• Nenhum resultado encontrado

2.4.6 – OPIATE – Gerenciando histórias por casos conhecidos.

Na Irlanda, no Trinity College Dublin, Chris R. Fairclough e Pádraig Cunningham lideram um projeto que faz uso de um conjunto de técnicas variadas e que resulta em uma proposta criativa e interessante para uso na TVi. A abordagem principal é a de um diretor controlando uma linha narrativa (storyline) em um jogo de aventura. O sistema tem três componentes: o mundo virtual (game world), os agentes personagens não jogadores (NPCs autônomos) e o agente diretor da história (story director), também um autômato:

Os principais componentes do software são: o mundo do jogo, os agentes personagens coadjuvantes (NPC: Non-Player Character), e o agente “diretor da história”. O mundo do jogo é um ambiente 3D simples em OpenGL com diversas localizações e objetos que podem ser usados. Os agentes NPCs são simples agentes reativos autônomos para os quais também podem ser designadas metas através do agente “diretor da história”. Os personagens no mundo do jogo são agentes simples, capazes de comportamentos autômatos limitados, e reagem ao jogador se ele entrar no jogo, mas o mais alto nível de controle dos personagens é feito pelo diretor da história (Fairclough & Cunningham 2003: 1-2).

Neste ambiente, o jogador entra no mundo virtual como o herói (protagonista) e os NPCs reagem à presença do herói até um certo nível (baixo nível de controle, na definição dos pesquisadores). No entanto, o diretor da história observa o que acontece no mundo do jogo o tempo todo, incluindo as ações do usuário, e em determinado momento assume o controle dos NPCs (alto nível de controle) para que o enredo flua. O diretor da história trabalha o enredo controlando uma série de funções do personagem e uma série de pares de eventos de complicações e/ou resoluções, implementados segundo o trabalho de Propp (ibid: 2-4).

(...) um enredo é definido como uma série de funções de personagens. Um enredo é também uma série de pares de eventos complicação-resolução que podem estar aninhados. Funções de personagens são vistas como os meios para a criação dos eventos complicação ou resolução. Outros eventos podem acontecer no mundo que não são diretamente relevantes ao enredo, mas que ligam eventos da história (ibid: 5).

A história é contada através de “planos” (sub-enredos formulados em um planejador que usa a técnica Case-Based Reasoning) e um sistema de simulação social ao qual o diretor da história está conectado. Como já foi dito, CBR é um método de IA para solução de problemas pela extrapolação de casos resolvidos no passado. Os pesquisadores montaram um banco de 80 casos derivados dos 44 enredos básicos de Propp, e criaram um esqueleto de narrativa cuja estrutura baseia-se na recorrência a estes casos (Fairclough & Cunningham

2002: 3). O sistema é denominado OPIATE (Open-ended Proppian Interactive Adaptive Tale

Engine) e apresenta histórias em 3D com usuários múltiplos:

O jogo é baseado na interação entre personagens (NPCs e jogador), objetos e localidades. O jogador tem liberdade total de movimento dentro do mundo, exceto (quando) certos eventos da história podem desbloquear “portais”, objetos que habilitam transporte entre localidades. Certos objetos podem também habilitar transporte ao redor do mundo. Os NPCs são modelados em uma estrutura de camadas, do baixo nível de comportamento até o mais alto nível de metas almejadas (ibid: 2).

Os níveis de comportamento dos NPCs vão desde o baixo nível (detecção de colisão) até o mais alto nível que modela atitudes destes personagens autônomos. Um desses níveis cuida do comportamento ocioso dos agentes, e este acaba sendo o coração do sistema:

O “engine” do jogo trata dos eventos do game, mas o agente independente “diretor da história” inicia a maioria dos eventos por estar consciente do “mundo da história” e dando metas relevantes para os NPCs. O elemento mais importante do mundo do game é o sistema de fofocas, que provê uma simulação de dinâmica social onde o conhecimento dos eventos do jogo é disseminado através dos personagens. Isso permite ao jogador efetuar o desdobramento da história, uma vez que o diretor da história baseia suas decisões nesta dinâmica dos personagens (Fairclough & Cunningham 2004: 2).

A solução encontrada pelos cientistas foi, no mínimo, original. Os agentes habitantes deste mundo virtual fazem uso de boatos para deixar o herói (jogador) a par das coisas ou para provocar reações nele. É o que os autores chamam de simulação de dinâmica social. Toda vez que um agente torna-se ocioso, por exemplo quando o usuário não executa nenhuma ação, ou que uma informação ou meta deve ser alcançada, o NPC é instruído pelo diretor da história a executar uma função de personagem, retirada do banco de casos.

