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1 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA INFÂNCIA: UM OLHAR PARA

1.2 Concepções teóricas sobre as Grandezas e Medidas

O tema Grandezas e Medidas está presente no cotidiano das pessoas desde a infância. É comum observarmos, em situações de brincadeiras, as crianças medindo distâncias, estimando tempo, verificando quais objetos consegue carregar, enchendo e esvaziando recipientes com água, areia, entre muitas outras. A atitude de medir se estende e nos acompanha durante toda a vida, é algo que fazemos todos os dias. Nesse sentido, Caraça (1963) afirma que “toda gente, nas mais variadas circunstancias, qualquer que seja sua profissão, tem a necessidade de medir” (p. 29).

Considerando a presença e a importância da medida na vida cotidiana, Moura (1995) evidencia que a medida aparece a partir das demandas de controle de variações das dimensões dos objetos, especialmente nas construções, deslocamentos, culinária, produções artísticas, leituras de gráficos e tabelas, entre outras situações em que a medida e ato de medir surgem impregnados de significados culturais advindos das relações humanas que representa e comunica.

Diversos autores buscam explicar o surgimento da medida e discutem como o homem começou a medir ao longo da história. Mostram sua relação com o surgimento dos números racionais e a padronização das unidades de medida bem como sua relação com a Geometria. “Na história da Matemática, a medida e a Geometria também estão em uma relação de interdependência desde suas origens” (MOURA, 1995, p. 54).

Em sua tese de doutorado, Moura (1995) busca reconstruir uma espécie de linha do tempo da história da medida com o intuito de mostrar suas origens culturais e o modo de pensá-la e fazê-la. A autora apresenta aspectos sobre o início do desenvolvimento da percepção das diferenças de tamanhos, formas e espessuras de instrumentos de caça e pesca pelo homem pré-histórico, o surgimento das Matemáticas orientais como uma ciência de caráter prático e a criação do cálculo e da medição na história antiga, bem como aspectos históricos que esclarecem o desenvolvimento e a utilização da medida nas civilizações egípcia, mesopotâmica e grega.

Caraça (1963, p. 29) enfatiza que “medir consiste em comparar duas grandezas da mesma espécie – dois comprimentos, dois pesos, dois volumes, etc.”. O autor exemplifica esse conceito ao comparar os comprimentos de dois segmentos de reta, AB e CD por exemplo, em que o comprimento do segmento AB é maior que o comprimento do segmento CD. Porém evidencia que saber se um comprimento é maior ou menor que outro não é suficiente; na maioria dos casos, é importante saber quantas vezes um comprimento cabe no outro. O autor salienta ainda que “se não houver um termo de comparação único para todas as grandezas de uma mesma espécie, tornam-se, se não impossíveis, ao menos extremamente complicadas as operações de troca que a vida social de hoje exige” (CARAÇA, 1963, p. 30).

Moura (1995) afirma que é relativamente fácil comparar dois objetos longos retilíneos, como dois cabos de vassoura, e que, dependendo da forma do

objeto, é possível sobrepor um ao outro, fazendo coincidir suas extremidades e comparar seus comprimentos. Porém, se os objetos não são transponíveis como, por exemplo, as pernas de uma cadeira, para verificar a igualdade ou a diferença da medida do comprimento das mesmas, é necessário utilizar um terceiro objeto. Segundo a autora, essas situações que demandam a utilização de um terceiro objeto para comparar dimensões de outros dois permitem o desenvolvimento da noção de propriedade transitiva. A transitividade está relacionada com a capacidade de se obter, por meio de dedução, uma relação de igualdade ou desigualdade (superior ou inferior) de uma grandeza, a partir dessa mesma grandeza em outros dois (ou mais) objetos (MESTRINHO; OLIVEIRA, 2008).

Moura (1995) ressalta ainda que ao se comparar dois objetos com a intensão de medi-los nem sempre é possível fazê-lo por sobreposição. É necessário estabelecer algo comum e comparável entre os objetos, sem que seja preciso transpô-los uns sobre os outros.

Evidenciando os procedimentos necessários à realização da medição, Caraça (1963) salienta que é preciso estabelecer um estalão ou padrão único de comparação para todas as grandezas de mesma espécie. Esse padrão chama-se unidade de medida da grandeza com a qual se está tratando. Além disso, é preciso responder à questão “quantas vezes?”, o que se faz dando um número que expresse o resultado da comparação com a unidade. Esse número chama-se a medida da grandeza com relação à unidade. O autor salienta que no problema de medir é possível considerar três fases e três aspectos distintos: a escolha da unidade, a comparação com a unidade e a expressão numérica do resultado dessa comparação.

Caraça (1963) enfatiza que existe uma interdependência entre os três aspectos descritos anteriormente, sendo que o primeiro e o terceiro estão intimamente ligados e um condiciona o outro, estabelecendo-se assim uma relação dialética entre a escolha da unidade e o número que resulta da comparação. A unidade pode ser escolhida arbitrariamente, mas, na prática, o número a ser obtido como resultado da medição condiciona a escolha da unidade. Isso depende da natureza das medições a serem realizadas. Uma mesma grandeza possui, portanto, tantas medidas quantas forem as unidades com as quais será medida.

Quanto à escolha da unidade de medida, Caraça (1963) afirma que é importante que seja considerada a partir de sua praticidade, comodidade e economia. Pode-se escolher a unidade como quiser, mas, na prática, o número que resulta da medição está condicionado à escolha da unidade. Como exemplo de seleção da unidade, o autor afirma que “seria tão incômodo tomar como unidade de comprimento de tecidos para vestuário a légua5, como tomar para unidade de

distância geográfica o milímetro” (CARAÇA, 1963, p. 31).

Sobre essa questão, é fundamental refletir sobre a unidade de medida que acompanha um número que indica a quantidade, pois apenas o número é insuficiente para representar a grandeza. A discussão sobre a relação entre número e unidade de medida é essencial, pois, por exemplo, o número 300, apesar de representar maior quantidade que o número 3 em termos de contagem de objetos, representa uma menor quantidade de produto se compararmos 300 gramas de arroz com 3 quilogramas do mesmo alimento. Dessa forma, a unidade de medida compõe a quantidade juntamente com o número.

Outro aspecto importante a ser destacado no que se refere ao ato de medir, é que no processo de medição de um objeto são necessários dois tipos de operação: uma de caráter geométrico, que aplica a unidade ao longo da grandeza a ser medida, e outra de caráter aritmético, que calcula quantas vezes é possível repetir a operação anterior. Deste modo, fica evidente “a existência de uma estreita relação entre ambas, o que produz uma nova operação: medir” (MOURA, 1995, p. 47). Na mesma perspectiva, Catalani (2002) ressalta que, para realizar a medição de uma grandeza, seja ela uni, bi ou tridimensional, é necessário aplicar-lhe certa unidade de medida e calcular quantas vezes é possível repetir a operação de sobrepor a unidade de medida à grandeza, sendo que o cálculo de quantas vezes se aplica a unidade de medida à grandeza refere-se ao aspecto aritmético da operação, e a escolha da unidade de medida da mesma espécie que a grandeza, o conhecimento geométrico.

É relevante salientar que os conceitos de Grandezas e Medidas e o ato de medir também se constituem em conexões para a elaboração do conceito de

5 Légua: Légua era a denominação de várias unidades de medidas de itinerários (de comprimentos

longos) utilizadas em Portugal, Brasil e em outros países até à introdução do sistema métrico. As várias unidades com esta denominação tinham valores que variavam entre os atuais 2 a 7 quilômetros. Informação obtida por meio do site: https://pt.wikipedia.org/wiki/Légua. Acesso em 24/09/2015.

fração. No processo de medir, quando a unidade escolhida não está contida em um número inteiro de vezes na grandeza a ser medida, é necessário fracionar a unidade para expressar exatamente a dimensão da grandeza em partes da unidade, fazendo emergir a necessidade da utilização de números racionais. Catalani (2002) salienta que nessa tentativa de resolver o problema de medir as “sobras”, quando ocorre a necessidade da subdivisão da unidade de medida, é que se estabelece o nexo entre medida e fração.

As observações sobre as operações envolvidas no processo de medir e a forte relação deste tema com diferentes conceitos matemáticos e com outras áreas do conhecimento enfatizam a relevância do trabalho com Grandezas e Medidas, a partir de vivências, experiências, explorações, brincadeiras e jogos desde a Educação Infantil, possibilitando que a criança construa intuitivamente noções matemáticas importantes.

Buscando esclarecer como se desenvolveu a linguagem das grandezas, Hogben (apud Cunha, 2008) indica que, a princípio, nossos órgãos sensoriais eram capazes de perceber espécies distintas a grandes distâncias, mas eram incapazes de perceber essa distinção quando se tratava de tamanhos. Desse modo, quando os olhos não eram suficientemente aptos para realizar essa tarefa, foi necessária a construção de novos “órgãos sensoriais”, extracorpóreos, que os substituíssem. Para Catalani (2002) a capacidade humana de invenção criou a unidade de medida que, quando transportada para os instrumentos de medição, torna-os extracorpóreos.

Ao buscar um aprofundamento nos estudos sobre Grandezas e Medidas, é relevante ressaltar que o conceito de grandeza tem sido discutido a partir de diferentes olhares que envolvem algumas de suas características específicas. Nesse sentido, são apresentadas algumas classificações das grandezas trazidas pelos autores considerando um ou mais de seus aspectos.

Moura (1995), com base em Rouche (1990), discute a noção de grandeza evidenciando que:

[...] pode-se comparar aquela qualidade que os objetos têm em comum, e que dividem com exclusividade com todos aqueles que lhes são declarados iguais do ponto de vista desta qualidade. Mas como descobrir esta qualidade que não é a cor, nem a forma, nem o material de que é feito? Será que num objeto alongado existe um comprimento falante, que fala por si só? A noção de comprimento só é possível a partir de um conjunto de objetos, a grandeza é considerada como propriedade deles. A noção de grandeza pode ser dissimulada, pela experiência com os objetos, por trás

de uma regra evidente: em todas as comparações de dois objetos, pode-se, sem alterar o resultado da comparação, substituir cada um dos dois objetos por um objeto equivalente (MOURA, 1995, p. 49).

Esclarecendo ainda a concepção de grandeza, a autora ressalta ser ela comum aos objetos, não existindo sozinha em um único. Ela só existe em comparação com outros objetos. Para a autora o valor de uma grandeza pode ser estabelecido apenas quando comparada com outra grandeza de mesma natureza. “As grandezas variam uma em comparação com a outra” (MOURA, 1995, p. 50).

Em sua tese de doutorado, Perez (2008) apresenta a classificação das grandezas a partir das propriedades físicas da matéria identificando-as como extensivas ou intensivas. As grandezas extensivas são aquelas cuja medida pode ser feita de um modo direto como o comprimento, a superfície, o volume e a massa. Nessas grandezas o todo é igual à soma das partes. As grandezas Intensivas são as que podem ser medidas apenas de uma forma indireta como a temperatura, ou grandezas derivadas, definidas a partir de outras grandezas como densidade, velocidade, são grandezas independentes da quantidade de substância que constitui o corpo e não se pode definir pela soma, e exigem procedimentos mais sofisticados para serem medidas.

Brolezzi (1996) afirma que unidades discretas e contínuas se referem respectivamente a duas das ações básicas na elaboração da Matemática: contar e medir. Para o autor, as grandezas chamadas contáveis, que são objeto de contagem, são denominadas discretas. Já as grandezas passíveis de medição são chamadas contínuas. No ensino elementar, muitas vezes, observa-se a tendência de se optar em cada assunto a ser trabalhado pelo aspecto contínuo ou discreto da grandeza, sem se explorar a relação existente entre ambas. Segundo o autor, abordar esses aspectos como realidades disjuntas, pode gerar consequências graves para o ensino e perde-se muito da riqueza da Matemática. O autor destaca ainda que é importante trabalhar a ideia de discreto e contínuo na construção dos conceitos matemáticos explorando a interação entre eles.

Cunha (2008), apoiada em Aleksandrov (1978), afirma que o discreto e o contínuo são duas classes contraditórias. Para a autora, a classe das grandezas discretas refere-se àquelas que podem ser divididas e a das contínuas às que são indivisíveis. De acordo com a autora, a concepção de discreto e contínuo para Aleksandrov (1978) difere da concepção de Brolezzi (1996). Cunha (2008) esclarece

que Aleksandrov destaca uma concepção dialética na qual discreto e contínuo são características que vêm sempre unidas, já que não existem na natureza objetos infinitamente divisíveis e nem completamente contínuos. “Dada à existência real de tais características, uma predomina sobre a outra. A denominação ‘ser discreto’ ou ‘ser contínuo’ é uma questão de predominância, dependendo do isolado que cria para fim de conhecimento” (CUNHA, 2008, p. 31).

