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A cachoeira em Tijuca • Boa Vista • O Jardim Botânico e suas redondezas

Essas regiões estão entre as mais interessantes, mas deve-se separar pelo menos dois dias para elas, pois o Jardim Botânico em si já exige algumas horas.

O Conde Berchthold e eu fomos de ônibus123 até Andaracky (uma légua124), de onde continuamos nossa jornada a pé por trechos de floresta e pequenos morros. Casas de campo de um andar ocupam os morros baixoa e os espaços de frente para a rua a uma distância pequena umas das outras.

Depois de termos andado por uma légua, um caminho à direita nos conduziu a uma pequena cachoeira, nem tão alta nem tão caudalosa, mas ainda assim uma das mais importantes do Rio de Janeiro. Retornamos então para a rua onde estávamos antes e, depois de meia hora de caminhada, alcançamos um planalto, de onde tivemos _______________

123 N.T.: Veículo coletivo com tração animal. 124 N.T.: Equivalente a 4,8 quilômetros.

uma visão geral de um vale que só posso descrever como único. Uma parte dele se assemelha a um caos selvagem, enquanto a outra se parece com um jardim em flores. Na primeira estavam ruínas de granito quebrado, dentre os quais por vezes se erguiam altos colossos e por vezes se empilham umas sobre as outras; na segunda parte, erguiam-se as mais belas árvores frutíferas em meio a belos pastos verdes. Este romântico vale é fechado em três lados por belas montanhas, mas o quarto lado é aberto e oferece uma vista ampla do mar.

Encontramos uma pequena venda neste vale, na qual nos fortalecemos com pão e vinho, e então continuamos nosso caminho para a chamada "grande cachoeira". Nós achamos a grande cachoeira menos surpreendente que a pequena. Uma correnteza leve de água corre sem muita força por uma larga parede de pedra até o vale abaixo.

Depois de termos cruzado o vale, chegamos ao Porto Massalu. Os troncos ocos de madeira que vimos nas frentes das cabanas nos indicaram que seus moradores eram pescadores. Alugamos um destes belos veículos para cruzar essa pequena enseada. O percurso demorou no máximo um quarto de hora e precisamos pagar, como estrangeiros, dois mil réis.

A partir de então era necessário por ora atravessar planícies de areia, por ora escalar montanhas menores para cima e para baixo. Continuamos nessa maneira árdua por três léguas125, até alcançarmos o topo de uma montanha que se ergue como uma divisória entre dois poderosos vales. Este topo é conhecido como Boa Vista, o que é um nome justo. É possível ver os dois vales com as cordilheiras e serras que os cortam, incluindo montanhas altas como o Corcovado e os Dois Irmãos. À distância se vê a capital, com as casas de campo e os vilarejos, as baías e o mar aberto.

Deixamos este belo lugar com pesar, mas, sozinhos e sem conhecer a distância que teríamos de percorrer antes de encontrar um teto que nos hospedasse, fomos obrigados a nos apressar. Além disso, as únicas pessoas com quem se cruza por estes caminhos são pretos, com quem um encontro noturno não é desejável. Descemos, então, até o vale, e resolvemos pernoitar na primeira pousada que encontrássemos.

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Com mais sorte do que o normal em situações como essa, encontramos não só um hotel razoável com quartos limpos e bons móveis, mas também uma companhia que nos entreteve deliciosamente. Foi uma família de mulatos que atraiu toda a minha atenção. A mulher, de uma corpulência considerável e com cerca de 30 anos, estava vestida como apenas mulheres de péssimo gosto se vestem no nosso país – vestia ao mesmo tempo tudo o que tinha de mais valioso. Onde ela conseguia colocar joias e ouro, lá eles se encontravam. Um vestido de seda pesada e um lenço envolviam seu corpo marrom escuro, e uma pequena touca de seda branca estava posicionada de forma estranha em sua grande e pesada cabeça. O marido e seus cinco filhos em nada ficavam a dever à esposa e mãe – e, na realidade, este exagero nas roupas se estendia até à cuidadora das crianças, uma negra genuína que também estava sobrecarregada de ornamentos. Ela tinha cinco pulseiras em um braço e seis no outro, todas com pedras, pérolas e corais que, ao menos pelo que pude perceber, não pertenciam ao tipo mais valioso.

Quando a família se levantou para partir, dois landôs126, cada um com quatro cavalos, alcançaram a porta. Esposa, marido, filhos e cuidadora embarcaram neles com uma dignidade majestosa.

Enquanto eu ainda admirava as carruagens que se apressavam em direção à cidade, um cavaleiro aproximou-se com saudações amigáveis. Era o Senhor Geiger, meu amigo. Quando descobriu que tínhamos a intenção de pernoitar onde estávamos, ele nos convenceu a acompanhá-lo até a propriedade de seu sogro, que não era muito longe dali.

Assim conhecemos um senhor alegre e digno de 70 anos que era, no momento, Diretor de Arquitetura e Artes Visuais do governo. Nós ficamos admirados com seu belo jardim e sua charmosa casa, construída com muito bom gosto em estilo italiano.

