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3. PROTEÇÃO CONTRA A DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DO GÊNERO

3.1. O trabalho da mulher

De acordo com as informações constantes no banco de dados estatísticos da Organização Internacional do Trabalho89, a participação das mulheres no mercado de trabalho

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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. La crisis financiera y econômica: una respuesta basada en el trabajo decente. Genebra: Instituto Internacional de Estudios Laborales, 2009. p. IX.

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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Piso de protección social para uma globalización equitativa e inclusiva: informe del grupo consultivo sobre el piso de proteción social. Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, 2011. p. 66.

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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Banco de dados estatísticos ILOSTAT. Disponível em: <http://www.ilo.org/ilostat/faces/oracle/webcenter/portalapp/pagehierarchy/Page131.jspx?_adf.ctrl- state=z7zeye7ul_190&clean=true&_afrLoop=1307620017945655&clean=true>. Acesso em 22/08/2015.

é bastante inferior à dos homens. Além disso, há diferença significativa entre a média do salário recebido pelas mulheres e pelos homens.

No Brasil, em 2013, enquanto a taxa de participação no mercado de trabalho (indicador que expressa a força de trabalho como um percentual da população em idade economicamente ativa) dos homens atingia o percentual de 70,1%, a taxa de participação das mulheres chegava apenas a 50,1%, ou seja, 20% a menos que a dos homens.

Apesar dessa diferença poder ser explicada, parcialmente, por aspectos culturais e tradicionais, podendo-se argumentar que muitas mulheres em idade economicamente ativa optam por não trabalhar fora de casa, as taxas de desemprego verificadas entre homens e mulheres demonstram uma maior dificuldade das trabalhadoras em obter uma colocação no mercado de trabalho. Essas taxas são calculadas levando-se em consideração todas as pessoas na idade laborativa que estão sem trabalho, disponíveis para o trabalho e efetivamente procurando um trabalho, sendo expressa em um percentual em relação à força de trabalho total. Em 2013, a taxa de desemprego de mulheres no Brasil atingia 8,5%, ao passo que a taxa de desemprego de homens atingia 5,0%.

Significativos, ainda, são os números relativos à defasagem salarial em relação ao gênero, calculada como a diferença entre os rendimentos médios dos homens e os rendimentos médios das mulheres, representada por um percentual em relação aos rendimentos médios dos homens: no Brasil, em 2013, a defasagem salarial entre os rendimentos médios dos homens e das mulheres era no importe de 21,1%.

Na Itália, a discrepância entre o trabalho feminino e masculino também pode ser observada, a partir da análise dos percentuais de participação dos homens e das mulheres no mercado de trabalho e dos níveis de desemprego.

Os dados relativos a 2014, que apontam claramente níveis de emprego de uma economia atingida pela crise econômica mundial deflagrada a partir de 2008, indicam uma taxa de participação no mercado de trabalho dos homens no percentual de 58,7%, enquanto a taxa de participação das mulheres chegava apenas a 40,1%.

Os níveis de desemprego, obtidos a partir dos trabalhadores e trabalhadoras em idade economicamente ativa que estão efetivamente procurando uma inserção no mercado de trabalho, estavam, em 2014, nos patamares de 11,9% para homens e de 13,8% para mulheres, demonstrando a maior dificuldade feminina na obtenção de novo emprego na Itália.

No que se refere aos salários, as estatísticas do Banco Mundial90 demonstram que, em todo o planeta, as mulheres sempre recebem menos que os homens, sendo que nenhum país atingiu a paridade salarial de gênero. Evidências de 83 países demonstram que, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, as mulheres ganham de 10 a 30% menos que os homens. Em 43 países estudados, a média da diferença entre os salários de homens e mulheres era em torno de 18%. Além disso, os progressos feitos para a redução da lacuna salarial entre gêneros parecem ter se estagnado na última década.

