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3. REDUÇÃO DE ASSIMETRIAS E O FUNDO PARA CONVERGÊNCIA ESTRUTURAL

3.3 A experiência do Mercosul

3.3.3 Tratamentos diferenciados no Mercosul

Os tratamentos diferenciados utilizados no Mercosul envolvem simplesmente a exclusão momentânea de uma regra geral sobre um Estado Parte, aplicando-lhe uma determinada exceção. Conseqüentemente, possuem um prazo determinado, objetivando a convergência gradativa às regras gerais do bloco.

A praxe no Mercosul engloba três espécies de tratamento diferenciado: exceções à livre circulação de mercadoria; exceções à tarifa externa comum ou concessões especiais a determinados países para a manutenção de regimes especiais de importação; regimes diferenciados de regras de origem.

As exceções à livre circulação de mercadoria já não existem mais no âmbito do Mercosul ao menos em termos de aplicação de alíquotas de importação nas operações entre os Estados Partes. O tratamento diferenciado aplicado aos países teve, neste caso, dois momentos diferenciados. Primeiramente, o Tratado de Assunção afirmou explicitamente, que “[...] reconhece diferenças pontuais de ritmo para a República do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai que constam no Programa de Liberação Comercial (Anexo I)”. 265 Este programa previa a redução gradativa, ao longo

de alguns anos, das alíquotas de importação entre os membros do bloco até a efetividade de uma zona de livre comércio.

Em um segundo momento, a parcialidade no tratamento consistiu no prazo diferenciado dos países para conformar-se ao “Regime Geral de Adequação à União Aduaneira”. Este regime materializou uma lista dos produtos considerados “sensíveis”, que sofreriam uma gradativa redução das alíquotas intra bloco com duração de quatro anos para Brasil e Argentina e de cinco anos para Paraguai e Uruguai, contados a partir de 1 de janeiro de 1995.266

A criação da TEC, a forma e as datas para sua convergência foram delineadas, como já mencionado, por efeito das decisões 07/94 e 22/94 do Conselho Mercado Comum enquanto as listas de exceções à tarifa externa comum decorrem de uma série de decisões do Conselho Mercado Comum, que autorizam sua não aplicação sobre determinados produtos. Atualmente, abrangem um tratamento diferenciado para o Paraguai e Uruguai, no sentido de autorizar ambos os países a manter 100 itens da Nomenclatura Comum do Mercosul não sujeitos à TEC até 31 de dezembro de 2008. Diferentemente, para Brasil e Argentina é previsto um cronograma mais rápido de convergência.267

Além da lista de exceções a TEC, outra praxe do bloco tem sido a concessão de exceções aos regimes especiais de importação. Já que a utilização unilateral de regimes especiais de importação pelos Estados Partes pode provocar distorções no comércio dentro da zona do bloco,268 houve concordância em proibir sua adoção unilateral.269Definiram-se também os regimes especiais utilizados por cada Estado que poderiam continuar vigorando, já que de natureza não comercial, constante de uma lista específica.

266MERCOSUL/CMC/DEC. 05/94. 267MERCOSUL/CMC/DEC. 38/05: Art. 1º.

268Isso porque sua utilização possibilita a aquisição de bens importados de terceiros países, utilizados na fabricação de outros produtos, a um custo menor, barateando o custo final da produção de mercadorias, que podem ser posteriormente exportadas intra-zona. Assim, a utilização desses regimes pelos Estados Partes em muito se assemelha à chamada “guerra fiscal” entre os Estados de uma Federação.

Regimes especiais de importação, segundo a definição da Decisão Conselho Mercado Comum 33/05, são regimes tributários que contemplam a isenção total ou parcial dos direitos aduaneiros (TEC) que gravam a importação definitiva de mercadorias que não tenham como objetivo o aperfeiçoamento e posterior exportação das mercadorias resultantes para terceiros países, não compreendidos nestes regimes as zonas francas, as áreas aduaneiras especiais e as zonas de processamento de exportação.

