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Como visto, não havia no Brasil um regulamento geral acerca dos pedidos de cooperação judiciária internacional, ficando a disciplina procedimental da matéria a cargo da Resolução nº 9/2005 do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, o Código de Processo Civil de 1973 não tinha previsões específicas acerca da cooperação judiciária internacional passiva, fazendo mera remissão ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (órgão competente antes da EC nº 45/2004).

O novo Código de Processo Civil brasileiro (CPC), Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, trouxe previsões sobre a cooperação judiciária internacional, no capítulo II do título II

do livro II (artigos 26 a 41). Referido capítulo, intitulado “Da cooperação internacional”,

apresenta disposições gerais sobre a matéria e normas específicas sobre o auxílio direto e a carta rogatória.

Além disso, o novo CPC traz previsões sobre os procedimentos de homologação de decisão estrangeira e da concessão do exequatur à carta rogatória, no capítulo VI do título I do livro III (artigos 960 a 965).

Além da cooperação jurídica internacional, o novo CPC também instituiu o dever de recíproca cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário Brasileiro, em seus artigos 67 a 69, em todas as instâncias e graus de jurisdição, abarcando inclusive pedidos de cooperação entre diferentes ramos do Judiciário. Para Fernanda Alvim Ribeiro de Oliveira, essa previsão tem a

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Código Modelo de Cooperación Interjurisdicional para Iberoamérica. In: Revista de Processo, nº 166, ano 33, dezembro de 2008, p. 208 e 215.

função de permitir o intercâmbio e o auxílio recíproco entre juízos para incrementar a eficiência do serviço judiciário412.

O novo CPC, portanto, deixa clara a opção brasileira pelo incentivo da cooperação judiciária como medida de incremento da efetividade das decisões, sendo internas ou estrangeiras. A regulamentação detalhada da cooperação judiciária internacional, das ações de homologação de sentença estrangeira e da concessão do exequatur às cartas rogatórias demonstra o reconhecimento da importância das relações entre as jurisdições para a realização da justiça.

Retomando o exame da cooperação judiciária internacional no novo CPC, interessante notar que, segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, o Projeto de Código Modelo de Cooperação Interjurisdicional para Iberoamérica organizava a cooperação internacional em matérias cíveis e penais, mencionando, em seu artigo 3º, que as matérias cíveis abrangiam as áreas civil propriamente dita, a comercial ou empresarial, a de família, a do trabalho, a da previdência social, a tributária, a financeira e a administrativa. O Anteprojeto de Lei de Cooperação Jurídica Internacional não fazia a divisão em áreas, mas abrangia todos os campos referidos. Por sua vez, o novo Código de Processo Civil brasileiro, aplicável na área cível, também estende o alcance de suas normas ao direito empresarial, tributário, administrativo, trabalhista e previdenciário413.

Quanto às disposições gerais da cooperação jurídica internacional, o artigo 26 do novo CPC dispõe, em seu caput, que o instituto será regido por tratado de que o Brasil faz parte, devendo ser observados, conforme os incisos I a V, o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente, a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, a publicidade processual como regra geral, a existência de autoridade central para a recepção e tramitação dos pedidos de cooperação e a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras.

O parágrafo 1º do artigo registra que, na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base na reciprocidade, manifestada por via diplomática, requisito este que não é exigido para a homologação de sentença estrangeira, como prevê o parágrafo 2º.

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OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de. A cooperação. In: THEODORO JÚNIOR, Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim Ribeiro de; REZENDE, Ester Camila Gomes Norato (Coord.). Primeiras lições sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 62.

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NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil: novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 284-285.

Notam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que a exigência de reciprocidade também estava prevista no Anteprojeto de Lei de Cooperação Jurídica Internacional, já que é nesse sentido o direcionamento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça414. Entretanto, cabe aqui repetir as críticas de boa parte da doutrina sobre a exigência de reciprocidade, entendendo que esta deveria se dar apenas em questões de direito público, já que os indivíduos, titulares de relações de direito privado, não poderiam ser privados do exercício de seus direitos em função de omissão do Estado estrangeiro, sob pena de ofensa ao direito de acesso à justiça415.

O parágrafo 3º do artigo 26 afirma expressamente:

Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro.

Eis a consagração do princípio de não cumprimento de decisões que contrariem a ordem pública, presente em praticamente todos os tratados internacionais multilaterais ou bilaterais relativos a cooperação judiciária internacional.

Não poderá ser exigido do Estado brasileiro, portanto, atos que contrariem seus fundamentos de respeito à soberania, à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e ao pluralismo político. Por isso, qualquer ofensa à ordem pública nacional, ou o desrespeito aos direitos fundamentais consagrados na Constituição brasileira ou em tratados internacionais dos quais o país faz parte, ensejarão a rejeição do pedido de cooperação formulado por outro Estado416.

O entendimento é reforçado posteriormente pelo artigo 39, que dispõe que “O pedido

passivo de cooperação jurídica internacional será recusado se configurar manifesta ofensa à ordem pública”.

Retomando o exame do artigo 26, seu parágrafo 4º indica o Ministério da Justiça para exercer as funções de autoridade central, na ausência de designação específica de outro órgão nos tratados sobre cooperação judiciária. Desse modo, o novo CPC alterou a prática vigente

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NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil: novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 286.

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SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Anotações sobre o anteprojeto de lei de cooperação jurídica internacional. In: Revista de Processo, nº 129, ano 30, novembro de 2005, p. 142.

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NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil: novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 286.

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