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2.4.3 – MIMESIS – Mediação narrativa.

Foi visto anteriormente que há basicamente três formas clássicas de abordar a criação de drama interativo: a baseada em personagens (character-based), a baseada em enredo (plot-

based) e a baseada no autor (author-based). Há uma outra abordagem que não é igual a nenhuma destas mas que não chega a ser completamente difere das anteriores porque é um misto de duas ou de todas elas. Em certo sentido pode-se afirmar que é mais uma “solução técnica”, que vem sendo trabalhada por Michael Young desde o final da década de 1990 e encontra alguns seguidores em outros centros acadêmicos. Trata-se de fazer uso de um tipo de técnica prognóstica para tentar antecipar situações da história ou antever futuras ações do usuário, na intenção de adaptar o enredo, modificar ações etc, e assim manter a história dentro da narrativa desejada. A forma como os agentes autônomos decidem o rumo da história após o processo diagnóstico é que difere um projeto de outro, como será mostrado.

Antes, será necessário esclarecer um aspecto técnico que estará presente nas abordagens seguintes. Um procedimento comum na indústria de jogos de videogame e de jogos para computadores tem sido usar núcleos de programas prontos para servirem de interface com o usuário. Tais núcleos são conhecidos por engines e literalmente são os motores dos jogos eletrônicos, da mesma forma que os engines dos STBs podem ser os motores para certo tipo de aplicativos na TVi. Os engines dos jogos dão acabamento nos objetos 3D, captam as ações do usuário (através do mouse, joystick, etc), enfim, cuidam de toda a tarefa pesada da interface em tempo real com o interator. Dessa forma, ao utilizar um

engine o produtor fica livre para cuidar da dinâmica do jogo, da inteligência que controla o mundo virtual, seus personagens e comportamentos entre outros componentes que o jogo pode ter. Ao utilizar um componente pronto e amplamente testado o projetista ganha tempo no desenvolvimento, confiabilidade além da riqueza e qualidade gráfica que é um ambiente 3D quando comparado, por exemplo, com uma interface cuja saída acontece apenas na forma de texto. Um engine popular é o Unreal Tournament e o sistema Mimesis foi criado para ser executado neste ambiente.

O projeto Mimesis está em desenvolvimento na North Caroline State University por um grupo de pesquisa denominado Liquid Narrative Group25 (LN), liderado por Michael Young. A tradição de Young nesta área é conhecida, ele tem vários trabalhos publicados desde a década passada, muitos deles disponíveis no site do projeto.

__________ __________ __________ __________ __________ __________ __________ 25 – O site do Liquid Narrative Group: < http://liquidnarrative.csc.ncsu.edu/> (20.10.2005)

O grupo ‘Liquid Narrative’ é composto de estudantes da faculdade e interessados do Departamento de Ciência da Computação na ‘North Carolina State University’, junto com colaboradores do Departamento de Inglês da NCSU, Departamento de Comunicação e Faculdade de Design (site do grupo).

O Mimesis roda em rede, cada estação de jogador é controlada em um nível superior por um computador de alta performance (MC). Quando uma estação de jogo é iniciada, ela contata o computador principal pela rede. O controlador (MC) gera um roteiro planejado (plan-based storyline) das ações a serem executadas no ambiente do jogo, algo como uma história ideal que deverá ser reproduzida na estação de jogo. Assim que o jogo começa no computador do interator, o MC envia comandos para aquela instância do jogo que controlam ações dos personagens, comunicações, estados do mundo virtual, etc (Young 2001: 1-2). Depois de iniciado o jogo, o Mimesis realiza um exercício de adivinhação, de previsão, na tentativa de manter a história iniciada.

A abordagem padrão para implementação de uma narrativa interativa é fornecer uma estrutura de história ramificada no momento do design (da criação da narrativa). Uma estrutura de história ramificada é um diagrama da história – um diagrama direcionado de nós, conectados por arcos, que corresponde às escolhas do usuário. Cada nó de uma história diagramada contém um fragmento de narrativa linear que é apresentado ao usuário não interativamente. No entanto, para alcançar o potencial total, um sistema de narrativa interativa deveria gerar uma narrativa ramificada dinamicamente, na base de uma (ramificação) a cada sessão (Riedl 2004: 5).

Conforme mostra Riedl, acima, a abordagem padrão para histórias ramificadas consiste em um autor humano prever e criar seqüências, morfemas (para usar um termo da hipermídia) ou cenas, que serão mostradas a partir de cada nó da história interativa. Mas esta solução implica que sejam trechos narrativos fixos, preconcebidos no projeto e no roteiro do drama interativo ou do jogo, e que são selecionados ou combinados conforme o interator faz a história chegar em um determinado nó. Para conseguir prover maior liberdade de ação ao usuário, um sistema automático deve então assumir a tarefa do autor humano e criar ou modificar a história em tempo real.

Modificar ou gerar histórias em tempo real é o que pretendem os projetos baseados na abordagem ou no modelo author-based. Portanto, uma forma de utilização prática real para os sistemas geradores de história seria resolver os problemas de geração em tempo real de enredos que se ramificam. Foi visto que uma das tentativas de se obter narrativa interativa é através do comportamento emergente de agentes autônomos. Estas duas soluções parecem antagônicas já que um sistema é restringente (author-based) e espera que os agentes sigam a história gerada, e o outro é libertador (character-based) porque intenta dar total liberdade de

ação aos agentes autônomos. Qualquer tentativa de fazer uso desses dois tipos de abordagem num sistema mais complexo exigiria uma mediação para tal problema, ou seja, exigiria uso de um gerenciador das ações autônomas de cada sistema, que é o a solução do diretor autônomo ou gerente do drama (plot-based). Nesse tipo de solução, as questões às quais o diretor deve estar atento são: as ações do jogador levarão ao próximo nó do enredo? Se não levarem: as ações impedem o jogador de chegar no nó desejado? Se impedirem, se a ação for contrária ao objetivo da história, que tipo de ação o diretor deve tomar? (Magerko & Laird 2004: 4).