Vale esclarecer, uma coisa é a utilização de regimes especiais para a importação de equipamentos e matéria prima de terceiros países para a agregação de valor em um Estado Parte e sua posterior exportação para fora da zona do Mercosul ou ainda a utilização destes regimes para situações de natureza não comercial. Completamente diferente é a utilização deste mecanismo para fomentar a venda de mercadorias para os Estados Partes do bloco. Neste segundo caso pode haver distorções comerciais sérias. Para ilustrar essa afirmação note-se o seguinte exemplo.

A empresa N, situada no Estado A, integrante de um determinado bloco econômico, importa a matéria prima Y de um terceiro Estado, utilizando um regime especial de importação que implica na isenção da TEC, dentre outros tributos que podem incidir sobre a importação. A mesma empresa transforma a matéria prima Y no em um produto final Z e posteriormente o exporta ao Estado B, também integrante do bloco. Oras, se o Estado A deixa de aplicar a TEC na importação daquela matéria prima, tal fato influirá no preço do produto final Z que é então exportado ao outro membro do bloco a um preço menor do que seria se a TEC houvesse sido aplicada.

Por esta razão os Estados, além de concordar na proibição da adoção unilateral destes regimes especiais, definiram ainda alguns regimes especiais utilizados por cada Estado que poderiam continuar vigorando, já que de natureza não comercial.270

270MERCOSUL/CMC/DEC 03/06. Esta decisão traz uma lista anexa onde cada país elenca os regimes especiais de importação de escopo não comerciais aplicados em seu ordenamento jurídico. A título de ilustração destaca-se a importação sob regimes especiais de obras de arte para exposição e sobre

Ademais, visualizou-se a necessidade de se criar regimes comuns de importação do Mercosul, válidos inclusive para importações de mercadorias com internação definitiva no território de qualquer dos Estados Partes, a partir da identificação conjunta de setores ou produtos a serem contemplados com políticas comerciais específicas. Esses regimes comuns nada mais são do que a real aplicação da TEC a um determinado grupo de bens escolhidos em conjunto pelos Estados Partes do bloco em virtude de alguma importância estratégica para as economias.

Por hora, pode-se mencionar dois regimes comuns de importação que estão sob elaboração: para bens de informática e telecomunicações e para bens de capital. A idéia é convergir a TEC aplicada a estes bens por cada Estado Parte gradativamente, processo que na prática tem se tornado difícil, sendo que, até o momento, apenas um o cronograma de convergência iniciou.271

No caso de bens de informática e telecomunicações, até que este processo se iniciasse, os Estados foram autorizados a aplicar uma alíquota de 0% para uma determinada lista de produtos, sujeita a consulta quadripartite do bloco. Todavia, quanto aos bens de informática e telecomunicações não contemplados taxativamente nesta lista, autorizou-se o Paraguai e o Uruguai a aplicar uma alíquota de até 2% para a importação proveniente de terceiros países até 31 de dezembro de 2012.272

Já no caso de bens de capital, o regime comum para importação contempla uma Lista Comum de itens, sugeridos e aprovados pelos países, sujeitos a alíquota de 0% para importação de terceiros países. Há ainda uma Lista Nacional com itens específicos para cada Estado, aos quais se aplica uma alíquota de 2% para importação de terceiros países. A questão principal é que, no caso de Paraguai e Uruguai, essa Lista Nacional

aparelhos esportivos. Nesses casos, a não aplicação da TEC não causa problemas de natureza comercial e podem, portanto, ser aplicados sem restrições.

271Para bens de informática e telecomunicações o início do cronograma de convergência começou em 1º de Janeiro de 2008, segundo o Art. 1º da Decisão do Conselho Mercado Comum nº 27/06. Já no caso de bens de capital, o regime só entrará em vigor em 1º de janeiro de 2009, sendo que até lá os Estados poderão manter os regimes então vigentes.

não existe, já que esses dois Estados foram autorizados em 2003 a importar absolutamente todos os bens de capital não inclusos explicitamente na Lista Comum com uma alíquota de 2%, situação prevista até 31 de dezembro de 2010.273

Finalmente, no caso de importação de matérias primas (ainda não objeto de deliberação para a criação de um regime único), autorizou-se o Paraguai a manter seu atual regime de importação para alguns destes bens, aplicando uma alíquota de 2% a uma lista reduzida de itens, até 31 de dezembro de 2010.274

