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D. Lei nº 9.799, de 1999

5. COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL: ESPECIAL

5.1. Cooperação judiciária internacional institucional

A cooperação judiciária internacional pode ser descrita como o fenômeno em que ocorrem relações de colaboração e auxílio entre órgãos judiciários de Estados diferentes.

Tratar desse tema significa lidar, inicialmente, com o desafio terminológico, já que a mesma expressão pode ter diferentes alcances, ao passo que a mesma espécie de procedimento pode ser designada de formas variadas.

O termo “cooperação judiciária internacional” é utilizado no presente trabalho para

designar todas as formas de relação estabelecida entre órgãos ou agentes do Poder Judiciário de Estados diferentes, que se correspondem internacionalmente, para diferentes finalidades.

Para diferenciar das demais formas de cooperação, os mecanismos procedimentais necessários para se dar aplicação a decisões emanadas em um Estado no território de outro Estado soberano, em que se faz necessário solicitar a colaboração desse último para fazer valer a decisão do primeiro, é utilizada a expressão “cooperação judiciária internacional

institucional”, já que se tratam de medidas instituídas formalmente em tratados internacionais

ou em normas internas.

Nádia de Araújo explica que esse intercâmbio internacional, para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais do Poder Judiciário de outro Estado em território nacional, e vice-versa, decorre do fato do Poder Judiciário sofrer uma limitação territorial de sua jurisdição, precisando pedir a colaboração do outro Estado para auxiliar em casos em que

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BECHARA, Fábio Ramazzini. Cooperação jurídica internacional: equilíbrio entre eficiência e garantismo. In: BRASIL. SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria civil. 4. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2014. p. 46-47.

suas necessidades transbordam suas fronteiras. Lembra a autora que, atualmente, o fenômeno evoluiu para abarcar, também, solicitações de medidas administrativas entre os Estados352.

Esse mesmo instituto, em que um Estado solicita ao outro que tome medidas para realizar atos pertinentes ao cumprimento de decisões em seu território, é designado por várias

outras expressões, como aponta Adriana Beltrame: “assistência judiciária internacional”, “cooperação internacional das jurisdições”, “cooperação judicial internacional”, “cooperação jurídica internacional”, “cooperação jurisdicional internacional” e “cooperação interjurisdicional”353

.

Entre os termos “assistência” e “cooperação”, é preferível o segundo, que transmite

melhor a noção de interdependência e colaboração mútua. A manutenção do adjetivo

“internacional” pretende ressaltar o caráter que extrapola as fronteiras dos Estados nacionais. Por fim, a opção pelo adjetivo “judiciária” pretendeu ressaltar ser um fenômeno que exige a

participação, prioritariamente, de órgãos dos Poderes Judiciários dos Estados, além de ser a terminologia frequentemente adotada na Europa354.

Registre-se, ainda, que os termos “judiciária”, “jurídica”, “judicial” e “jurisdicional” aparecem como sinônimos em diferentes textos normativos que tratam do mesmo fenômeno, sem prejuízo de serem utilizados com o mesmo significado.

A cooperação judiciária internacional institucional, portanto, corresponde à colaboração entre os Estados no campo judiciário, penal ou civil, para promover o reconhecimento das decisões estrangeiras e dar cumprimento às solicitações feitas por um Estado ao Poder Judiciário do outro.

Como registra Antonietta Carestia, uma controvérsia judicial pode apresentar elementos de conexão entre dois ou mais ordenamentos jurídicos, seja porque trata de relações entre cidadãos nacionais e estrangeiros, seja porque aborda relações entre cidadãos estrangeiros que ocorrem dentro de um território nacional, seja por tratar de atos que deverão ser executados em território de outro país. Em todos esses casos, há uma interferência entre

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ARAÚJO, Nadia de. A importância da cooperação jurídica internacional para a atuação do Estado brasileiro no plano interno e internacional. In: BRASIL. SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria civil. 4. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2014. p. 29.

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BELTRAME, Adriana. Cooperação jurídica internacional. In: Revista de Processo, nº 162, ano 33, agosto de 2008, p. 188.

354 No Brasil, a nomenclatura normalmente adotada é “cooperação jurídica internacional”, conforme consta no portal eletrônico do Ministério da Justiça, e no Código de Processo Civil. A opção brasileira se decorre da noção de que a cooperação pode se dar também em atos que não importem em exercício jurisdicional, podendo também se dar administrativamente.

diferentes ordens jurídicas, não apenas no que se refere à legislação material aplicável (campo de estudo do Direito Internacional Privado), mas também sob o plano processual355.

