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Capítulo Dezoito

No documento Kelly Andrews Por toda a minha vida (páginas 143-147)

Quando o sol nasceu, Victor estava dormindo profundamente ao meu lado, sua mão ainda envolvendo minha cintura. Levantei lentamente e fui tomar banho.

Fiquei horas lavando o cabelo que estava mais oleoso do que de costume, gastei quase um frasco de shampoo.

Quando sai Victor estava sentado na cama lendo um jornal. Parecia meu pai. -Como se lê isso?

-Se você desvirar vai ver que tem mais sentido.

-Desisto, não nasci pra ler jornais. Senti sua falta quando acordei. –ele esticou os braços e me pegou pela cintura. –Vou sentir sua falta sabia?

-Também vou.

-Isso não é repouso Kelly. –disse papai, mamãe vinha bem atrás dele. -Pai, senti sua falta. Onde esteve? –ele ficou vermelho imediatamente.

-Resolvendo algumas pendências. Vicente me contou o que houve. O que tinha na cabeça quando saiu do hospital?

-Desculpa John, mas a ideia foi minha. Eu mereço a bronca.

- Eu já devia saber. –ele sorriu e voltou-se para mim. Mamãe estava vasculhando o armário. –Filha, vamos viajar hoje mesmo, Vicente já te liberou. Pode arrumar suas roupas.

-Hoje?

-Sim, não é o máximo? Felipe e Sheylla já estão lá. Pegaremos o avião daqui a cinco horas, é melhor se apressar, passei no hotel e falei com a sua diretora, está tudo pronto para partirmos, pegamos suas malas, só falta esvaziar esse quarto.

Olhei para Victor, ele estava de cabeça baixa. Seus olhos estavam vermelhos como se tivesse passado o dia cortando cebola. Senti uma pontada no coração. Ele estava sentindo o mesmo que senti quando nos separamos pela primeira vez em frente ao hotel. Não queria que isso se repetisse, estava em minhas mãos, precisava cumprir com o meu trato, havia prometido a Victor que contaria aos meus pais, mas estava tão difícil. O que fazer nessa situação?

Ele levantou lentamente e foi em direção á porta. -Pra onde você vai?

-Dar uma volta, tomar um pouco de ar. -Você vai estar aqui não é?

-Eu te amo Kelly. –seus olhos vermelhos agora estavam encharcados de lágrimas. -Victor, fica comigo, por favor. Quero que esteja aqui quando eu partir.

-Pra quê Kelly? Pra acenar e dizer: “faça boa viajem meu amor”, isso é cruel. Não me obrigue a fazer isso só porque você quer que eu faça.

-Você está me deixando de novo?

Ele agarrou-me imediatamente pela cintura, aconchegando-se em meus braços, como na noite passada.

-Claro que não Kelly, eu nunca irei te deixar. Só não posso ver você partir. Até a volta meu amor. –ele beijou minha testa, depois meu nariz, meu queixo e enfim a minha boca. Nossas lágrimas se misturaram ao beijo. Quando olhei em volta papai e mamãe

estavam vendo tudo de camarote.

Victor se foi mais uma vez, mas foi diferente, porque dessa vez eu sabia que ele iria voltar e que nos veríamos de novo. Mas porque eu estava me sentindo tão mal?

Sabíamos que seria assim, desde a noite passada falávamos disso, mas hoje vimos que não podemos ensaiar uma despedida, porque nunca sabemos os sentimentos que nos envolvem. Senti um vazio imenso em meu peito.

Mamãe me abraçou forte, papai estava pendurado ao celular, fazendo ligações para os médicos da Flórida, pedindo aos empregados que preparassem tudo para a nossa chegada. Isaac estaria a nossa espera quando chegássemos lá. Iríamos com o carro de papai até o aeroporto, e depois Demétrio – nosso motorista mais novo – levaria o carro para a Flórida.

Como seria sem Victor por perto? Ele tinha razão em partes quando disse que eu não podia forçá-lo a ficar bem, se nem eu mesma estava bem, que dirá ele? Mas eu podia mudar isso, e é o que iria fazer.

Deixei que mamãe arrumasse a roupa na bagagem, fiquei sentada na cama com os braços envolvendo as pernas, enfiei a cabeça entre as pernas e pensei muito no que estava por fazer.

-Filha, eu acho melhor você se vestir.

-Daqui a pouco mamãe. Estou cansada, acho que vou dormir um pouco.

-Boa idéia, precisa estar disposta para viajar. Vou terminar de arrumar as suas roupas. Se não quiser levar nenhuma bagagem, poderemos comprar tudo lá.

-Mãe faça o que a senhora quiser, vou descansar um pouco. –não resisti e chorei muito, temia pelo que poderia acontecer. Sei que não perderia Victor por nada, mas esse não era o meu maior medo. Tinha algo que me preocupava mais que qualquer coisa. Fechei os olhos, lembrei-me de tudo o que aconteceu nesse ultimo mês e apensar de tudo, no quanto que fui feliz.

Uma coisa que aprendi estando com Victor é que a felicidade não bate duas vezes na nossa porta, temos de aproveitar as chances que recebemos da vida. Eu sei que fiquei uma fera com mamãe quando ela me ligou bem no meio do concerto, mas não fosse por ela, provavelmente hoje não teria conhecido Victor. E se não tivéssemos nos

conhecido? Como seria? Provavelmente estaria fazendo compras com Mariani e Elizabeth, não saberia o real significado da palavra amor, porque com ele eu aprendi a amar, a me apaixonar, aprendi a me entregar completamente, de corpo e alma para alguém.

