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3.5 – Caillois: tipos de jogos e suas relações com a TVi.

No início do presente capítulo há uma explicação sobre a abrangência do verbo “to play” que na língua portuguesa pode significar várias coisas como “jogar”, “brincar”, “atuar”, “encenar” ou “tocar” instrumentos; e do substantivo “play” que quer dizer diversão, divertimento, recreação distração, etc. Já o verbo jogar e o substantivo jogo, em português, quer significar atividades competitivas no senso estrito. No entanto, é preciso ampliar o sentido da palavra no contexto a seguir, aproximando-a do significado do “play” para que nela possamos encaixar atividades como imitação, simulação e vertigem. Talvez o melhor fosse usar o termo “atividade lúdica” no lugar de jogo.

As atividades lúdicas constituem uma parte importante, quando não majoritária, na programação da TV comercial. A maior parte dos programas infantis, desenhos animados, novelas e tele-dramaturgia, filmes, programas de auditório, de calouros, de entrevistas (talk

shows), reality shows; enfim, toda a gama de programas cuja finalidade é distração pode ser considerada simplesmente como “atividade lúdica”. Em vez de usarmos esse termo, usaremos mesmo o termo “jogos” para manter compatibilidade com o texto de Caillois. Contudo, espera-se que o leitor entenda que a abrangência do termo aqui é maior do que a palavra jogo significa em português.

Desde o nascimento da TV comercial os jogos fazem parte das grades de programação das emissoras, seja em transmissões televisivas de esportes, em programas de auditório, gincanas e vários outros tipos de espetáculos. Jogos com algum grau de interatividade existem na TV há algum tempo. No relatório da pesquisa sobre TV interativa que fez para o CNPq, o professor José Manuel Moran diz:

Nos últimos três anos começou a crescer significativamente a participação do público na elaboração dos programas de TV. Além do tradicional telefone, utilizado com sucesso em programas como “Você decide” e “Intercine” (da Rede Globo), a Internet tornou-se o recurso mais aproveitado quando se fala de interação. Basta observar programas como “Opinião Brasil” e “Roda viva” (jornalísticos da TV Cultura), “É show!” (Rede Record) e “Super positivo” (da TV Bandeirantes), entre tantos outros (Moran 2002).

Moran mostra que a interatividade está sendo introduzida mesmo em programas cuja finalidade não é a simples distração, como são os jornalísticos. Mas, o interesse da presente investigação é sobre aquele grupo de programas cuja finalidade é diversão, caso contrário, esse texto se estenderia por demais, abrangendo programas que estão fora do escopo da presente pesquisa. Assim, interessa aqui os programas de natureza lúdica, cujo princípio vem a ser, em algum grau, o jogo. Por exemplo, programas de perguntas (quiz show), comuns na TV, apostam no envolvimento participativo do telespectador porque esperam que estes, em suas casas, tentem responder as perguntas apresentadas. É um tipo de programa cujo fundamento requer engajamento do espectador, e a natureza desta participação, “voluntária,

separada no tempo e no espaço da vida real, improdutiva, fictícia e governada por regras”, faz com que ele se encaixe na definição de jogo.

Programas em que os telespectadores participam eliminando concorrentes, como os

Reality Shows, são outro exemplo de espetáculo televisual que interessa ao presente trabalho. Tele-dramaturgia interativa, como o extinto programa “Você Decide” da Rede Globo, citado por Moran, também são exemplos que nos interessam. Neste tipo de programa, explique-se, uma dramatização é apresentada e, através do telefone, os espectadores escolhem entre alguns poucos (geralmente dois) desfechos possíveis. A interatividade da TVi, nestes casos, permite uma forma participativa mais direta, sem necessidade do uso do telefone tradicional ou da Internet. Pode-se argumentar que programas como “Você Decide” se encaixam mais na qualidade de dramas interativos discutidos no capítulo passado, mas não é o caso.

Cabe aqui um esclarecimento. Não se trata de um tele-interator participar da trama em primeira-pessoa, também não se trata do público decidir os caminhos da trama, mas sim do público escolher qual dos finais quer ver. Entra-se assim na fronteira nebulosa entre

ciberdrama e jogo. Cenas dramatizadas ou cut scenes, animações, intervenções ao vivo e outras inserções audiovisuais poderão surgir em “espetáculos televisuais interativos” na TVi formando um conjunto audiovisual participativo, nos quais uma massa de tele-interatores, de alguma forma e dentro de dinâmicas variadas, interferirá no andamento e no resultado de tais “jogos”. Mas não é porque possuem cenas dramatizadas que tais programas deveriam ser considerados ciberdramas ou dramas interativos.

Os tipos de programas que possuem as características acima citadas, os jogos lúdicos televisuais, são objetos do presente tópico. Para analisá-los será tomado como ponto de partida a afirmação de Roger Caillois que diz que quatro atitudes básicas governam os jogos:

competição, chance, simulação e vertigem (Caillois 2001: 71).

