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Bulas Papais mais significativas acerca dos Hebreus

nalício de Cisneros A Poliglota Complutense foi publicada em seis volumes Os

VI. Bulas Papais mais significativas acerca dos Hebreus

Relacionado com o tema anterior, há a registar algumas bulas ponti- fícias em que aparece o tema dos Judeus. Logo desde o início do cristia- nismo deparamos com autores que se mostram, como Agostinho (ca.386), adversários dos Judeus, acusando-os de cegueira, pérfidos, homens sem fé e apóstatas.

Uma bula que ficou célebre foi a Sicut Iudaeis, que dava protecção aos Hebreus. A bula proibia, além de outras coisas, que os Cristãos for- çassem os Judeus a converterem-se ou ofendê-los, ou a tomar as suas propriedades, ou a perturbar a celebração das suas festas, ou a interferir nos seus cemitérios sob pena de excomunhão35.

Sicut Judaeis, de Calixto II, por volta de 1120. Trata-se de uma bula de protecção para os Judeus que sofreram durante a primeira cruzada (1095-1096) e foram agredidos pelos seus vizinhos cristãos. É proibido matá-los, usar violência para convertê-los, molestar as sinagogas. A bula é baseada no modelo de uma carta que começava com as mesmas pala- vras, enviada ao bispo de Palermo pelo papa Gregório I em 598 e que

Toda a obra de Barbosa foi editada em Lião, 1657-75, em 19 vols.; em 16 vols. in

folio, 1698-1716; em 20 vols. in quinto, 18 vols. in folio.

33 Oldrado, conhecido também como Oldrado de, jurista da escola dos Comentado-

res, foi discípulo de Dino del Mugello e de Iacopo d’Arena. Tomou parte em nu- merosas disputas públicas. É conhecido, sobretudo, por um parecer legal (consilium), que deu numa controvérsia política, na qual negava a universalidade do poder imperial.

34 Juan Mariana – Juan de Mariana (Talavera, Toledo, 1536 – 17 de Fevereiro de

1624, Madrid) sacerdote espanhol, historiador, membro dos Monarchomachs, en- trou para a Companhia de Jesus, tendo leccionado em Roma onde teve como dis- cípulo Roberto Belarmino. Depois passou a Paria, onde as suas exposições sobre S. Tomás de Aquino lhe granjearam grande fama. A obra fundamental de Mariana é a Historiae de rebus Hispaniae, 20 vols., Toledo, 1592; Tractatus VII. theologici

et historici, Colónia, 1609 (com um tratado sobre De morte et immortalitate, e ou- tro sobre De mutatione monetae) que foi incluída no Index Expurgatorius, e o le- vou à inquisição. Escreveu então Discursus de erroribus qui in forma

gubernationis societatis Jesu occurrunt (Bordeaux, 1625), que é um ataque aos je- suítas.

35 O Prof. Mauro Pesce apresentou na conferência de 17 de Janeiro de 1991 (II Jorna-

das sobre o Hebraísmo, Bolonha, Centro Inter-departamental de Estudos sobre o Hebraísmo e o Cristianismo antigo) uma relação de bulas sobre os Judeus. As últi- mas Jornadas (XX) tiveram lugar em Budapeste, entre 9 e 12 de Novembro de 2008.

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contrastava o uso da violência como método de conversão. A formulação de Calixto é repetida por muitos papas do séc. XII ao séc. XV. Às vezes juntavam referências a problemas actuais do seu tempo. Muitos deles condenam a acusação do homicídio ritual.

Os Judeus não devem sofrer qualquer preconceito. Nós, não por condescendência de piedade cristã, e guardando nas notas de roda- pé, nossos predecessores de feliz memória, os romanos pontífices Calixto, Eugénio, Alexandre, Clemente, admitimos a sua petição, e garantimos-lhes o escudo da nossa protecção. Decretamos que os cristãos os obrigam, contra a sua vontade os recusando, por violên- cia a serem baptizados.

A bula foi depois reafirmada por outros papas incluindo Alexandre III, Celestino III (1191-1198), Inocêncio III (1199), Honório III (1216), Gregório IX (1235), Inocêncio IV (1246), Alexandre IV (1255), Urbano IV (1262), Gregório X (1272 e 1274), Nicolau III, Martinho IV (1281), Honório IV (1285-1287), Nicolau IV (1288-92), Clemente VI (1348), Urbano V (1365), Bonifácio IX (1389), Martinho V (1422), e Nicolau V (1447). Mas isso não impediu as perseguições aos Judeus. Vejamos a lista de bulas papais mais significativas, algumas delas a favor deles.

Post Miserabile, de Inocêncio III, enviada aos prelados de Europa, trata da necessidade de uma outra tentativa de Cruzada. Entre os privilé- gios concedidos aos que tomarem parte na cruzada está a protecção das suas propriedades enquanto estiverem fora, incluída a suspensão do pa- gamento e dos interesses sobre as suas dívidas aos Hebreus. A fórmula na qual tal suspensão é expressa torna-se regra nas chamadas às cruzadas sucessivas.

Etsi non displaceat, de Inocêncio III, de 1205, é uma lista enviada ao rei de França contra os Hebreus acusados de: usura, blasfémia, arrogân- cia, uso de escravos cristãos e outras coisas. O rei é solicitado a pôr termo a tais coisas, continuando a serem mencionadas por vários papas seguin- tes e a serem completamente ignoradas por outros.

In generali concilio, de Honório III, 1218, dirigida ao arcebispo de Toledo, pede a aplicação da decisão do 4.º concílio de Latrão (1215) em que os Hebreus deviam usar vestes que os distinguissem dos cristãos e pagar a décima às igrejas locais. Ambas as coisas serão depois repetidas pelos papas seguintes. Os excluídos, por nós aqui identificados como os judeus e muçulmanos, também foram alvo da política papal, tal como assinalam os cânones de 67 a 70. Criticou-se a usura praticada pelos ju- deus, instituíram-se vestes especiais tanto para judeus como para muçul-

manos, proibiu-se a entrega de cargos públicos aos judeus e condenou-se a manutenção de ritos judaicos por parte de judeus convertidos.

Os cânones que tratam dos excluídos ressaltam a necessidade de manter-se intacta a identidade e a hegemonia cristã. Os judeus receberam um tratamento ainda mais rigoroso do que os muçulmanos, justificado pela “...blasfémia contra aquele que foi crucificado por nossa salvação” (31), por parte dos primeiros.

Etsi Judaerum, de Gregório IX, 1233, a favor dos Hebreus.

Si vera sunt, de Gregório IX, 1239, endereçada aos reis e aos prela- dos de França e Espanha, ordenando o confisco e a inspecção do Talmud e de todos os outros livros hebraicos suspeitos de blasfémias contra Cristo e a Cristandade. A destruição dos livros hebraicos será imposta várias vezes do séc. XIII ao séc. XVI.

Lachrymabilem Judaeorum, de Inocêncio IV, 1247, a favor dos He- breus alemães que eram acusados de vários crimes.

Turbato corde, de Clemente IV, 1267, dirigida aos inquisidores em que o pontífice exprime consternação acerca de certos boatos segundo os quais os Judeus tentavam angariar para a sua religião os Cristãos.

Vineam Soreq, de Nicolau III, 1278, mandada aos Franciscanos da Áustria e Lombardia para que preparassem a pregação aos Judeus36.

36 O termo Soreq aparece em Is. 5, 2 בקי-םגווכותבלדגמןביוקרשוהעטיווהלקסיווהקזעיו

בצח וב וקיו תושעל םיבנע שעיו םישאב

Soreq e não Soreth. A vinha de Soreq aparece em Is. 5, 2, significando “a vinha eleita”; e em Jer 2:21, “vinho nobre”; “soreqah” em Gen. 41, “vinho preferido”; o vale de Sorek onde habitava Dalila e ficava a norte de Dimna e de Aswdod (Jui. 16, 4). O termo hebraico indica uvas escuras e, de acordo com tradição rabínica, eram uvas muito doces e quase sempre sem bagos. No c. 15. Psalm. 79: ejecisti

gentes, et plantasti eam. Ou soreq escolha. Nos Analecta Hymnica Medii Aevi

Orationes rhythmicae encontramos um texto de Udalrico Wessofontano sobre a vinha eleita: «Quantum ad electionem palmitum dicitur: et plantavit eam electam,

idest ex electis palmitibus: unde alia translatio habet, vinea soreq, quod est nobilissimum genus vitis, in quo significatur bonitas patrum. Jer. 2: ego te plantavi vineam electam, omne semen verum. Quantum ad sumptum aedificii, quod pertinet ad defensionem, dicit: aedificavit in medio ejus turrim; in quo ostenditur regia dignitas. Ez. 16: decora facta es vehementer nimis, et profecisti in regnum. Cant 4: turris David aedificata est cum propugnaculis…et olei multiplicati sunt. bonum est ergo habere intra te torcularia uino redundantia, ut fluat tibi uinum in uas tuum de uinea Sorech, poculum illud inebrians quam prae- a r u m. Sor-ech enim uinea noui principii, nouae aequitatis. unde et dicitur nobis: cantate Deo uestro canticum nouum; principium eius, magnificate nomen eius ab extrema terra et. haec ergo uinea uuas faciat, non iniquitatem. ideo relicta est

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Quamvis perfidiam, de Clemente VI, 1348, em que é solicitada a protecção aos Hebreus acusados de serem os causadores da peste negra.

Etsi doctoribus gentium, de Bento XIII anti-papa (Pedro de Luna), 1415, que constitui uma atitude anti-judaica.

Numquam dubitavimus, de Sixto IV, 1482, que autoriza Fernando de Aragão a nomear inquisidores para extirpar heresias e impedir as práticas judaicas entre os que se tinham convertido ao Cristianismo.

Cum nimis absurdum, de Paulo IV, 1555, também com determina- ções anti-judaicas.

Romanus Pontifex, de Pio V, 19 de Abril de 1566 sobre as suas sina- gogas que deviam ser queimadas. As suas casas deveriam ser demolidas e eles deviam ser amontoados sob um único tecto ou num estábulo, como ciganos, para que eles entendam que não passam de prisioneiros miserá- veis. Os seus Talmudes e livros de orações deveriam ser-lhes tomados. Os seus rabinos deviam ser proibidos de ensinar, sob pena de morte. “Os judeus devem pagar por terem recusado Cristo e seu evangelho; não me- recem a liberdade e sim a servidão”.

Cum nos super, 17 de Janeiro de 1567, ordena que os Hebreus de- vem vender os seus bens, caso contrário serão requisitados e usados na casa dos catecúmenos.

Hebraeorum gens sola, de Pio V Fevereiro de 1569 (e uma outra semelhante de Novembro de 1566), sobre a ampliação da Casa dos Cate- cúmenos.

Hebraeorum gens, de Pio V, 1569, que acusa os Judeus de muitas culpas, inclusive mágicas.

Vices eius nos, de 1577, mandava os Judeus de Roma a enviar dele- gações às igrejas.

Sancta Mater Ecclesia, de Gregório XIII, 1584, confirmando a Vices eius nos, de 1577, ordena aos Hebreus que mandem 100 homens e 50 mulheres aos sábados à tarde para que ouçam a pregação controversista.

Antiqua Iudaeorum improbitas, de Gregório XIII, 1581, que motiva a expulsão dos Hebreus acusando-os de artes mágicas.

uinea ludaeorum, quia iniquitatem fecit, ut scriptum est, e t non iudicium. nos ergo fructum feramus in Christo, ut perpetui esse mereamur. Esque panifica, per quam conficitur hic panis, anima quo credens alitur, quando inopia virtutum premitur, vel cum a perfido hoste persequitur. Tu Sorech vinea es fertilissima, qua vitis orta est benedictissima, fundens fidelibus virtu suavissima, quibus inebrias eorum intima».

Christiana pietas, de Sixto V, 1586, em defesa dos Judeus contra o que haviam determinado os papas desde Paulo IV a Pio V. Permitia a im- pressão do Talmud, mas só depois de ser objecto de censura. Os Hebreus gozarão disto por pouco tempo, porque em 1593 Clemente retomará mui- tas leis precedentes que estarão em vigor até ao séc. XIX, com a bula Caeca et obdurata.

Cum saepe accidere, de Clemente VIII, 1592, em que os Judeus de Avinhão eram proibidos de vender os seus novos bens.

Caeca et obdurata, de Paulo III, 1593, que confirmava a bula de Pau- lo III pela qual os Judeus estavam proibidos de saírem dos seus guetos de Roma, Ancona e Avinhão.

Cum haebraeorum militia, de 1593, proibia a leitura do Talmud37. Apostolicae servitutis, de Paulo V, que determinava que os frades regulares estudassem Hebraico.

Exponi nobis nuper fecistis, 1610, que falava dos dotes das mulheres judias.

Sedes apostolica, de Urbano VIII, 1625, sobre os hereges em Portu- gal.

Iniuncti nobis, 1626, sobre os privilégios concedidos ao mosteiro de catecúmenos.

Cum sicut acceptimus, 1635, sobre a obrigação de alimentar os po- bres Judeus que se encontravam em prisão por dívidas.

Cum allias piae, 1636, determinava que as sinagogas dos duques de Ferrara e Urban deviam pagar uma taxa de 10 ecus.

Verbi aeterni, de Alexandre VII, 1657, sobre os direitos dos neófitos acerca do “jus gazaga”. The usual38.

37 Em 1596, saiu um Index alargado que incluía a ordem de que se queimassem li-

vros judaicos; em 1604, o Rabino Joshua Ascarelli, sua mulher e quatro filhos fo- ram mandados para a Casa a fim de serem lavados ao cérebro e baptizados.

38 Era a expressão corrente italiana (de origem talmúdica) que designa o direito da

Ḥazaḳah, especialmente concernente ao arrendamento de casas no gueto de Roma. Clemente VIII fez dele parte das leis relativas aos Judeus. Várias publicações con- têm casos sujeitos a esta lei. – Vid. Genesi e natura del diritto di Gazaga ossia

Parere per la verit`a sulla questione Se il diritto di gazagà acquistato dagli Ebrei sotto la legislazione Pontificia siasi o no risoluto dopo la pubblicazione delle

leggi Italiane, Roma, 1872; Abraham Berliner, Geschichte der Juden in Rom, von

der ältesten Zeit bis zur Gegenwart (2050 Jahre) (1893), Frankfurt a. M., 1893, reed., Hildesheim, 1987; Alfredo Baccelli, Brevi note intorno al carattere del

“Jus di Gazaga” in Roma, Roma, 1892; Carla Boccato, Istituzione del ghetto veneziano: il diritto di locazione perpetua o “jus gazaga” ed i banchi di pegno,

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Ad ea per quae, 1658, sobre o “Jus gazaga”.

Ad apostolicae dignitatis, 1662, concordata entre o colégio de neófi- tos e o Colégio germânico.

Illus, qui illuminate, 1663, sobre os privilégios que favoreciam as fraternidades de neófitos.

Clemente X (1670-1676) ordenou que cessasse a inquisição portu- guesa, mas recusou ajudar os Judeus expulsos de Viena (1670). A pior atitude sob o domínio papal foi o encerramento das portas do gueto ro- mano durante a noite. Nem os Judeus podiam sair nem os cristãos entrar.

Animarum saluti, de Alexandre VIII, 1690, acerca dos neófitos das Índias.

Ad radicitus submovendum, de Inocente XII, 1692, sobre a abolição de jurisdição especial.

Propagandae per universum, de Clemente XI, 1704, sobre a confir- mação e extensão ordenadas por Paulo III acerca dos neófitos.

Essendoci stato rappresentato, 1705, sobre os poderes do vigário de Roma quanto à jurisdição sobre os catecúmenos e neófitos.

Salvatoris nostri vices, 1712, sobre a transferência dos “Pios Operá- rios” para trabalharem com os catecúmenos.

Ex injuncto nobis, de Inocêncio XIII, 1721, sobre a proibição de ob- jectos novos.

Nuper, pro parte dilectorum, de Bento XIII, 1726, sobre o estabele- cimento de dotes para raparigas neófitas.

Emanavit nuper, 1727, sobre condições necessárias para impor o baptismo aos Judeus.

Alias emanarunt, 1729, sobre a proibição de vender coisas novas. Postremomens, de Bento XIV, 1747, sobre o baptismo dos Judeus. Apostolici Ministerii, 1747, sobre o direito de repúdio dos neófitos. Singulari nobis, 1749, sobre o casamento entre Judeus e Cristãos. Elapso proximo anno, 1751, sobre os Judeus heréticos.

A quo primum, 1751, é uma encíclica aos primazes, arcebispos e bispos da Polónia em que se abordam certas questões relativas aos Ju- deus.

Probe to meminisse, 1751, sobre o baptismo das crianças judias.

s. l., 1971?; Alessandro Visconti, Gazaga, Milão, 1908 Giovanni Ortolani, L' Jus

di gazaga e la Legge sulla imposta di ricchezza mobile, Milão, 1911; Vittore Co- lorni, Gazaga, ghetto, israeliti: voci ebraiche dal Novissimo digesto italiano, Mântova, 1998.

Beatus Andreas, 1755, que confirma o martírio da criança Simão de Trento pelos Judeus.

Clemente XIV em 1759, quando ainda era o cardeal Ganganelli, foi à Polónia para responder ao apelo judaico relativamente às alegações so- bre o “morticínio ritual”39.

Pio VI renovou todas as restrições impostas desde o séc. XIII. A censura dos livros foi estritamente reforçada bem como os sermões para converter os Judeus.

Leão XII reforçou estas regras com extremo rigor e de novo defen- deu a ida dos Judeus que viviam em Roma para guetos e impôs outras restrições aos Judeus. Livres dos seus guetos pela Revolução Francesa, os Judeus continuaram a estar sujeitos a voltar aos guetos.

Pio IX, na noite de Páscoa de 1848, permitiu a remoção das portas dos guetos. Depois de ter regressado de França onde se tinha refugiado por causa da revolução, regressou tão mais agreste que acusou os Judeus desses movimentos revolucionários e manteve o gueto em Roma até ele ser abolido pela ocupação de Roma em 1870. Persuadiu Tuscany para proibir os doutores judeus de praticarem a medicina.

Por decreto real, de 2 de Outubro de 1870, os Judeus obtiveram a li- berdade que o papado tinha negado durante 1500 anos.

Leão XIII foi o primeiro papa a não exercer jurisdição sobre os Ju- deus. Contudo encorajou o anti-semitismo. Recusou intervir no caso do capitão Dreyfus. S. Pio X determinou que a inquisição passasse a Santo Ofício. Pio XI, em Setembro de 1938, expressamente advertiu os seus ouvintes de que o anti-semitismo era incompatível com o cristianismo. «Espiritualmente, disse, todos nós somos Semitas». Também recordou o pensamento do grande teólogo Henri de Lubac, “que ser anti-semita é o mesmo que ser anti-cristão». De Lubac e o papa Pio XI falaram durante os anos que antecederam a II Grande Guerra, quando o anti-semitismo se divulgava por toda a Europa.