A última espécie de tratamento diferenciado refere-se às regras de origem da mercadoria. Possuem especial importância, pois o abrandamento da porcentagem do conteúdo regional no “Regime de Origem do Mercosul” facilita a execução de uma política de industrialização orientada à exportação. Isso é sobremaneira válido para países como o Paraguai, que não possuem saída para o mar.275

Dessa forma, os Estados Partes do Mercosul, reconhecendo as dificuldade deste país, outorgaram a condição de “originários” (e, portanto, isentos de direitos aduaneiros quando exportados para os demais Estados Partes) aos produtos paraguaios na seguinte porcentagem de conteúdo regional e com os seguintes prazos: 40% até 2008; 50% até 2014; 60% a partir de 2014. Definiram também, mesmo que genericamente, sem prever eventuais conseqüências, que esta concessão não pode afetar investimentos já instalados no Uruguai ou que alterem corrente comerciais atuais deste país.276

A vigência das regras diferenciadas tem possibilitado ao Paraguai uma considerável industrialização com base nas chamadas “indústrias maquiladoras”. Conceitualmente o regime de maquila significa a subcontratação internacional que

273MERCOSUL/CMC/DEC 34/03. Arts. 3º e 4º. 274MERCOSUL/CMC/DEC 32/03. Art. 1º.

275Sobre as Regras de Origem no Mercosul veja-se: WITKER, Jorge. Regras de Origem nos Tratados

de Livre Comércio. Florianópolis: Boiteux, 2006, p. 119-136. Adverte-se, entretanto, que a referida obra

não aborda os regimes diferenciados utilizados no Mercosul mas apenas os elementos mais conceituais sobre a regramento de origem.

permite que uma empresa domiciliada no exterior instale uma subsidiária do país ou subcontrate empresas paraguaias com o fim de realizar processos industriais ou serviços em forma total ou parcial sobre bens tangíveis ou intangíveis admitidos temporalmente e destinados a importação. Em outras palavras, o estabelecimento localizado no Paraguai (subsidiária de uma empresa no exterior ou subcontratado por esta) importa bens (aos quais não se aplica a TEC) agregando algum tipo de valor na sua transformação para posteriormente exportá-los.

Este sistema não é novo no mundo moderno. Tem sido utilizado em larga escala, especialmente por países do leste asiático, mas também em outros continentes, inclusive no Brasil, corriqueiramente denominado de Zonas Francas ou Zonas de Processamento de Exportação (ZEPs).277 Todavia, diferentemente de algumas

experiências internacionais, no caso do Paraguai o sistema vigora na totalidade de seu espaço territorial, avalizado pelos acordos do Mercosul. Tais normas, combinado com a flexibilização das regras de origem para bens fabricados no Paraguai e destinados aos países do Mercosul, tem possibilitado um acréscimo nas exportações desse país para os parceiros do bloco.

Portanto, como uma segunda comparação entre o Mercosul e a União Européia pode-se notar que, ao contrário desta, o processo de integração do Mercosul faz um largo uso dos tratamentos diferenciados, desde sua origem. Em parte, esse fato pode ser resultado das assimetrias existentes na região, ao contrário do que se verificou nos primórdios da União Européia, quando persistia uma homogeneidade significativa entre os Estados fundadores.

Além disso, a utilização desse tipo de mecanismo parece ser mais cômoda aos países mais desenvolvidos, pois não requer deles nenhum tipo de auxílio financeiro, apenas a aceitação de uma exceção a regra geral do bloco. Enquanto na União Européia os países mais ricos como Alemanha e França suportaram o ônus de realizar

277 Veja-se neste sentido BRAGA, Helson C., A Experiência Internacional de Zonas Francas e a

as inversões financeiras para os parceiros menos desenvolvidos, as possibilidades de Brasil e Argentina fazerem o mesmo no Mercosul são razoavelmente distantes, considerando a realidade econômica atual.

Ainda, mesmo que não seja o caso de subestimar a importância desse conjunto de regras, é extremamente importante sublinhar que a permissão de exceções a TEC, na prática, impede que o Mercosul finalize o estágio de união aduaneira e passe a formação de um verdadeiro mercado comum.

3.4 O Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional