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2. AS INTERVENÇÕES SOCIAIS DA UNIÃO EUROPÉIA E OS FUNDOS

2.3 O financiamento da política social européia e os fundos estruturais

2.3.1. O financiamento da Comunidade Européia do Carvão e do Aço

A história da União Européia, de mais de meio século, é marcada por constantes transformações em suas instituições. Concomitante ao seu surgimento e a estas mudanças alargou-se também a esfera de competências e os objetivos comunitários. Desta forma, não poderia ser diferente com as políticas comunitárias empregadas e os respectivos instrumentos de atuação.

Assim, já no tratado que instituiu a CECA, embrião da União Européia, previu-se a possibilidade de a Alta Autoridade148 conceder ajuda aos trabalhadores que haviam perdido emprego em função da livre concorrência então estabelecida.149 Neste período, o advento do mercado comum do carvão e do aço despertou em alguns setores dos países envolvidos certa desconfiança em relação à autoridade supranacional. À época, persistiam velhos sentimentos nacionalistas, que confinavam o espírito de solidariedade à esfera nacional, além de uma visão de mundo ainda apegada ao dogma do Estado soberano e, portanto, incapaz de reconhecer um novo paradigma que se afigurava no contexto europeu.

Foram vários os embates políticos entre os Estados envolvidos – e no interior de cada um destes, entre as diferentes matizes partidárias – até a efetiva criação da

147 São esses casos de ação comunitária, inclusive como já se viu na jurisprudência (cf. 2.2.4), que suscitam os maiores debates sobre o princípio da subsidiariedade.

148 A Alta Autoridade era uma espécie de órgão executivo da CECA, com poderes supranacionais, previsto pelo art. 9º do seu Tratado institutivo. Tinha como objetivos garantir a livre concorrência na produção de carvão e aço por meio de instrumentos diretos e indiretos. Para tanto possuia poderes para, em períodos de crise, fixar preços máximos e mínimos e quotas de produção e importação (meios diretos). Já em períodos de normalidade utilizava como ferramentas a publicidade dos preços praticados no mercado, o controle das concentrações econômicas, de subvenções públicas e outras distorções (meios indiretos). BALLARINO, 2001, p. 29-34;

CECA.150 No campo político havia a necessidade de acomodar intelectualmente um novo modelo de integração, com competências supranacionais, dentre um sistema preexistente de crenças fortemente arraigado em algumas consciências.

No campo econômico, o sentimento de incerteza quanto aos efeitos de um mercado comum e a indisponibilidade de cada país em fazer concessões consistiam no obstáculo principal. Como relata Jean Monet, do lado francês temia-se a impossibilidade de competir com a indústria alemã numa situação de livre concorrência, gerando a resistência tanto de setores patronais como trabalhistas, ambos temendo perder com a nova situação. Já do lado alemão, um sentimento de egoísmo nacional se opunha ao sistema tributário em vias de ser estabelecido para o carvão e o aço: o sistema previa a taxação do produto pelo país onde o produto era consumido. No caso, o aço produzido e consumido na Alemanha era tributado em uma alíquota de 5% por este país. Entretanto, segundo o sistema proposto, ao ser exportado para a França, o produto exonerava-se da tributação na Alemanha (em 5%) enquanto que naquele país (local do consumo) lhe era imposto uma alíquota de 25% pelo governo francês. Os alemães sentiram-se discriminados e não queriam admitir que fosse essa a sistemática de tributação, embora não houvesse nenhuma razão para tanto.151 Foi em meio a este ambiente de, por um lado, atritos e incertezas políticas e econômicas e, por outro, a necessidade de se manter a livre concorrência no ambiente do carvão e do aço – o que levou inclusive ao fechamento de indústrias e estabelecimentos menos competitivos - que se vislumbrou a necessidade de algum tipo de intervenção.152

150Via de regra, os partidos comunistas e os setores mais identificados com a “direita nacionalista” foram mais relutantes em apoiar o incipiente projeto europeu. Por outro lado, foram os partidos identificados com a democracia cristã (de centro direita) e a social democracia (de centro esquerda), que patrocinaram com maior afinco a causa da integração européia.

151 Na verdade, o sistema de tributação atual da UE, no caso dos tributos sobre o consumo de mercadorias e bens, continua sendo feito pelo Estado em que ocorre o consumo. Esse sistema de tributação no consumo, muito ao contrário das manifestações Alemãs da época, é o método que melhor serve à igualdade de concorrência. Isso porque sujeita dois produtos (o nacional e o importado) à mesma alíquota no local aonde é consumido. Tomando o exemplo acima, se acaso fosse introduzido o sistema de tributação pelo Estado produtor, como queria a Alemanha, o aço francês (tributado na França pela alíquota de 25%) concorreria no mercado alemão contra o aço alemão (tributado na Alemanha pela alíquota de 5%) em condições absolutamente desiguais (exatos 20% de diferença entre as alíquotas). 152 MONET, Jean. MEMÓRIAS: A Construção da Unidade Européia. Brasília. Editora UNB, 1976, p.

Neste contexto, segundo Usher, foi graças à utilização de um recurso financeiro, gerado a partir da cobrança de um imposto, diretamente pela autoridade supranacional, sobre a produção de carvão e aço, que foi possível a manutenção da coesão social dos trabalhadores e indústrias prejudicados. O Art. 49º do Tratado da CECA, previu poderes para a Alta Autoridade obter os fundos necessários ao desempenho das suas atribuições, estabelecendo a imposição tributária sobre a produção do carvão e do aço, enquanto o Art. 50º definiu alíquotas máximas e mínimas e a base de cálculo respectiva. O que se deve destacar deste período é que a CECA possuía seus recursos próprios e não dependia, pelo menos a princípio, da transferência voluntária de recursos financeiros dos Estados Membros.153

Posteriormente, um novo mecanismo de financiamento foi instituído, ao abrigo do Art. 53º do seu tratado, denominado Mecanismo de Perequação, por meio do qual a Alta Autoridade impunha uma nova exação tributária, desta vez sobre o aço e carvão importado de fora do mercado comum, de responsabilidade das empresas consumidoras daquele produto (importadora). Nos casos em que o preço do aço importado era maior do que o preço praticado em um Estado Membro da Comunidade, havia o risco dos produtores internos aumentarem o preço dos seus produtos (pelo fato do produto importado ser mais caro e, portanto, menos competitivo). Para evitar isso, a Alta Autoridade utilizava o valor arrecadado por aquela tributação para subvencionar as novas importações, diminuindo conseqüentemente seu valor de compra e tornando-as mais competitivas.154