionais, especialmente aquelas de caráter redistributivo, como é o caso dos fundos estruturais. Isso significa que muitos Estados que, em critérios gerais, possuem uma prosperidade relativamente similar, acabam recebendo recursos

158 Como uma espécie de imposto sobre a renda, de competência comunitária, ainda que restrita apenas aos seus funcionários.

159 BEUTLER, Bengt; BIEBER, Roland, PIPKORN, Jörn; STREIL, Jochen; WEILER, Joseph H. H;

L´Unione Europea: instituzioni, ordinamento e politiche. Bologna: Il Mulino, 1999, p. 252; USHER,

1981, p. 216.

daqueles fundos em proporções diferentes.161 Ademais, não existem somente despesas redistributivas, pois a Comunidade realiza também gastos de cunho administrativo, que não possuem qualquer caráter social.162 Portanto, o argumento de que os Estados pobres deveriam receber mais recursos do que os Estados ricos só seria correto se levasse em conta apenas as despesas exclusivamente redistributivas e com base em critérios de renda nacional e não regional.163

A problemática na conceituação do que é um desequilíbrio orçamentário não se esgota apenas nisso. Pois como esta discussão está associada a quantidade de recursos recebidos por um Estado Membro, ela também diz respeito ao montante que este mesmo Estado contribui para o orçamento comunitário. E a própria desigualdade nesta contribuição pode ser também distorcida por estatísticas contábeis. Por exemplo, no caso do financiamento pela TEC e pelos direitos agrícolas, não se pode afirmar que os países através dos quais as importações entram no mercado europeu (e, portanto, o local em que a TEC ou os direitos agrícolas são recolhidos) sejam o mesmo país aonde se situa o consumidor final, que é quem efetivamente suporta o valor. Além disso, é questionável a inclusão de recursos que são suportados pelos consumidores como se fossem recursos de um Estado Membro, para efeitos de reclamar a existência de um desequilíbrio orçamentário injusto.164

Já no caso do financiamento do orçamento comunitário pelo IVA, por se tratar também de um tributo sobre o consumo, alega-se que também pode causar algum

161 NAVA, 2000, p. 27. Se, por exemplo, o Estado A e B possuem uma média de PIB/per capita similar, pode ocorrer que um destes possua uma ou outra região com o PIB abaixo da média, o que faz com que países que possuem mais desigualdades internas acabem recebendo mais recursos. Aquele autor cita o exemplo da Itália e da Suécia. A primeira recebeu no período 1997-1999 dos fundos cerca de 2.150 milhões enquanto a segunda apenas 73 milhões.

162É geralmente o caso da Bélgica e de Luxemburgo, tendo em vista que é nestes Estados que as instituições da União Européia estão situadas.

163NAVA, 2000, p. 27.

164 NAVA, 2000, p. 28. Segundo este autor , chama-se de “Efeito Roterdam” o ato de superestimar a contribuição proveniente do território de um Estado com estrutura portuária mais sofisticada (Países Baixos, Bélgica) ou indústrias transformadoras (Irlanda, Países Baixos e Reino Unido), e subestimar a contribuição proveniente do território de um Estado com escassa estrutura portuária (França, Alemanha e Itália) que importam matéria prima extracomunitária por meio de Estados de trânsito ou produtos semi

desequilíbrio orçamentário, pois possui efeitos regressivos165 e que, assim, os Estados Membros mais pobres são os mais onerados. Por este motivo, a tendência atual é que o modo de arrecadação por meio das contribuições de cada país assuma ao longo do tempo o lugar do IVA como meio de financiamento da Comunidade, especialmente em atenção a capacidade contributiva dos Estados Membros.166 Além disso, já em 1984, a base imponível do IVA (valor agregado do produto) foi limitada em um percentual do Produto Nacional Bruto de cada país. Em outras palavras, sempre que a base imponível ultrapasse 55% do PNB a alíquota do IVA incidirá somente até aquela porcentagem.167

Um segundo problema atinente à questão financeira comunitária foi a inadequação dos recursos às ambições de despesa. Primeiro porque a liberalização do comércio mundial sempre tendeu a diminuir os recursos provenientes da aplicação de direitos sobre a importação (aplicação da TEC, direitos agrícolas). Mas, principalmente, porque ao lado das despesas também algumas políticas comunitárias cresceram bastante, especialmente, a partir de 1984, as despesas para o FSE e para o FEDER.

Para fazer frente a esta questão, foi introduzido o chamado “recurso PNB”, referente às contribuições dos Estados Membros. Por meio deste sistema estabeleceu- se que a contribuição de cada país seria determinada mediante a aplicação de um determinado percentual (atualmente 1%) sobre o Produto Nacional Bruto.168 Essa fixação permitiu à Comunidade manter as crescentes despesas criadas pelo alargamento de suas políticas internas.

165Por ser um tributo que não leva em conta nenhum caráter pessoal do contribuinte de fato (consumidor) – a quem é repassado o valor do tributo – acaba sendo mais oneroso para os consumidores mais pobres e, consequentemente, para os Estados Membros mais pobres. Esse caráter regressivo deriva da constatação de que, por ser a alíquota a mesma, independente da renda daquele que consome o serviço ou a mercadoria, quanto mais renda o consumidor possuir menos onerosa será a tributação sobre aquele consumo.

166Cf Comissão Européia. Financiamento da União Européia. Relatório da Comissão Européia sobre o

sistema de funcionamento dos recurso próprios. Bruxelas: 2006. Disponível em www.europa.eu.

