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3 ASPECTOS METODOLÓGICOS: OS PERCURSOS DESTA PESQUISA

3.2 A busca de um caminho metodológico

O contexto da pesquisa, as reflexões e as leituras realizadas contribuíram muito para que eu compreendesse o que queria buscar. Os dados eram muitos: as vivências de 41 encontros realizados até julho de 2016, devidamente documentados; as interações entre os participantes; as práticas desenvolvidas; as narrativas orais e escritas. Todos esses elementos demonstravam que esse contexto era altamente formativo para todos. No entanto dúvidas se configuravam: como buscar as aprendizagens e o desenvolvimento profissional dos professores? Que metodologia adotar nessa investigação?

Essas questões me fizeram buscar caminhos metodológicos de investigação que melhor se adequassem às características da experiência de formação que estávamos vivenciando no GEProMAI. A partir das leituras realizadas, dos momentos de orientação e especialmente da interlocução com os participantes do PRAPEM e do próprio GEProMAI, considerei que, para construir compreensões sobre as aprendizagens dos participantes e o desenvolvimento profissional de duas professoras do grupo de estudos, o enquadramento metodológico e os procedimentos de análise adotados deveriam estar ancorados na “pesquisa narrativa como uma forma de compreender a experiência” (CLANDININ E CONELLY, 2011, p. 51). Nesse sentido, busco compreender a experiência vivida conjuntamente com os participantes desse grupo colaborativo.

É relevante destacar que a escrita de narrativas possui potencialidades para a realização deste trabalho de pesquisa, e pode ser compreendida como um método de investigação na educação. Ela se constitui numa perspectiva a ser detalhada neste capítulo e também como um processo de reflexão pedagógica e de formação docente, aspecto que será discutido no capítulo 5, sessão em que apresento as práticas formativas no GEProMAI.

Clandinin e Conelly (2011) indicam que a experiência é um termo central em pesquisa narrativa. Para os autores, a perspectiva apresentada por John Dewey, de que a experiência é pessoal e social, permite um melhor entendimento da vida no campo da Educação, pois estabelece como fundamental que as pessoas precisem ser entendidas não apenas como indivíduos, mas percebidas em interação, inseridas em contexto social. Outro aspecto considerado relevante para Clandinin e Conelly (2011) é o critério de continuidade da experiência, enfatizado por Dewey: “é a noção de que a experiência se desenvolve a partir de outras experiências e de que experiências levam a outras experiências” (p. 30). Para os autores:

[...] experiências são as histórias que as pessoas vivem. As pessoas vivem histórias e, no contar dessas histórias, se reafirmam. Modificam-se e criam histórias. As histórias vividas e contadas educam a nós mesmos e aos outros, incluindo os jovens e os recém pesquisadores em suas comunidades (CLANDININ; CONELLY, 2011, p. 27).

Bondía-Larrosa (2002, p.21) afirma que “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”. Para o mesmo autor:

[...]se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna (BONDIA-LARROSA, 2002, p. 27).

As compreensões de experiência apresentadas por Clandinin e Conelly (2011), ancorados em Dewey, e por Bondía-Larrosa (2002) me permitem compreender a minha própria experiência como pesquisadora, num contexto de interação com os participantes do GEProMAI. Essas concepções possibilitam também narrar histórias de aprendizagem e de desenvolvimento profissional de professores que compartilham e expõem diferentes vivências que se cruzam nesse cenário de formação.

Clandinin e Conelly (2011, p. 51) afirmam que a pesquisa narrativa se ancora em “histórias vividas e contadas”. Para os autores, esse modo de pesquisar se configura como:

[...] um tipo de colaboração entre pesquisador e participantes, ao longo de um tempo, em que um lugar ou séries de lugares, e em interação com

milieus”. Um pesquisador entra nessa matriz no durante e progride no

mesmo espírito, concluindo a pesquisa ainda no meio do viver e do contar, do reviver e recontar, as histórias de experiências que compuseram as vidas

das pessoas, em ambas perspectivas: individual e social (CLANDININ e CONELLY, 2011, p. 51).

Esse modo de entender a pesquisa narrativa como a possibilidade de contar histórias vividas e, no caso desta tese, considerando o contexto do GEProMAI, contribuíram para esta investigação fosse desenvolvida a partir da experiência de interlocução que se constituiu com os participantes desse grupo ao longo de dois anos, período em que busquei focar-me no trabalho de campo. Mas acredito que não seja possível contar essa experiência com enredos lineares e tampouco deixar de considerar as interações realizadas com os professores do grupo em outros tempos e espaços de convívio. Nesse sentido, me identifico com a perspectiva de compreender e traduzir neste texto a complexidade da experiência vivenciada no e com o GEProMAI num processo de viver, contar, reviver e recontar. Considero importante destacar ainda que para Clandinin e Conelly (2011), a pesquisa narrativa se desenvolve em um espaço tridimensional que envolve os termos pessoal e social (interação); passado, presente e futuro (temporalidade), combinados à noção de lugar (situação). Para os autores, o espaço tridimensional da pesquisa narrativa “cria sentido contínuo de deslocamento, enquanto ela se move de um passado rememorado a um lugar para o momento presente em outro, todos construindo imaginativamente uma identidade de futuro” (p. 91). Para Marquesin e Passos (2009, p. 223), essa perspectiva da tridimensionalidade da pesquisa narrativa possibilita observar que “a complexidade da narrativa se amplia quando os relatos revelam as múltiplas vozes entrelaçadas durante a narração, devendo explicitar sua estrutura através da descrição do cenário e da trama, localizados em um tempo e em um espaço”.

Nesse sentido, considero relevante trazer aqui as afirmações de Freitas (2006) e Crecci (2016), com as quais concordo, colocando em destaque as aproximações da metáfora tridimensionalidade da pesquisa narrativa com a perspectiva de chronotope de Bakhtin (1988). Na perspectiva de Freitas (2006, p. 96), o autor:

[...] elegendo a linguagem como centro de suas preocupações, se servia do

chronotope como uma “ponte” explicitando a necessária eliminação de

barreiras para compreender o mundo. Para este autor, o “tempo” e o “espaço” parecem ser essenciais para a compreensão do conhecimento advindo de uma experiência. Assim, ele nos diz que associa o termo “chronotope” (literalmente, “tempo-espaço”) à ligação intrínseca das relações temporais e espaciais que são artisticamente expressas na literatura.

Para Freitas (2006), o conceito de chronotope desenvolvido por Bakhtin “parece operar em dois níveis: primeiro, como meio pelo qual o texto representa história; e segundo, como a relação entre imagens de tempo e espaço no texto, pela qual a representação da história deve ser construída” (FREITAS, 2006, p. 96).

Ainda sobre a tridimensionalidade da pesquisa narrativa, Clandinin e Conelly (2011) trazem uma reflexão importante para o pesquisador narrativo sobre a sua própria confrontação entre o passado, o presente e o futuro. Para os autores, são histórias que contamos sobre nós mesmos, histórias passadas e atuais, que fornecem roteiros possíveis para nossos futuros. Esses pontos de vista me mostram o envolvimento do pesquisador com as pessoas com que trabalha, neste caso, com todos participantes do GEProMAI, em diferentes momentos e espaços de interação.

A perspectiva de tridimensionalidade da pesquisa narrativa e de chronotope, destacadas anteriormente, me possibilitaram escrever narrativas de aprendizagens dos professores no grupo a partir da seleção encontros ou episódios e das diferentes interlocuções a respeito dos mesmos.

As narrativas de desenvolvimento profissional foram produzidas de modo a contar as histórias de duas professoras numa trajetória ao longo do tempo, numa perspectiva diacrônica, e consideram os fatos que ocorreram em espaços presenciais e virtuais ao longo do tempo. Entretanto sem a preocupação de uma linearidade, de uma sequência encadeada de situações cronológicas, as idas e vindas são permitidas na tessitura de cada história a ser contada.

Um aspecto que considero relevante destacar ao trazer a pesquisa narrativa como metodologia de investigação refere-se ao papel do pesquisador nesse contexto, pois a partir da minha vivência no GEProMAI, como participante e também como pesquisadora, me foi possível uma imersão no grupo, o fortalecimento de relações pessoais que vão além da pesquisa. Para Clandinin e Conelly (2011), no campo de pesquisa os pesquisadores narrativos

[...] se estabelecem, vivem e trabalham ao lado dos participantes, e chegam a experimentar não somente o que pode ser visto e contado diretamente, mas também as coisas não ditas e não feitas, que moldam a estrutura narrativa das suas observações e das conversas (p. 104).

Também merece atenção, no percurso de uma investigação como esta, o envolvimento da pesquisadora no campo de pesquisa. É importante considerar a

tensão existente entre a completa proximidade com os participantes e o distanciamento necessário à objetividade para produzir o texto da pesquisa a fim de que seja considerado um trabalho científico. Nesse sentido Clandinin e Conelly (2011) evidenciam que a pesquisa narrativa é relacional, e que mais importante que identificar essas tensões é preocupar-se com a forma como lidamos com elas. Os autores enfatizam ainda que o receio da perda da objetividade não é algo tão sério, e que os textos de campo, registros e gravações ajudam o pesquisador a adentrar uma observação e análise dos eventos de modo não tão apaixonado.

Em se tratando desta pesquisa, além das considerações evidenciadas pelos pesquisadores, um aspecto essencial a ser destacado é que a interlocução constante com a Professora Dora, que é docente universitária e participante do GEProMAI. A discussão em parceria sobre os episódios e narrativas contribuiu para um olhar mais frio dos eventos e para a objetividade das histórias a serem contadas.