A maioria das diferenças entre os salários das mulheres e dos homens pode ser explicada pelos tipos de trabalhos desempenhados e sua duração, visto que há predominância das mulheres na economia informal, em trabalhos que exigem menor nível de qualificação e em trabalhos de tempo parcial. Além disso, há uma tendência de diminuição dos salários depois das mulheres terem filhos, apesar do oposto ocorrer com os homens (em geral, homens com filhos são mais bem remunerados do que homens sem filhos), o que pode ser explicado pelo fato de que as responsabilidades de criação dos filhos e de execução das tarefas domésticas normalmente recaem sobre as mulheres.

Além disso, há certa desvalorização social de profissões e categorias com predominância de mão de obra feminina, como em tarefas de educação e assistência à saúde. E, segundo a OIT, quanto maior a presença feminina em uma determinada categoria profissional, menores são os níveis salariais pagos aos trabalhadores que executam este tipo de trabalho91, o que, consequentemente, torna a carreira menos atrativa para os homens, perpetuando a segregação ocupacional.

Algumas teorias econômicas neoclássicas que explicam a diferença de salários entre os sexos nos diversos países, mencionadas por Alice Monteiro de Barros, apontam que a concentração das mulheres em determinadas ocupações e sua escassa participação em outras reduz sua remuneração em virtude do aumento total da oferta de trabalho em determinadas categorias92.

O principal fator que explica essa concentração feminina em algumas tarefas pode ser atribuído a atitudes tradicionais relativas ao papel da mulher, como responsável pelas tarefas domésticas e pela criação dos filhos, limitando seu tempo para dedicação à qualificação

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BANCO MUNDIAL. Gender at work: a companion to the world development report on jobs. Disponível em: <http://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/Event/Gender/GenderAtWork_web2.pdf>. Acesso em 22/08/2015.

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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Equal pay: an introductory guide. Genebra: International Labour Office, 2013. p. 12.

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profissional e sua disponibilidade para serviços que exigem a realização de trabalho extraordinário, viagens, ou que não dê suficiente flexibilidade de horários93.

Para Luisa Galantino, são preocupantes tanto a segregação sexual horizontal, segundo a qual a ocupação feminina aparece concentrada no âmbito de algumas profissões e ofícios, quanto a segregação sexual vertical, em que as mulheres não ascendem aos níveis mais altos da hierarquia profissional94.

Estudos conduzidos pela Organização das Nações Unidas95 pontuam que as limitações enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho incluem: a concentração desproporcional em formas de trabalho vulneráveis, a segregação ocupacional, as disparidades salariais e a divisão desigual do trabalho doméstico não remunerado. Essas restrições refletem a desvantagem das mulheres no processo de educação, a falta de uma voz organizada e com poder de negociação, restrições em sua mobilidade no mercado de trabalho, o envolvimento relativamente alto em trabalhos de tempo parcial ou temporários, concentração em empregos onde as pressões da concorrência mundial atuam para manter os níveis salariais mais baixos, e discriminações diretas.

De acordo com o grupo consultivo da Organização Internacional do Trabalho sobre o piso de proteção social96, a proporção de mulheres entre as pessoas que vivem na pobreza crônica e extrema é excessiva, e pode ser explicada por uma série de fatores que não só limitam o seu ingresso no mercado de trabalho, mas também restringem o acesso aos bens produtivos e aos empregos bem remunerados.

De maneira geral, as mulheres se veem obrigadas a desempenhar trabalhos mais informais, inseguros e perigosos, bem como trabalhos por conta própria, na economia informal, sem desfrutar de acesso à proteção trabalhista e à seguridade social, além de contarem com uma voz limitada e com baixa representação em mecanismos de diálogo social.

A ausência de ajuda pública e privada para fazer frente às responsabilidades familiares, além da tradicional desigualdade na distribuição das atribuições domésticas não remuneradas, são alguns dos fatores que explicam a predominância feminina na economia informal, que proporciona trabalhos remunerados com maior flexibilidade de horários e proximidade geográfica, permitindo o cumprimento das obrigações familiares.