Acesso em 03.01.08. Segundo este documento, o recurso IVA correspondia à 51,3% do orçamento comunitário de 1996. Já em 2005 foi reduzido para apenas 14,1% dos recursos orçamentários.

167NAVA, 2000, p. 34. 168BALLARINO, 2001, p. 39

Como conclusão, pode-se dizer que, ao longo deste caminho, a existência de recursos próprios foi uma das mais importantes evoluções da Comunidade em matéria financeira, pois embora a contribuição dos Estados Membros subsista até hoje, aquele método de financiamento dotou a Comunidade de uma relativa autonomia. Já nos primórdios da CECA (que era financiada por recursos próprios), Jean Monet atribuía extrema importância a esse predicado.169

Contudo, muito mais do que a independência, o financiamento próprio parece impor, especialmente a partir da cobrança da TEC e do IVA, uma dimensão mais solidária à Comunidade. Isso porque, no momento em que uma imposição tributária é realizada em um determinado Estado Membro e reverte em benefício de outro, por meio de uma política pública comunitária, não como o resultado da vontade do primeiro, mas mediante uma ligação institucional que une um ao outro, tal fato os torna mais interdependentes do que eram antes. E mesmo que o recurso IVA seja suprimido no futuro, como fonte de receitas, pelas razões já apontadas (seu caráter regressivo), e seja substituído integralmente pelas contribuições dos Estados Membros pelo método PNB, o fato não denota qualquer retrocesso na interdependência comunitária. Muito pelo contrário, a diminuição do recurso IVA demonstra que existe uma preocupação comunitária com a idéia de coesão econômica e social (pela noção de capacidade contributiva do Estado Membros), já na fase de arrecadação de suas receitas.170

2.3.4 O Financiamento dos Fundos Estruturais Europeus e o papel do Parlamento Europeu.

Já se discorreu sobre as fontes de financiamento que compõem a receita orçamentária da União Européia. Na verdade, ao compor o orçamento comunitário,

169 Nas palavras dele: “Esses recursos [...] asseguravam enfim o funcionamento independente das instituições que possibilitou a Alta Autoridade a atitude audaciosa que se viu nos primeiros anos”. MONET, 1981, 343.

170É de se destacar, também na década de 80, a criação de um mecanismo de compensação concedido ao Reino Unido. Por pressão política de sua então primeira ministra Margaret Thatcher, concedeu-se aquele país uma compensação equivalente a 0,66% do seu saldo líquido negativo, assim entendido como a diferença negativa entre os recursos recebidos do orçamento comunitário e os recursos nacionais repassados aquele orçamento. Este mecanismo vigora até os dias de hoje e é válido apenas para este

parte das receitas arrecadadas é destinada a financiar os fundos estruturais europeus, mediante um processo de aprovação orçamentária anual, mais ou menos nos moldes de como ocorre no plano nacional.171

No primeiro sistema de financiamento europeu, que perdurou até 1975, não havia nenhum papel atribuído ao Parlamento na questão orçamentária O procedimento restringia-se à participação da Comissão (proposta e execução do orçamento) e do Conselho (aprovação do orçamento e a aprovação da sua execução), este último, em razão do seu poder de decisão exclusivo, era considerado a única autoridade orçamentária.172

A partir do Conselho de Bruxelas, naquele ano, a situação mudou substancialmente. O Parlamento passou a dividir com o Conselho o papel de autoridade orçamentária.173 Esta co-divisão dos poderes orçamentários, entre o Conselho e o Parlamento, consiste no fato de que o Conselho é considerado a última autoridade orçamentária no tocante às despesas ditas “obrigatórias” e o Parlamento das “não obrigatórias”.174 Essa diferenciação entre despesa “obrigatória” e “não obrigatória”, hoje deveras comum no direito financeiro, entrou em questão na Comunidade Européia em razão de uma controvérsia política entre o Conselho e o Parlamento.

A questão suscitada é que, geralmente, o Parlamento procurava interpretar sua competência de modo extensivo, acrescentando despesas reputadas obrigatórias ao projeto de orçamento enviado pelo Conselho para sua aprovação. Desta forma, as discussões entre as duas instituições correntemente impediam a votação do orçamento

171O Art. 268º do TCE dispõe que toda receita e despesa devem estar previstas no orçamento.

172NAVA, 2000, p. 20-21. Havia ainda a Comissão de execução, que fazia um relatório sobre a execução orçamentária encaminhado ao Conselho para sua aprovação.

173Cf. Art. 202º e 272º do TCE.

174 NAVA, 2000, p. 22-23. A Comissão de execução foi transformada em uma espécie de Tribunal de Contas.Despesas obrigatórias, segundo o art. 272º, parágrafo 4, do TCE, são todas os gastos comunitários que decorrem do Tratado ou das atos adotados em função deste. Neste caso, opós o recebimento da proposta de orçamento do Conselho, o Parlamento pode apenas “propor” alterações neste tipo de despesa. Já quanto as despesas não obrigatórias, o Parlamento pode efetivamente alterá- las.

em tempo hábil. A solução deste conflito deu-se mediante uma declaração conjunta, em 1982, entre a Comissão, o Conselho e o Parlamento estabelecendo uma classificação precisa do que é ou não uma despesa obrigatória.175

Deixando de lado esta controvérsia, o fato concreto e relevante é que o orçamento comunitário é hoje sujeito a uma consulta democrática, mediante a palavra de seus representantes. Aliás, segundo menciona Viesti, tem-se apontado o Parlamento Europeu como um dos atores mais importantes nas mudanças políticas orçamentárias da Comunidade, especialmente no reforço dos Fundos Estruturais a partir de 1984.176