A cooperação judiciária internacional institucional, portanto, é essencial para o enfrentamento de situações em que um Estado necessita da colaboração de outro para fazer valer suas decisões, principalmente em um contexto de globalização, em que a circulação de pessoas, bens e serviços é crescente e determinante356.

Nesse contexto, observou-se o desenvolvimento de modalidades diferentes de cooperação, com a necessidade de constante mutação e aperfeiçoamento, para tornar eficazes os meios de comunicação e colaboração entre os diferentes Estados. Ela é classificada em cooperação ativa, quando o Estado requer providências de outro, ou cooperação passiva, quando o Estado está recebendo o pedido de cooperação357.

Ricardo Andrade Saadi e Camila Colares Bezerra notam que, com o passar do tempo, houve uma mudança de paradigma: a cooperação judiciária internacional, que antes era vista como uma cortesia entre os Estados, uma vez que era considerada como possível ameaça à soberania, hoje se apresenta como essencial para o próprio exercício das atividades soberanas dos Estados, que passam a depender vitalmente da ajuda internacional para garantir os direitos individuais, coletivos e difusos da população mundial, além de combater o crime internacional, garantir a estabilidade de sistemas econômicos, entre outros temas a cargo desses Estados358.

Anteriormente, os mecanismos para sua implementação eram previstos em tratados bilaterais ou se baseavam em normas consuetudinárias, tendo, posteriormente, passado a ser previstos também em convenções de caráter regional, como nos regulamentos editados pela União Europeia, ou nos protocolos do MERCOSUL.

A cooperação judiciária internacional institucional teve amplo campo para seu surgimento e desenvolvimento na área penal, tendo em vista as necessidades de atuação

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CARESTIA, Antonietta. La rete giudiziaria europea in materia civile e commerciale. In: AMBROSI, Irene; SACARANO, Luigi A. (a cura di). Diritto civile comunitario e cooperazione giudiziaria civile. Milano: Giuffrè Editore, 2005, p. 33.

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AGUIAR, Ana Carolina Campos. O Protocolo de Las Leñas como importante instrumento para o processo de integração e cooperação jurídica no Mercosul. In: ESCOLA DE MAGISTRATURA FEDERAL DA 1ª REGIÃO. I Jornada sobre cooperação judicial nacional e internacional. Brasília: Escola de Magistratura Federal da 1ª Região – ESMAF, 2014, p. 22.

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ARAÚJO, Nadia de. A importância da cooperação jurídica internacional para a atuação do Estado brasileiro no plano interno e internacional. In: BRASIL. SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria civil. 4. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2014. p. 33.

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SAADI, Ricardo Andrade; BEZERRA, Camila Colares. A autoridade central no exercício da cooperação jurídica internacional. In: BRASIL. SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria civil. 4. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2014. p. 18.

conjunta dos Estados para o combate à criminalidade organizada transnacional, e outros delitos que extrapolam as fronteiras estatais.

As Nações Unidas promoveram convenções multilaterais gerais, como a Convenção única sobre o narcotráfico, de 1961, seguida por convenções específicas, como a de Tóquio, relativa às infrações e determinados atos cometidos a bordo de aeronaves, e a de Haia para a repressão da captura ilícita de carros, de 1970.

Dentre os tratados mais recentes está a Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional (adotada pela Conferência de Palermo de 2000, em vigor desde 2003), com três protocolos adicionais.

No âmbito europeu, foram importantes a Convenção Europeia de Extradição de 1957 e a Convenção Europeia de assistência judiciária em matéria penal de 1959.

Pelo que concerne à cooperação judiciária internacional em matéria civil, são relevantes as Convenções de Haia de 1954, de 1965 e de 1970, sobre processo civil, sobre a notificação de atos judiciários e extrajudiciários em matéria civil e comercial, e sobre a obtenção de provas no estrangeiro em matéria civil e comercial.

Na Europa, ressalte-se a Convenção Europeia de Londres, de 1968, no setor de informação sobre o direito estrangeiro, que permitiu a criação de um instrumento destinado a facilitar a obtenção de informações sobre o direito civil e comercial, o direito processual e as organizações jurídicas entre os Estados membros.

Para além desses tratados multilaterais, são também relevantes os tratados bilaterais firmados entre Estados que pretendem aumentar a efetividade de sua cooperação judiciária.

Serão analisadas as regras institucionais incidentes nos ordenamentos jurídicos da Itália e do Brasil, inclusive as provenientes das organizações regionais de que fazem parte, para verificar como se dá a previsão formal da cooperação judiciária internacional nesses Estados.

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