Sempre tive essa idéia fixa, de que não amamos duas vezes, se Victor e eu não der mais certo? Será que um dia amarei alguém como o amo? Não, não quero nem ao menos pensar na possibilidade de estar com outra pessoa além dele. Não faz sentido pensar no meu futuro se não pensar em Victor. Ele era meu e eu dele, nascemos um para o outro, como para cada árvore nasce uma respectiva flor.

É assim como me sinto em relação a Victor, como alguém capaz de completá-lo. Como uma metade da laranja, nós sempre seremos assim, um só. E não era uma viajem que nos separaria. Eu não iria deixar que alguém se metesse em nossa relação, mesmo que essa pessoa fosse meu pai. Falar é mais fácil que agir, com toda a certeza.

Acordei com um susto, ou posso dizer, com o peso de meus pensamentos atordoantes. Não tinha ninguém no quarto, apenas um bilhete de mamãe.

“Meu amor, saí com seu pai para fazer os últimos preparativos, quando voltarmos quero encontrá-la pronta, sua roupa esta separada no armário”.

Dormi por quase quatro horas, não se faz mais preocupação como antigamente. Até agora Victor não tinha aparecido. Como ele estaria agora?

Tentei ligar para seu celular, mas estava desligado, ele estava me evitando isso era evidente. Mas se ele pensasse melhor essa não era a melhor opção. Senti-me magoada no coração por tê-lo feito sofrer dessa forma, mas eu não tive escolha, são meus pais não posso simplesmente ignorá-los, se eles acham que indo para a Flórida é a melhor maneira de fazer-me sentir melhor, que seja.

Como diria meu querido Aristóteles: “O amor é composto de uma única alma que habita dois corpos”, se isso for mesmo verdade, eu não queria perder a minha metade, não mesmo.

Arrisquei mais uma ligação, nada de Victor atender, resolvi deixar uma mensagem na secretária eletrônica, era ótimo ouvir a voz de Victor, nem que fosse através de uma máquina, era tão suave e firme ao mesmo tempo. Típico de um pianista de classe. Por birra resolvi demorar no banho, passei quase uma hora olhando para a roupa que mamãe escolhera, nem morta usaria aquela roupa, parecia um reprise da minha festa de oito anos, só faltava um varinha para que eu parecesse uma fada, ou asas para que eu fosse à perfeita sininho. O que mamãe estava pensando? Eu tinha quase dezoito anos, não oito, qual é?

Fiquei pronta em trinta minutos, pouco tempo depois mamãe e papai chegaram. -Demétrio está a nossa espera. Vamos, não podemos nos atrasar.

Peguei a bolsa que mamãe havia preparado com todos os meus documentos, cartões, enfim, tudo o que se precisa ao viajar. Senti como se tivesse deixando minha vida para trás, dei uma geral no quarto, estava tão vazio, sem meus ursos, minhas fotos, sem meu amor. Uma lágrima caiu em meu rosto, evitei derramar mais, porque naquela ocasião, chorar seria sinônimo de desistir, e que se eu desistisse, teria de admitir que estava desistindo não só de Victor, mas de todos os nossos sonhos.

Mamãe estava em pé observando a lágrima que caía em meu rosto. Enxuguei com a mão. Ela tentou se aproximar dando um passo á frente, mas fiz um gesto para evitar o feito.

-Eu sinto muito meu amor, mais confie em mim, vai ficar tudo bem.

-Não precisa falar nada agora mamãe, tudo o que a senhora disser pode piorar a situação. Estão felizes agora? Se me separar de Victor era o que vocês queriam, então conseguiram.

-Meu amor não é nada disso, eu o amo como um filho, nunca te vi tão feliz antes, porque haveria de querer que vocês se separassem Kelly?

-Então pede a papai que me deixe ficar mãe, por favor.

Ela baixou a cabeça, passou os dedos entre os cabelos, respirou fundo e acabou de me matar.

A única pessoa a quem podia apelar era para mamãe, mas ela estava tão à vontade ao lado do meu pai, eles estavam dispostos a me apunhalar pelas costas, que espécie de tratamento era esse? Tirando minha própria vida. Eles não podiam fazer isso.

E se eu contasse que estava noiva? Será que me deixariam ficar? Mas não ia adiantar nada mesmo, nessa altura Victor já havia me deixado de uma maneira sutil, mas foi abandono mesmo assim, e dessa vez, por pior que seja admitir, a culpa foi minha, só minha, por pura covardia.

Entrei no carro, evitei olhar para trás, não queria mais pensar no que estava deixando para trás.

-Quando chegarmos poderemos fazer algumas compras, o que acha? –disse mamãe, não respondi, recostei-me no banco do carro. Precisava encontrar uma brecha, nem que seja uma mínima saída sequer, no fundo eu sabia que o que eu estava prestes a fazer era certo, mas era tão difícil.

Pensar nisso doía tanto...

Meu cérebro tentava encontrar uma saída. Por quanto tempo seria perseguida por esses pensamentos? Dias, semanas, ou mais? Enquanto não deixasse de ser covarde, seria perseguida por toda a minha vida.

Papai estava tão animado, dando ordens e mais ordens á Demétrio, pedindo que pegasse um atalho se preciso, e que evitasse congestionamentos, que eu ainda estava frágil.

Ele tocou meu joelho, afagando minha dor. Minha interminável dor.

-Kelly você vai amar, mandei que fizesse algumas reformas rápidas em seu quarto, deixei do jeito que você gosta, eu tenho certeza de que irá se sentir melhor.

Respirei fundo.

-Pode ser. –dei de ombros. Fechei os olhos e então me afundei no banco, pelo menos ele parecia mais seguro e quentinho.

No documento Kelly Andrews Por toda a minha vida (páginas 143-147)