A partir do exposto, é possível ressaltar que não existe uma única definição para grandeza e que os aspectos de quantificação estão presentes nessas diversas definições. É fundamental salientar que a definição de grandeza não é algo tão necessário ao professor que trabalha com a Matemática na infância para que seja inserido enquanto conceito. Entretanto, refletir e compreender seu significado são aspectos importantes que podem contribuir com o planejamento e com a prática de sala de aula.

É relevante ressaltar que, diante da necessidade de quantificar aspectos contínuos dos objetos, a humanidade fez uma reelaboração do princípio da correspondência biunívoca, criou a unidade de medida à semelhança das unidades naturalmente separadas. Essa nova unidade artificialmente criada possibilitou o reestabelecimento da relação biunívoca para a relação dos conjuntos dos números naturais com as unidades de medida contidas na dimensão a ser quantificada (CATALANI, 2002).

Para exemplificar a utilização do número natural no contexto das grandezas, Catalani (2002) enfatiza que, para grandezas discretas, o número natural utilizado é considerado para cada elemento da contagem. Assim, para contar um rebanho de bois, presume-se que cada boi constitui qualitativamente à mesma espécie de indivíduo que seu vizinho, que está separado por uma camada de atmosfera. No contexto das grandezas contínuas, de modo totalmente diferente, o número natural é usado para expressar o resultado da comparação de uma unidade de medida com a grandeza a ser medida, observando que estamos expressando o resultado da contagem de um objeto que não apresenta “separações” naturalmente.

Cunha (2008) destaca que nas escolas de Ensino Fundamental, a grandeza não é trabalhada como algo que resulta da comparação das qualidades comuns entre objetos. A autora exemplifica que as atividades que requerem que alunos identifiquem qualidades de objetos dentre um conjunto não permitem a

conclusão de que não existem qualidades intrínsecas aos objetos, pois estas surgem da comparação entre as qualidades comuns dos objetos no conjunto dado. Nesse sentido, a autora afirma que não existe objeto pesado nem objeto pequeno, mas sim um objeto que é mais pesado ou mais leve na comparação das qualidades comuns a vários outros. Consequentemente, o mesmo ocorre com o ensino de medida.

Para Cunha (2008), as atividades de medição de grandezas desenvolvidas pelas escolas focam mais diretamente na medição do tempo e de grandezas padronizadas como comprimento, superfície e volume. Raramente são trabalhadas as medições no sentido de comparar as grandezas de mesma espécie.

Ainda no que se refere aos aspectos relativos à grandeza, Perez (2008) traz considerações sobre comensurabilidade das grandezas. Para a autora, grandezas comensuráveis são aquelas nas quais cabe exatamente um inteiro de vezes uma unidade, por menor que seja. Já as grandezas incomensuráveis são aquelas nas quais não cabe um número inteiro de vezes uma unidade, por menor que seja. Quaisquer segmentos AB e CD são incomensuráveis quando nenhuma unidade de medida cabe um número exato de vezes em AB e em CD. Segundo a autora as grandezas incomensuráveis deram origem aos números irracionais.

As grandezas podem ainda ser classificadas em modulares, escalares e vetoriais. Para Perez (2008, p. 52):

As grandezas modulares são aquelas cujos valores são dados por meio de número aritmético absoluto. Resulta da comparação da grandeza medida com a unidade adotada e é grandeza essencialmente positiva. Exemplos: o comprimento (no sentido de extensão linear de um corpo), a área, o volume, a massa, a quantidade de calor. As grandezas escalares são aquelas cujo valor é dado por meio de número algébrico relativo, depende do sinal, o qual pode ser positivo ou negativo. Exemplos: a temperatura – de 25 °C pode ser contada acima ou abaixo do ponto de origem ou de referência da escala, como +25°C ou –25°C; a diferença de nível: altitude e profundidade como +50m acima do nível do mar e –50m abaixo do nível do mar; o tempo: negativo para acontecimentos do passado -200 A. C e positivo para acontecimentos depois de Cristo + 1500 D. C. As grandezas vetoriais são aquelas cujos valores se caracterizam por um número e também por uma direção e um sentido. Exemplos: força, velocidade vetorial, aceleração vetorial.

Observando as classificações das grandezas como indicadas por Perez (2008) e por Ponte e Quaresma (2011) é possível afirmar que o trabalho com Grandezas e Medidas requer uma ampla compreensão desse tema matemático, e

independentemente do nível escolar que se trabalhe, é importante conhecer os aspectos envolvidos no seu ensino.