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DIAGRAMA DOS JOGOS (JESPER JULL)

3.1.1 – Uma definição conciliatória sobre os jogos.

DIAGRAMA DOS JOGOS (JESPER JULL)

A análise do gráfico (página anterior) torna a definição de jogo de Jull mais clara e lógica. Por exemplo, na zona de quase-jogos estão os seguintes tipos de aplicativos:

•“RPG” (Role Play Game) em papel e lápis: a razão pela qual ele considera o RPG um quase- jogo é que o atributo 1 foi retirado do RPG (O RPG não tem regras fixas).

•“Simulações com finais abertos”: falta o atributo 3 (valorização do resultado). Os simuladores (especialmente os de treinamento) caem nesta situação porque o resultado não importa, vale a participação com finalidade de adquirir alguma habilidade. Outro exemplo pode ser o quase-jogo “SimCity”, uma vez que não tem metas definidas.

•“Jogos de pura sorte” (ou de azar): ficam no conjunto de quase-jogos porque não exigem esforços do jogador (atributo 4).

•“Apostas baseado em habilidade” (por exemplo, poker): são quase-jogos porque lhes faltam o atributo 6, ou seja, não há como negociar conseqüências.

•“Apostas baseado em sorte”: neste tipo de quase-jogo faltam tanto o atributo 4 (esforço do jogador) quanto o atributo 6 (conseqüência negociável).

Fora da área de ambos os círculos estão os “não-jogos”. Um exemplo são as “ficções em hipertexto”, porque lhes faltam tanto o resultado quantificável quanto o vínculo do jogador com o resultado. Ninguém fica triste ou feliz por perder ou vencer um hipertexto. O mesmo ocorre com filmes ou narrativas tradicionais, não-jogos porque lhes faltam resultado quantificável, esforço do jogador e vínculo do jogador com o resultado. Igualmente, o jogo- livre que as crianças praticam (melhor dizendo, o “brincar livremente” em português) é considerado um não-jogo porque faltam regras fixas.

Como definição de jogo computacional, essa definição de Jull parece ser adequada, não porque ela esteja completa, fechada e que não contenha limitações. O próprio Jull conclui que, enquanto alguns escritores pregam que jogos são indefiníveis ou incompreensíveis, ele prefere falar a respeito de limites entre o que é jogo e o que não é jogo. A definição dele propõe que jogos são sistemas baseados em regras com as quais os jogadores interagem em um mundo real, não virtual. Isto é marcadamente diferente das definições que descrevem jogos como mundos fictícios. Ele explica que, em termos teóricos a questão da ficção nos jogos tem sido tratada de maneira conflitante e que a relação entre regras e ficção é em si um assunto enorme, mas não suficiente para ser uma outra questão (Jull 2003).

Algumas situações permitem questionar a definição de Jull. Dois exemplos: A joga xadrez com B, que normalmente é distraído e faz, num dado momento, uma movimentação equivocada. Pela regra B não poderia voltar sua peça, mas, A permite que o parceiro repare o

equívoco. Por que esta adversária permitiria este abuso na regra, contra ela própria? Pela definição de Jull, nestas circunstâncias o xadrez passaria a ser um quase-jogo, afinal, nesta conjuntura o jogo está deixando de ter regras fixas. No entanto, A pode ter feito isto para permitir que B exerça mais adequadamente seu esforço (atributo 4 da definição de Jull); e quanto maior o esforço de B mais merecida a vitória de A, ou seja, ela está valorizando sua vitória ao permitir, contra as regras, que seu adversário se torne mais “forte” ao corrigir as desatenções dele. Talvez A não fizesse o mesmo se sentisse que B fez tal movimento por descaso e, assim, ele seria um desmancha-prazeres e estaria desvalorizando a vitória dela.