Como já foi dito, Caillois classificou os jogos em quatro categorias, segundo o papel que o jogador exerce ou segundo quatro atitudes básicas que governam o jogo e que foram citadas acima (Caillois 2001: 71). A primeira categoria, na qual o jogador é um competidor, é chamada por ele de AGON. A segunda, na qual o jogador testa sua sorte, recebe o nome de ALEA. A terceira é aquela na qual o participante atua imitando alguém, simulando ser outro como um ator no teatro, e a esta categoria ele deu o nome de MIMICRY. A quarta categoria, na qual o participante procura pela perda dos sentidos, pela perda do senso de equilíbrio, procura sentir medo e, de certa forma, procura sentir “prazer na tortura”, recebe o nome de ILINX (ibid: 12-26).

Em adição a essas quatro classes de jogos, Caillois coloca dois princípios que regem a prática dos jogos, ou seja, duas formas como os jogos são jogados: PAIDIA e LUDUS. Estes dois princípios básicos estão em pólos diferentes numa gradação contínua que vai do paidia até o ludus. Paidia é uma forma de jogar que melhor se traduz no português por “brincar”, sem responsabilidade, improvisado, sem regras fixas, por pura diversão, cheio de turbulência, com tendência anárquica, que não exige esforço do participante e que sempre manifesta alguma fantasia. Ludus, ao contrário, é a forma de jogar inteiramente absorvida e disciplinada, em que o jogo acontece de forma arbitrária, imperativa, propositalmente cheia de convenções e regras, uma forma que exige do participante esforço, empenho, paciência e habilidade (ibid: 13). Segundo Caillois: “De uma forma geral, ludus se relaciona com o desejo primitivo de

encontrar diversão e prazer em vencer obstáculos recorrentes e arbitrários” (ibid: 32-33). As classes dos jogos se misturam com as duas formas de jogar, ou seja, com os dois princípios básicos que regem suas práticas. Dessa forma, o xadrez é um exemplo de jogo que mistura competição, portanto é um jogo da classe agon, com regras e concentração, quesitos

típicos da forma de jogar ludus (ibid:30). Segundo Caillois, a combinação ludus e alea também é freqüente, por exemplo, o jogo paciência depende da aleatoriedade das cartas e ao mesmo tempo depende de uma certa disciplina e estratégia ao dispô-las segundo as regras do jogo. Ludus e Mimicry também são compatíveis e o exemplo melhor é o teatro em que o ator se disciplina para encarnar um papel (ibid: 31). No entanto, Caillois mostra que algumas relações não são possíveis, por exemplo, ludus (que é ordem, cálculo e planejamento) e ilinx (que é puro estado de vertigem); ou alea (tumultuoso e exuberante) e paidia (passivo e pendente de um resultado da sorte) (ibid: 31).

Socialmente, diz o autor, as quatro categorias dos jogos encontram formas legitimadas de existência. Para o agon, a forma socializada é essencialmente o esporte, em adição aos concursos no rádio [e TV] nos quais são testadas habilidades e sorte dos competidores (ibid: 41). Claro que na época em que Caillois escreveu o livro ele não poderia prever que outras formas socializadas de combate iriam surgir a partir da cultura digital, como aconteceu com os videogames e agora com o fenômeno dos MMORPG.

A forma socializada para o alea são os cassinos, corridas de cavalo, loterias do Estado, dentre outras (ibid). Há na TV vários jogos cujo princípio é alea, por exemplo, os programas de auditório nos quais ocorrem sorteios de toda natureza, que os telespectadores acompanham para preencherem bilhetes, cartelas, carnês etc, em busca de prêmios.

Já a forma socializada predominante do mimicry são os espetáculos públicos e as representações artísticas no teatro, nas marionetes dentre outros. Caillois alerta que, no carnaval ou em festas similares nas quais os participantes recorrem à máscara e assumem algum papel, a finalidade da atividade está mais para a vertigem (ilinx) que para imitação (ibid). Na TV há diversos exemplos de uso do mimicry, por exemplo, tele-dramas, gincanas em que os participantes assumem papéis, ou ainda, segundo Rosário (?)

(...) jogar não é exclusividade daqueles que estão no palco. Caillois observa que os jogos de mimicry acontecem também com a platéia, com o espectador, através do espetáculo que convida a participar da simulação, da fantasia, do sonho. Nessa via, a mimicry é ativadora da identificação do sujeito telespectador com os discursos da tela, estimulando sua participação (Rosário ?).

Ainda com respeito ao mimicry associado a manifestações esportivas, Caillois afirma que as grandes manifestações desportivas

não deixam de ser ocasiões privilegiadas de mimicry, mesmo esquecendo que a simulação é transferida dos atores para os espectadores: não são os atletas que imitam, mas sim os assistentes. A mera