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2.4 – O Diretor autômato – a modelagem do gerente do drama.

Gerenciar narrativa interativa na forma proposta pelos narratologistas não seria uma tarefa fácil nem para um diretor humano. Imagine uma instalação na qual deve acontecer uma encenação dramática, um drama teatral ao vivo. Alguns atores foram ensaiados para exercer certos papéis nesta encenação, eles conhecem bem seus papéis e até certo ponto terão liberdade para interpretar, desde que dentro do contexto ensaiado. Cada ator terá um ponto eletrônico no ouvido e assim poderão ouvir instruções do diretor do espetáculo. O diretor deve estar a par do enredo do drama e de todas as ações que ocorrem ao vivo no mundo da instalação; ou seja, o diretor é onisciente tanto dos acontecimentos que observa em cena quanto das metas que devem ser alcançadas na encenação. O papel deste diretor será então controlar as ações dos atores, ao vivo, de tal forma que o espetáculo aconteça o mais próximo possível das metas narrativas previstas pelo enredo.

Agora insira um interator nessa instalação, uma pessoa que sabe que vai participar de uma experiência dramática, que não é a vida real, mas que está disposta a engajar no drama e vivenciar tal experiência. O interator não tem conhecimento de coisa alguma do drama, portanto, ele tem que se ambientar através da imersão e da observação do mundo no qual adentrou. Dessa forma, ele depende de interpretar e compreender as ações dos atores com quem vai contracenar. As ações e reações desse interator não podem ser previstas porque ele é livre para fazer o que quiser.

Neste ponto é que o trabalho do diretor pode ficar muito mais complicado. O diretor deve controlar as ações dos atores de tal forma que, de alguma maneira, os atores induzam (ou conduzam) o interator a tomar certas atitudes e decisões que permitam que a narrativa continue, ou ao menos se torne viável.

Antes de partirem para a criação de um modelo computacional de drama interativo os pesquisadores do projeto OZ realizaram experiências nos moldes da que acaba de ser descrita, e foram os resultados e observações dessas experiências que direcionou o trabalho deles. O objetivo era responder três perguntas iniciais: Como é se sentir imerso em um mundo virtual dramático, cheio de personagens e história? O que é exigido dos personagens neste mundo virtual? Quais são os requisitos da história e do gerente do drama (diretor) para tornar a interação algo que engaje o usuário? (Kelso, Weyhrauch & Bates 1992: 3).

A fim de começar a responder estas questões, realizamos um experimento ao vivo. Ele simulava o sistema do computador OZ no mundo real: atores ao vivo em vez de personagens controlados por computador,

um diretor ao vivo em vez de um gerente de drama, e um mundo real percebido diretamente em vez de um mundo simulado apresentado pelo computador. Através da simulação do OZ, esperávamos explorar o conceito do drama interativo e aprender a respeito de suas exigências. O experimento foi similar a uma improvisação teatral, mas com várias diferenças importantes. Primeiro, houve um enredo (interativo) coerente a ser seguido. Segundo, os atores eram dirigidos ocasionalmente conforme a história progredia, em vez de inventar ou seguir a história eles próprios. Terceiro, um interator estava no palco com os atores. E, finalmente, a experiência foi projetada para o interator. Isto é importante. O experimento não era para o diretor, os atores, ou as pessoas que o observavam; ele era para o interator (ibid).

O experimento foi executado mais de uma vez, com histórias diferentes em situações que foram filmadas. Depois de cada experiência, grupos de discussão foram formados nos quais todas as situações foram revistas, assim se obteve opiniões acerca do papel de cada um.

A conclusão mais importante a que chegamos é relativo ao que se parece estar imerso em um mundo dramático interativo. Embora tenhamos obtido muita informação a respeito de como atores, diretores, e

headsets [fones de ouvido, ponto eletrônico] podem ser usados em um experimento ao vivo, não foi

possível tirar qualquer conclusão científica definitiva. Alguns princípios do drama parecem persistir sobre o drama interativo, enquanto outros não (ibid: 13).