39 Vid. “Report of Cardinal Ganganelli”, in C. Roth's, The Ritual Murder Libel and the Jew, 1935, p. 83): «Admito pois como verdade o facto do ferido Simão, um rapaz de três anos, morto pelos Judeus em Trento no ano de 1475 por ódio à fé em Jesus Cristo (embora isto seja disputado por Basnage e Wagenseil)». Flaminio Cornaro, um senador veneziano, na sua obra On the Cult of the Child St. Simon of

Trent (Veneza, 1753) contraria todas as dúvidas levantadas pelos mencionados críticos. – Vid. J.Elichai, Ebrei e cristiani, Bose, 1995; R.Finzi, L’Antisemitismo, Florença, 1997; “Essay of 3rd November 1894”, in La libre parole. Quot. de R.Finzi, o.c., p. 36; Quot. de J.Elichai, o.c., p. 43.

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As relações católico-judaicas percorreram um longo caminho depois que o Concílio Vaticano II aprovou a Declaração Nostra Aetate, embora ainda falte uma fundamentação teológica forte.

Em Janeiro de 1943, Pio XII teve nas suas mãos uma carta de Wa- dislas Rackiewicz, presidente do governo polaco no exílio em Londres, em que ele dizia:

O extermínio dos Judeus, e com eles muitos cristãos de origem se- mita, foi só um teste para a aplicação sistemática de mortes em massa organizada cientificamente… Centenas de milhar de pessoas sem devido processo…

Em 1943, Dezembro, os Judeus eram privados oficialmente da cida- dania italiana. Das 335 pessoas mortas nas Fossas Ardeatinas, 70 eram Judeus. No mesmo ano de 1943, Pio XII ficou verdadeiramente chocado pelo facto de Hitler ter ab-rogado um artigo da concordata de 1929 em que o governo alemão aplicava uma taxa obrigatória dos seus cidadãos anualmente. Cinquenta por cento era para a Igreja da Alemanha e a outra metade para Roma. Em 1943, somou o total de 450 milhões de marcos, o equivalente então a $100 milhões.” Em 1944, Junho, 5, o capelão militar removeu os selos, incluindo o de Pio XII, das portas da Grande Sinagoga de Roma. Os Judeus eram novamente livres. Em 1945 deu-se a conversão ao catolicismo do Rabino Chefe Italo Zolli40, que foi baptizado juntamen-

40 O Rabino Zolli era um Judeu polaco nascido em Bodji, Galizia, no dia 27 de Se-

tembro de 1881. Ocupou a cátedra de língua e literatura judaica na Universidade de Pádua. Em 1940, Israel Zolli foi chamado a Roma para ser o Rabino Chefe. Ele era e sempre foi um homem profundamente religioso, mas também dedicado à pesquisa científica. A certa altura decidiu abraçar a fé católica. Zolli tinha estado em contacto com o Jesuíta Paolo Dezza, em Agosto de 1944, de modo a preparar- -se para o grande passo que estava por tomar. O seu baptismo foi celebrado priva- damente numa pequena capela da Igreja Romana, Santa Maria dos Anjos. Sua es- posa também foi baptizada e sua filha, um ano depois. Em gratidão ao Papa Pio XII por seus esforços em proteger os Judeus perseguidos, Zolli foi baptizado com o nome próprio do Pontífice Romano. Assim, ao falar da maior conversão do Ju- daísmo que foi Saulo de Tarso, de quem Zolli era um grande admirador, o ex- -Rabino foi capaz de escrever: «Seria a conversão uma infidelidade à antiga Fé previamente professada? Responder rapidamente Sim ou Não, não seria justo... Antes de responder, uma pessoa deveria parar e se perguntar a si própria o que é a Fé em si mesma. Fé é uma adesão, não a uma família, tradição ou tribo, nem mesmo à uma nação. Fé é uma adesão de nossas vidas e nossas obras à Vontade de Deus... teria sido Paulo um infiel? Os Judeus que estão se tornando conversos hoje em dia, assim como nos dias de São Paulo, têm muito ou tudo a perder em re-

te com sua mulher e sua filha Miriam. Em Maio de 1997, o bispo Tissier de Mallerais, da Sociedade S. Pio X, escreveu sobre os Judeus nos tem-