Na manhã do dia seguinte, ainda bem cedo, acompanhei o Conde Berchthold até o Jardim Botânico. Nosso desejo de ver esse jardim era grande – esperávamos ver árvores e flores de todos os lugares do mundo em toda a sua glória –, mas ficamos profundamente decepcionados. O jardim ainda é muito jovem e nenhuma das grandes árvores cresceu o suficiente; não há uma grande variedade de flores ou plantas e, as

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126 N.T.: Landô, landó ou ainda landau são carruagens criadas na cidade alemã de Landau, da qual o nome do transporte deriva. É um veículo de quatro rodas com dois bancos posicionados um de frente para o outro.

poucas que existem, não estão identificadas com etiquetas para que os visitantes possam saber seus nomes. O que mais nos interessou foram os baobás, cujos frutos pesam entre 10 e 25 libras127 e abrigam dentro de si várias sementes, que são comidas não só por macacos, mas também por pessoas. Além disso, também nos interessaram as plantas de cravo-da-índia, de cânfora e de chá, os cacaueiros e as caneleiras. Também vimos um tipo muito específico de palmeira: a parte inferior do tronco, até a altura de dois ou três pés128, era marrom e lisa e tinha a forma de um balde. Os caules que saiam desse tronco eram verde claros, também muito lisos e até brilhantes, como se lustrados com verniz. Elas não eram muito altas e as folhas, assim como acontece com as outras palmeiras, só se abrem na parte superior da árvore. Infelizmente não conseguimos aprender o nome desta palmeira, e durante toda a minha viagem não encontrei outra que fosse da mesma espécie.

Deixamos o jardim somente de tarde. Andamos uma légua129 até o Botafogo, onde pegamos um ônibus para a cidade.

5.4.1 O morro Corcovado (2252 pés130 acima do nível do mar)

O Senhor Geiger me convidou, juntamente com o Conde Berchthold e o Senhor Rister (um vienense), para uma excursão ao morro do Corcovado.

Começamos nossa aventura no dia 01 de novembro de manhã bem cedo. Se nessa época do ano nós já começamos a ter tempestades e neve, aqui o sol brilha com força total e o céu não tem uma nuvem sequer.

O esplêndido aqueduto foi nosso guia até o local de sua fonte original, o que levou uma hora e meia de caminhada. A sombra da bela floresta nos protegeu, fazendo com que o calor intenso, que durante o dia chegou a 38 o131 ao sol, não nos incomodasse muito.

Nós fizemos uma parada na fonte onde, após um sinal feito pelo Senhor Geiger, um negro apareceu com uma grande cesta cheia de inúmeras provisões. A comida foi preparada rapidamente – estendeu-se uma toalha branca e foram servidos comes e _______________ 127 N.T.: 4,5 kg e 11,3 kg, respectivamente. 128 N.T.: 60 cm e 91 cm, respectivamente. 129 N.T.: 4,8 km. 130 N.T.: 686 m. 131 N.T.: 47 oC.

bebes. Brincadeiras e bom-humor temperaram nossa refeição, e retomamos nossa caminhada com corpo e alma fortalecidos.

O pico da montanha nos demandou muito esforço: subimos pedras lisas, quentes e muito íngremes. Mas então abriu-se diante de nossos olhos um grande panorama, do tipo que raramente se encontra pelo mundo. Tudo que tinha visto do porto durante a chegada estava dentro do meu campo de visão, mas com mais nitidez e magnitude, com muitas coisas novas aparecendo. Conseguimos ver toda a cidade, com seus morros mais baixos, que são parcialmente cobertos quando vistos do mar, e a grande baía que se estende até a Serra dos Órgãos; pelo outro lado, o romântico vale, no qual se encontram o Jardim Botânico e as belas casas de campo.

Recomendo a todos que venham para o Rio de Janeiro, mesmo aqueles que permanecerão na cidade por apenas alguns dias, que visitem o Corcovado, já que de lá vê-se, de uma só vez, todos os tesouros com os quais a natureza enfeitou o ambiente desta cidade de maneira verdadeiramente extravagante. Aqui encontram-se florestas virgens que, ainda que não sejam tão belas e fechadas quando as que se encontram no interior do país, são notáveis por sua vegetação exuberante. Encontram-se aqui árvores de mimosa e pinheiros de um tamanho gigantesco, palmeiras, pés selvagens de café, orquídeas, plantas trepadeiras e parasitas, incontáveis flores – vê-se os pássaros mais coloridos, as maiores borboletas e os insetos mais brilhantes, que voam alegremente de flor em flor e de galho em galho. Em noites escuras, são maravilhoso os milhões de vaga-lumes belos que se levantam até os pontos mais altos das árvores e brilham, por entre as folhas e arbustos, como estrelas.

Fui informada que a subida desta montanha era muito difícil; mas não achei tão difícil assim, já que se chega ao topo com bastante conforto em três horas e quarenta e cinco minutos e que três quartos do caminho pode ser feito na garupa de um cavalo.

O Palácio Cristóvão132, que fica a uma distância de meia hora da cidade, é considerado o local de residência regular da família real. É onde o Imperador passa a maior parte do ano e onde os conselhos e transações governamentais acontecem.

O palácio é pequeno e não se destaca nem por sua arquitetura nem por seu bom gosto – seu único charme é a localização. Ergue-se no alto de um morro e tem uma vista completa da Serra dos Órgãos e da baía. O jardim do palácio é insignificante, formado por terraços até alcançar o vale. Um jardim maior, que serve como viveiro de árvores e plantas, aproxima-se dele. Os dois jardins são de grande interesse para europeus, já que ambos contêm um grande número de plantas que ou não existem na Europa ou que conhecemos apenas em tamanho reduzido, cultivadas em estufas. O Senhor Riedl, diretor dos dois jardins, foi muito gentil em me guiar pessoalmente e me mostrar com cuidado as plantações de chá e bambu.

Ponte de Caschu133 é outro jardim imperial (fica a uma légua134 da cidade). Três mangueiras deste jardim impressionam por sua idade e tamanho. Seus galhos delineiam uma circunferência de mais de 80 pés135. Mas elas não produzem mais frutos.

Entre outros passeios próximos à cidade posso indicar ainda o Morro do Telégrafo, o Jardim Público, a Praia do Flamingo e os Mosteiros de Santa Glória e Santa Tereza etc.