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1 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA INFÂNCIA: UM OLHAR PARA

1.1 A Educação Matemática na infância

Ao iniciar o trabalho de campo e a escrita desta tese, algumas questões permearam meus pensamentos e ações durante a interlocução com os professores participantes do GEProMAI. Por serem docentes que atuam na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, optei por adotar nesta tese a terminologia

“professores da infância”. Outro aspecto que contribuiu para a adoção dessa denominação é o fato de que, no Brasil, a maior parte dos profissionais que atuam com as crianças nesses segmentos de ensino é formada em Pedagogia ou em cursos similares, o que os habilita para lecionar nessas etapas da Educação Básica.

Ao escrever sobre a aprendizagem e o desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemática na infância, considero importante apresentar a compreensão de infância que trago para esta tese, que foi se constituindo a partir das interlocuções com a literatura e com os participantes do GEProMAI. Inicialmente, é relevante considerar que infância é um conceito determinado historicamente, decorrente das mudanças na forma de organização da sociedade ocorridas especialmente nos séculos XVII e XVIII, que passaram a conceber a ideia de crianças como um grupo que não se caracteriza pela imperfeição, incompletude ou miniaturização do adulto, mas que adquire uma investidura própria do desenvolvimento humano (FARIA, 2011).

No GEProMAI estabelecemos como foco de nossos estudos os aspectos teóricos e práticos sobre ensinar e aprender Matemática nos anos iniciais da educação formal. Nesse sentido, optamos por não restringir a nossa compreensão de infância à etapa da Educação Infantil, pois, inclusive por força da Lei 11.274/2006 (BRASIL, 2006), as crianças de seis anos foram incluídas no Ensino Fundamental. Compreendemos que a infância não poderia ser encurtada por força da lei que mudou o lugar da criança de seis anos no sistema educacional.

Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Brasil, 1990) estabelece em seu artigo 2º que são consideradas crianças as pessoas que possuem até doze anos de idade incompletos. Entretanto, parte das crianças com idade superior a 10 anos estuda nos anos finais do Ensino Fundamental, tendo como professor de Matemática o profissional licenciado na disciplina. Diante dessas questões, estabelecemos como foco de nossos estudos e práticas o ensino e aprendizagem da Matemática na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental.

Embora estabelecida a faixa-etária aproximada de 0 a 10 anos e os segmentos de ensino foco dos estudos do GEProMAI, considero importante esclarecer a concepção de infância que permeia as práticas do grupo de estudos e, por consequência, esta tese. Compreendemos a criança como “um sujeito capaz de

relacionar-se, de interagir, de comunicar-se, de internalizar conhecimentos, atribuindo sentido a eles a partir das experiências de que participa e do lugar que ocupa nessas relações” (Lima; Mello, 2006, p. 20). Essa concepção de criança, fundamentada na perspectiva histórico cultural, possibilita compreender a criança como sujeito e não objeto da aprendizagem, como construtora de conhecimento, cultura e de identidade. Nesse sentido, a infância é entendida como “o tempo em que a criança deve ser introduzida na riqueza da cultura humana histórica e socialmente criada, reproduzindo para si qualidades especificamente humanas” (MELLO, 2007, p. 90).

É relevante ressaltar que neste trabalho olhamos para os professores, profissionais que trabalham com a infância num contexto e com objetivo educativo, em um espaço público, “que não é fraternal, não é doméstico, nem tampouco familiar, posto que se constitui de um lugar onde pode haver inúmeras experimentações, criações, exercício da subjetividade, da ação e da sociabilidade” (FERREIRA, 2015, p. 25).

Para Mello (2007), as instituições educacionais devem ser os melhores lugares para a educação das crianças pequenas, pois são espaços em que é possível organizar condições adequadas de vida e educação, para que elas possam se apropriar ao máximo das qualidades humanas, que são externas ao sujeito no nascimento, mas precisam ser apropriadas pelas novas gerações por meio de suas atividades em situações coletivas. Nesse sentido, é importante que nas instituições sejam organizadas e desenvolvidas intencionalmente vivências que provoquem a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças. A autora salienta ainda que, para tanto, é essencial respeitar as formas típicas de atividade da criança como o tateio, a atividade com objetos, a comunicação das crianças entre si e com os adultos, e o brincar.