O que os cientistas do Liquid Narrative criaram para o Mimesis é um sistema que gera prognósticos na tentativa de prever todas as possibilidades de ação do interator e em resposta gerar os possíveis tratamentos que permitem dar continuidade à narrativa. Eles chamam esta técnica de “Narrative Mediation”. Não é necessário conhecimento de computação para imaginar a quantidade de possibilidades de ações que surgem neste processo diagnóstico, que cada uma deve ser analisada e que isto deve exigir enorme esforço computacional, mesmo que se usem artifícios para diminuir a quantidade de possibilidades.

Outra técnica para geração de narrativa interativa é a mediação narrativa (...) O sistema gera uma narrativa linear que representa a história ideal que deveria ser contada ao usuário e então considera todas as formas na qual o usuário interativo pode interagir com o mundo e com os outros personagens. A história inclui ações que os personagens controlados pelo sistema realizam tanto quanto as ações que o personagem controlado pelo usuário deveria realizar. Para cada ação que o usuário realiza que ameaça desviar muito severamente da história linear proposta pelo sistema, o sistema dinamicamente gera um roteiro (storyline) alternativo a partir do ponto de desvio. Com a mediação narrativa a história é representada por um plano. O plano contém anotações que explicitamente marcam a relação temporal entre todas as ações – [dos] personagens controlados pelo sistema e pelo usuário – no plano, definindo uma ordem parcial indicando a ordem de execução dos passos (Riedl 2004: 5).

Segundo Riedl e Young, à medida que o usuário comanda seu personagem, as ações decorrentes disso devem ser contrapostas ao plano de narrativa para determinar como elas se encaixam ou desviam da estrutura do plano da história. Ainda segundo eles, no Mimesis cada ação do usuário pode ser caracterizada de três maneiras em relação ao plano de execução: uma possibilidade é que a ação seja “componente” (constituent) com o plano, ou seja, a ação do usuário se compõe com o plano e vai ao encontro do planejado, porque era uma ação esperada. Outra possibilidade é que a ação seja “consistente” (consistent), ou seja, não era o esperado mas não afeta o plano narrativo. A terceira é que a ação seja uma “exceção” (exception), ou seja, vai contra as condições requeridas para as futuras ações dos agentes. (Riedl, Saretto & Young 2003: 3). Para tratar exceções o sistema faz uso de duas estratégias:

primeiro, tenta acomodar a ação excepcional do usuário refazendo o plano narrativo. O outro tratamento é a intervenção, que pode ser visto como uma forma de restrição imposta pelo programa para garantir que não aconteça uma situação de quebra da linha narrativa.

Usar estruturas de planejamento para modelar narrativa é vantajoso porque o plano da narrativa dispõe em ordem a seqüência inteira de ações que será executada durante a sessão da história. A estrutura causal do plano da história é analisada para determinar todas as exceções possíveis que possam ocorrer durante a duração completa da narrativa. Para cada exceção possível, um plano de história alternativo é gerado e começa no ponto de exceção. O processo da mediação narrativa define uma árvore de planos de histórias parciais chamada árvore de mediação narrativa tal que cada plano representa um roteiro (storyline) completo, incluindo ambas, as ações do usuário e ações dos personagens do sistema. A árvore de mediação narrativa é construída antes da execução da sessão narrativa interativa começar. Para prevenir o crescimento ao infinito da árvore de mediação narrativa, algumas ações do usuário sofrem intervenção. Intervenção é um processo através do qual uma ação do usuário é sorrateiramente trocada por uma ação similar com efeitos diferentes – efeitos que não ameaçam a estrutura causal do plano da história. Uma exceção que sofre intervenção não requer um plano alternativo de história uma vez que a estrutura causal do plano original da história é preservado (Riedl, Saretto & Young 2003: 5).

O processo prognóstico que o sistema Mimesis utiliza requer computadores de alta performance para calcular todas as possíveis exceções no plano narrativo. No entanto, como na estação em que o jogo acontece o sistema não depende de tão alta performance, o sistema pode até ser pensado para uso na TVi. Potentes computadores poderiam calcular a linha narrativa da história e distribuir comandos ou parâmetros para os STBs através do canal de retorno, enquanto as linhas gerais da história remodelada podem ser enviadas pela correnteza de transporte, ou algumas linhas narrativas poderiam ser enviadas em correntezas elementares concorrentes. Os STBs para rodar Mimesis, da forma como está hoje, necessitariam do engine da Unreal Tournament e placas de acabamento 3D mas, como no caso do Façade, estes problemas podem ser desconsiderados em função da análise do tipo de experiência que pode ser obtido, na esperança de que sejam recursos que em breve poderão ser parte dos STBs.

Mimesis intenta gerenciar narrativas online de grupo de interatores. Cada história é um misto de situações emergentes, porque estão atreladas às ações dos usuários, com o modelo autoral top-down, porque o diretor autômato refaz a história em função de conduzir uma narrativa base. Usando joystick para controlar seus avatares os tele-interatores poderiam vivenciar histórias e visitar mundos virtuais em companhia de muitos outros. Que tipos de experiências sociais e estéticas podem emergir de narrativas nos moldes de Mimesis? Tais experiências começam a se tornar comum nos jogos em rede, especialmente através da Internet e LAN houses. A TVi poderia, em tese, atingir muito mais pessoas.