Os pesquisadores do Grupo OZ descobriram que o interator se torna emocionalmente engajado, que está disposto a suspender sua descrença, como no cinema e que a inconsistência dos atores (NPCs) não necessariamente interfere na suspensão da descrença do interator. Contudo, mudanças radicais no comportamento dos NPCs, causadas geralmente pelo diretor, podem ser inaceitáveis pelos interatores porque faz com que eles se sintam manipulados e tal situação não os agrada. Outra descoberta foi que a percepção do tempo pelo interator é maior do que a experimentada pelos que estão assistindo (observadores que não participaram em nada) ou mesmo a vivenciada pelos NPCs. Isto pode ser explicado porque o interator está o tempo todo interpretando eventos, tentando compreender o contexto, analisando possibilidades. Isso levou os pesquisadores a acreditar que o movimento da história pode não girar em torno de ações físicas, como são os atuais videogames, mas sim de ações na mente do interator. Outro importante entendimento a que os cientistas chegaram é que, quando o interator foi agressivamente pressionado para que uma determinada meta da história fosse alcançada, ele igualmente se sentiu manipulado e insatisfeito. A regra é não pressionar o interator. Em um dos experimentos os pesquisadores utilizaram um personagem narrador. Quando este personagem forçava a situação fornecendo pistas sobre a solução de um assassinato, por exemplo, o interator não gostava. Eram sinais gratuitos, percebidos como pressão para que o interator resolvesse logo a situação. Ao contrário, quando as pistas vinham

de outros NPCs, os interatores se sentiam mais satisfeitos e as aceitavam mais subitamente. As conclusões citadas acima se encontram em (Kelso, Weyhrauch & Bates 1992: 13-16).

Esta primeira improvisação interativa ao vivo para descobrir informações sobre nosso modelo de drama interativo foi um evento de tentativas e erros. Deste experimento aprendemos que este tipo de experiência poderia ser interessante e significante, que a história poderia ser dirigida ao redor do interator sem que ele se sinta muito manipulado, e que presença dramática é absorvente e poderosa. Aprendemos que um comportamento inconsistente nos personagens não necessariamente quebra a suspensão da descrença do interator, e que a percepção do tempo difere entre interatores e observadores externos. Achamos a curva de enredo algo útil para a definição de histórias interativas. Finalmente, usando este experimento e outro para comparação, deduzimos que personagens são os melhores agentes do gerenciador de drama, e que a produção de um sentimento de manipulação no interator destrói a vital suspensão da descrença (ibid: 16).

Segundo os pesquisadores o resultado de experiências ao vivo é um tanto animador. Uma imersão é uma experiência tanto mais prazerosa quanto mais convincente for o mundo no qual o interator vai imergir e as pessoas com as quais irá interagir. Ainda segundo eles, a experiência serviu para tomar consciência das tarefas que cada elemento deve executar dentro do modelo do drama interativo. No entanto, transportar a experiência vivida com atores e diretores humanos para o computador é algo realmente complexo (ibid: 16).

Anteriormente foi feita uma observação acerca da complexidade da modelagem de atores autômatos virtuais. A seguir analisa-se o problema da criação de um diretor autônomo e, em especial, como ocorre a integração de todos os elementos do drama interativo: história (enredo), diretor, atores, cenário, contexto e interator. Tal análise requer um viés um pouco mais tecnológico, requer explicações sobre as técnicas utilizadas nas construções dos sistemas para que as relações entre agentes autônomos e o gerente do drama se tornem compreensíveis, ou ainda para que se tornem perceptíveis os problemas e as dificuldades enfrentados por cada modelo proposto.

Tentar-se-á, à medida do possível, inserir discussões teóricas e aproximar cada modelo proposto ao objetivo da presente pesquisa, a TVi. Não há nenhum critério sobre a ordem na qual os projetos aparecem. Foram escolhidos os mais citados na literatura acadêmica e os que abrangem diferentes áreas de aplicação. Contudo, a presente dissertação de mestrado não dá conta de todos os projetos que surgiram e que têm surgido com a mesma finalidade.