As ações dos personagens autônomos ocorrem como resultado de um sistema de simulação social, através do qual cada personagem acumula um conjunto de atitudes com relação a outros personagens, baseados na memória de ações que aconteceram envolvendo-os diretamente, mais as ações sobre as quais ouviram ou testemunharam. Os personagens têm um sistema de fofocas que propaga informações sobre os eventos do jogo através do elenco de personagens (...) O agente diretor da história examina o mundo do jogo a respeito de atitudes e localização dos personagens, mais o feedback do jogador, e baseia decisões de planejamento nestas informações. Os planos que ele cria são seqüências de ações dos personagens, cada qual pode ser encenada por um personagem que satisfaça o critério para aquela ação. Elas são equivalentes às “funções dos personagens” de Propp, definido como “um ato de personagem, definido a partir do ponto de vista de sua importância para o curso da ação”. O sistema tem uma biblioteca (case

library) de planos que foram autorados baseados no corpus da analise de Propp em (Propp 1968). Esta

biblioteca codifica o conhecimento especialista que não representa a expertise de Propp, ou o conhecimento especialista de qualquer outro, mas o conhecimento especializado codificado nos contos de

fada eles mesmos, relativo à estrutura esquelética que define os diferentes tipos de histórias que Propp analisou (Fairclough & Cunningham 2004: 2).

Segundo os autores, o sistema Opiate não intenta ser completo no sentido de que todo tipo de narrativa caiba nele. Ele quer prover uma estrutura que permite contar histórias nos moldes dos contos analisados por Propp, ou seja, a história terá necessariamente um herói, um vilão e os outros personagens poderão ser: o ajudante, o doador, a princesa, o mediador, o falso herói, etc. Ainda segundo os autores, uma constante no sistema é que o herói é “jogado” pelo usuário, enquanto os outros são arranjados no elenco dinamicamente. O engine do jogo deve permite ao autor definir certos elementos da história, que são depois extrapolados para o restante da história a partir de descrições básicas. Aparte a estética e os elementos do mundo virtual (e espaço do jogo), o autor deve definir para cada personagem uma identidade que, dentre outros parâmetros inclui: lealdade (ao herói ou ao vilão), links sobre que objetos pertencem a cada personagem, links que indicam a quem cada personagem conhece.

O sistema também permite inserção de “cut scenes”, que são cenas que fazem o enredo continuar, geralmente conectando um nível do jogo a outro, e que geralmente são narrativas lineares como as narrativas no cinema. No entanto o sistema aceita mostrar uma “cut scene”, num ponto qualquer da história, apenas depois que todos os conflitos tenham sido resolvidos até aquele ponto. Algumas coisas não podem ser previstas pelo autor, por exemplo, quando um NPC presencia um evento ele pode tomar uma certa iniciativa por ele mesmo. Como o programa é recursivo os pesquisadores prevêem que alguns casos da base de dados podem ser usados mais de uma vez numa história mais longa. Se uma reação do herói for necessária para que a história continue seu curso, certos atos de vilania poderão ser repetidos até influenciarem o jogador para que ele tome uma atitude esperada (Fairclough & Cunningham 2003: 5-8).

Um diferencial do Opiate, que o torna atrativo para a TVi é que o sistema foi pensado para múltiplos usuários:

O jogo massivo com múltiplos usuários em linha (Massively Multiplayer Online Role-Playing Game – MMORPG) é uma forma de jogo bastante nova e difere dos outros jogos múltiplos usuários, uma vez que a meta não é simplesmente alvejar outros jogadores, mas, interagir em um ambiente complexo e mutável com equipes de outros jogadores humanos. Este é um ambiente que necessita um autor constantemente mantendo a trilha do estado do jogo, e continuamente escrevendo uma história que leva em conta os desejos da comunidade de jogadores e os ditames do mundo do jogo. Isto requer ferramentas complexas que são comparáveis às estruturas de histórias, e é esta necessidade que é o almejado pelo sistema neste

trabalho estarão centradas na criação de ferramentas para autores ou designers de jogos. O jogo que está em desenvolvimento é um do tipo MMORPG, reduzido em escala para jogar em uma rede local (LAN) (Fairclough & Cunningham 2004: 2).

Uma vez que o sistema foi concebido para ser jogado em rede local (LAN), este sistema, devidamente transportado para a TVi, pode se tornar uma base de jogos do tipo múltiplos usuários em massa (MMORPG), ao vivo na rede de TVi.

Em primeira análise, seria necessário que a engine do jogo, também OpenGL, estivesse disponível para os STBs, mas certamente todo o programa deveria ser reescrito para rodar num middleware no STB. Interessante é observar as possibilidades e os tipos de abordagem diferentes sobre narrativas interativas. Esta é uma abordagem interessante por integrar o conceito de MMORPG com uma interface gráfica, uma narrativa e o interator. Uma mescla de quase todas as abordagens anteriores, num modelo de história controlado top-down, que leva em conta a ação emergente do interator e dos agentes, mas que trabalha um sistema social que força a história acontecer.