Em outra situação, C e D jogam vôlei de paia contra E e F. Num instante, um deles escorrega ao sacar, provocando uma situação hilária. Neste exemplo pode-se observar como acontecem os dois princípios que regem a prática dos jogos descritos por Caillois. Se o jogo é por diversão (paidia) espera-se a atitude simpática dos adversários. Mas, se o jogo for uma final de olimpíada, se for a sério (ludus), haverá mesmo quem torça para que uma infelicidade dessas aconteça com os adversários. Vamos admitir que o jogo fosse por diversão, então, dada a circunstância, os adversários permitem que o sacador repita o lance. Pode-se observar que neste caso há outro componente no jogo: o “está valendo” ou “não valeu”, que torna relativo o tempo, as ações e as regras no jogo. Repetir a jogada é um “não valeu” que não existe em nenhuma regra de qualquer jogo sério; mas que acontece por cavalheirismo, ou por empatia dos jogadores em certas situações. Os adversários sabem (ou esperam) que se o mesmo lhes ocorresse, contariam com tratamento similar. E se assim não for, se o adversário levar um lance infeliz a sério, poderá ser considerado um indivíduo anti-social e seu comportamento, indesejável. No entanto, este seria o caso de um adversário valorizando um resultado que o favorece (atributo 3 da definição de Jull) ao mesmo tempo em que demonstra seu envolvimento com o resultado (atributo 5). Ainda, ajudar ao adversário pode ser entendido também como menosprezá-lo, desmerecer o esforço do outro. Estas questões podem ser vistas como um caso de conseqüências negociáveis (atributo 6), relacionadas com a finalidade do jogo, ou seja, se é pura paidia, se é por diversão, não há necessidade de se levar o jogo tão a sério. Neste caso, esse vôlei de praia deixaria de ser jogo e passaria a ser quase-jogo? Ou mesmo um não-jogo? Um jogo nesta situação apresenta casos em que as regras (atributo 1) estão em negociação, não as conseqüências.

Em resumo, a forma como um jogo é jogado entre humanos envolve uma série de nuances relacionadas ao comportamento social e psicológico dos jogadores, ao contexto em que o jogo acontece, à finalidade da atividade, às convenções adotadas, dentre outras; que em

primeira análise comprometem a definição de Jull ou, no mínimo, a desestabiliza, uma vez que o mesmo jogo pode aparecer em posições diferentes no gráfico montado por ele. Deixaria um jogo de ser ele próprio dependendo das condições convencionadas para praticá-lo?

Foram apresentadas apenas duas situações particulares, os exemplos do xadrez e do vôlei, mas é certo que outras existem e cada uma depende do ponto de vista e da abordagem escolhida. Este estado difuso das fronteiras de qualquer definição formal de jogo, a permeabilidade da membrana que recobre as atividades lúdicas, a indefinição na formalização de qualquer dessas atividade, só fazem contar pontos a favor dos que dizem que jogo é indefinível. Entretanto, quando o jogo acontece em meios digitais, temos que nos preocupar menos com os aspectos das indefinições. A forma obtusa com que os processadores seguem as regras, os algoritmos, não permite (ainda) que os jogos entendam o contexto, não permite que se comportem como agentes sociais. Em jogos computacionais (ainda) está nítido que o que o jogador enfrenta são pacotes de regras, conflitos programados, agentes robóticos, não um igual, alguém que compreenderia um vacilo, um deslize, uma necessidade humana; por exemplo, a de ter que espirrar ou atender a uma crise de tosse enquanto um alienígena o ataca. Temos jogos computacionais que permitem treino, é certo, e este é o instante do “não valendo”, mas quando o jogo está valendo eles não compreendem que às vezes precisam ser flexíveis para serem justos, e que a inflexibilidade pode tornar a regra um componente injusto, um algoz.

Talvez seja este um dos maiores atrativos do jogo nos meios computacionais, afinal, ao ser inflexível o algoritmo dá um caráter mais sério, mais ludus, com conseqüências menos negociáveis ao jogo. Dessa forma, será tomada a definição de Jull como, senão a perfeita, a que melhor se aplica ao jogo computacional, para podermos prosseguir na presente pesquisa.