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BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 149. 94

GALANTINO, Luisa. Diritto del lavoro. Torino: G. Giappichelli Editore, 2010. p. 224. 95

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 2009 World Survey on the role of women in development. Disponível em: <http://www.un.org/womenwatch/daw/public/WorldSurvey2009.pdf>. Acesso em 22/08/2015. 96

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Piso de protección social para uma globalización equitativa e inclusiva: informe del grupo consultivo sobre el piso de proteción social. Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, 2011. p. 65.

Além disso, as mulheres enfrentam diversas desvantagens em termos de acesso ao mercado de trabalho e formação profissional, e frequentemente não possuem a mesma liberdade que os homens na escolha dos trabalhos que querem desempenhar.

Outros aspectos são indicativos de maior discriminação em relação ao sexo feminino: as mulheres são mais preteridas em promoções, desvalorizadas em avaliações de desempenho, excluídas de postos de direção e gerência e vítimas constantes de assédio no trabalho, inclusive de índole sexual. De acordo com Alexandre Agra Belmonte, os assédios moral e sexual ocorrem com mais frequência e intensidade em relação às mulheres97.

Para fazer frente a esses fatores limitativos da participação feminina igualitária no âmbito laboral, seria imprescindível a adoção de incentivos à formação e qualificação profissional feminina, aliada ao desenvolvimento de infraestrutura social com creches e pré- escolas. Mas, além disso, faz-se necessário incrementar a proteção contra a discriminação da mulher, dando maior efetividade às normas internacionais e nacionais vigentes nos diversos países, que vedam a discriminação em razão do gênero.

As normas que proíbem a discriminação de gênero pretendem dar efetividade ao princípio da igualdade entre os sexos, já que o direito a não discriminação pode ser entendido como a vertente negativa do direito à igualdade.

Importante destacar que as medidas de proteção contra a discriminação em relação ao gênero feminino, ao contribuírem para o empoderamento e para a maior autonomia das mulheres, acarretam efeitos positivos para a sociedade como um todo. Segundo a Organização Internacional do Trabalho98, as mulheres podem converter-se em agentes de sua própria transformação social, através de oportunidades laborais e educativas e do acesso a serviços essenciais.

Entretanto, é de se ressaltar um aspecto paradoxal da questão relativa à emancipação da mulher: como observa Maria José Arthur, se é certo que a igualdade das mulheres está estabelecida como um direito universal em princípios e enunciados legais, observa-se um movimento de alienação das próprias mulheres que, muitas vezes, por terem sido por muito tempo oprimidas e humilhadas, assumem a posição de dominadas e

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BELMONTE, Alexandre Agra. O assédio à mulher nas relações de trabalho. In: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa (Coord.). Trabalho da mulher: homenagem a Alice Monteiro de Barros. São Paulo: LTr, 2009. p. 75.

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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Piso de protección social para uma globalización equitativa e inclusiva: informe del grupo consultivo sobre el piso de proteción social. Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, 2011. p. xxvi.

reproduzem-na99. Estudando os comitês da mulher trabalhadora em sindicatos de Moçambique, a autora identificou que, mesmo dentro das estruturas sindicais, a atuação das mulheres sindicalistas ficava restrita unicamente à defesa de direitos específicos da mulher, em seus papéis de mãe, esposa e educadora, agindo conforme permitido e orientado pelos dirigentes do sexo masculino. Imperioso, portanto, combater a passividade e a resignação femininas, dotando progressivamente as mulheres de mais autonomia e participação em postos de poder.

Dessa forma, o papel do Poder Judiciário em todo o mundo é ressaltado, no sentido de promover a implementação das normas presentes em tratados internacionais, além das normas supralegais e internas dos diversos Estados que preveem mecanismos para o combate à discriminação de gênero. Esse movimento para a maior eficácia das normas contra a discriminação de gênero, examinadas a seguir, faz-se essencial para propiciar a efetivação dos direitos humanos em escala global.

3.2. A proteção contra a discriminação do trabalho da mulher nas normas

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