Embora a literatura sobre a infância na área da educação aborde mais especificamente aspectos relativos às crianças de zero a seis anos, ou à educação infantil (Lima; Mello, 2006; Mello, 2007; Kramer; Nunes e Cursino, 2011) a concepção de infância apresentada pelos autores não é determinada por faixas etárias rígidas. Nesse sentido, as compreensões de infância e de educação para crianças apresentadas por Mello (2007), se estendem igualmente para as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois é importante que estas também

tenham oportunidades intencionalmente planejadas de vivenciar situações que possibilitem sua aprendizagem e desenvolvimento; e porque essas crianças também brincam, se comunicam e exploram objetos, ainda que tenham objetivos educacionais e uma rotina escolar estruturalmente diferentes da Educação Infantil.

Considerando que a criança é sujeito da aprendizagem, e que educação intencionalmente planejada pode ampliar e enriquecer as possibilidades para sua aprendizagem e desenvolvimento, é possível afirmar que a Educação Matemática pode ser inserida no cotidiano educacional tanto para as crianças da Educação Infantil, quanto do Ensino Fundamental.

Nesse sentido, concordo com Ferreira (2015) ao afirmar que o trabalho pedagógico de Matemática na infância requer, sobretudo, admiti-la como um produto cultural, e oportunizar às crianças experiências com o universo matemático que lhes possibilitem descobrir, tecer relações, organizar o pensamento, interagir com meio, com crianças e adultos, compartilhar interesses, necessidades e conhecimentos.

Um aspecto importante da Educação Matemática para infância destacado por Lopes (2012) é a necessidade do respeito à cultura e aos saberes infantis adquiridos no meio cultural onde a criança vive. Além disso, é essencial valorizar a brincadeira, o lúdico, as diferentes formas de expressão das crianças, as suas múltiplas linguagens, as relações que se estabelecem na criação de brincadeiras, nas formas de brincar e seus significados. Nesse sentido, assim como Lopes (2012), não acredito em uma Educação Matemática na infância centrada em algoritmos, regras, convenções, atividades mecânicas, memorizações, repetições, etc. É fundamental que, no processo de educar-se matematicamente, a criança possa pensar, questionar, estabelecer relações, descobrir, expressar dúvidas e comunicar suas ideias e hipóteses. É essencial considerar os interesses e as necessidades da criança no processo educacional para aquisição das noções e ideias matemáticas.

É relevante ressaltar que, tanto na Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental, é importante que as crianças tenham oportunidades de realizar atividades que permitam a investigação e a resolução de problemas relacionados à Matemática. Não apenas as vinculadas aos números e operações, mas também às Grandezas e Medidas, análise de dados e probabilidade e espaço e forma. Assim como Lopes e Grando (2012), compreendo que esses temas precisam ser trabalhados de forma integrada aos projetos e ações desenvolvidos na educação da

infância, em situações nas quais as crianças estejam resolvendo problemas, jogando e brincando.

Considero importante enfatizar que, embora eu tenha procurado abordar a compreensão de infância nesta tese de modo amplo, e destacado alguns princípios para o ensino e aprendizagem da Matemática, os quais podem ser observados nos anos iniciais da Educação Básica, minimizando as rupturas entre Educação Infantil e Ensino Fundamental, não posso deixar de reconhecer que existem muitas diferenças entre esses níveis educacionais. Essas distinções são observadas tanto nos documentos quanto na organização do ensino e no funcionamento das instituições educacionais. No cotidiano é possível observar grandes diferenças entre esses segmentos em termos de currículo, rotinas e tempos escolares, além de outros aspectos. Tais especificidades permitem afirmar que os conhecimentos e saberes necessários ao professor para atuação em cada um desses níveis também possuem características distintas, o que justifica a importância da formação continuada, especialmente em ambientes que possibilitem aos professores que desenvolvam uma postura investigativa e questionem suas práticas.

A partir das considerações sobre infância e Matemática abordadas ao iniciar esta sessão, na sequência discuto aspectos teóricos relativos às Grandezas e Medidas e os motivos que justificam a inclusão desse tema na Educação Matemática de crianças no início da educação escolar e na formação de professores que ensinam Matemática na infância.