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Entrei no quarto tentando não fazer muito barulho. Meu coração congelou de tanta dor ao ver Kelly naquela situação. Meu rosto estava molhado de lágrimas. Cheguei perto da cama, coloquei minha mão sobre a dela.

-Pode me ouvir meu amor? Eu sei que você pode.

Não consegui segurar, chorei bastante com a cabeça sobre suas mãos. Olhei pra cima, sentindo as lágrimas encharcar-me o pescoço.

- Por favor, ajude-a. Se for preciso eu fico no lugar dela, poupe-a de tanto sofrimento. Eu Te imploro, faça com que Kelly se recupere logo. Não agüentaria perdê-la... Por favor. – quase não consegui falar as ultimas palavras.

Deite-me sobre o seu corpo, tentando fazê-la sentir o meu calor. Quem sabe assim ela poderia reagir. Cantei pra ela uma de suas músicas favoritas, era tão tranqüilo estarmos apenas nós dois, tinha esquecido completamente que lá fora estava um estardalhaço.

Kelly foi à pessoa que mais me ajudou, mesmo sem saber, mesmo não a conhecendo tanto quanto poderia, mas nessa altura o conhecimento não valeria de nada, o amor sempre supera tudo, e se tem uma coisa que sobra dentro de mim, é amor. Mas apenas para a minha pequena indefesa Kelly Andrews. Por que cargas d‟água eu resolvi aparecer naquele maldito Central Park? Justamente naquela hora? Levantei a minha cabeça lentamente. Olhei para o seu rosto maravilhosamente perfeito. Parecia tão tranqüila.

- Lembra de que você prometeu que estaria comigo para toda a eternidade? Está na hora de você cumprir, por favor, reage. Não faz isso comigo Kelly, eu te amo mais que tudo na minha vida, não me deixa sozinho agora.

Abri meu coração, já havia feito isso antes, mas não com tanta intensidade. - Kelly!!!!

Nada adiantou, ela continuava imóvel, com toda aquela aparelhagem em volta do seu corpo, uma tela enorme ao lado da cama registrando seu batimento, tudo parecia se mover, menos o amor da minha vida, menos a minha doce e meiga princesinha. Sentei-me no chão, tentei ignorar os pensamentos que vinham na minha mente: E se você não vê-la mais? E se esse for o último momento entre vocês dois? Afastei todos como quem enxota uma mosca.

Balancei mais uma vez seu corpo, não adiantaria tudo o que eu fizesse nesse momento seria em vão, o médico já havia dito que o coma dela era muito profundo. Coloquei a cabeça entre meus joelhos e chorei desesperadamente. Não me importei ao ouvir a porta se abrindo.

- Você a ama? – olhei devagar, ele estava em pé de frente pra mim. Fingi não escutar o que ele havia dito, afinal, o que falar ao pai do meu amor? Qualquer palavra mal colocada e eu seria expulso aos pontapés. Ele repetiu bem lentamente, como se eu fosse um débil mental.

- A minha filha, você a ama?

- Sim senhor. – minha voz saiu trêmula. Ele me passava calafrios.

- Sem formalidades, por favor. – puxou uma cadeira e sentou-se. – poderia te convidar para sentar-se, mas você parece tão à vontade no chão.

Dei um sorriso qualquer. O momento não estava para brincadeiras. Ficamos um olhando para o outro, sem ninguém falar nada.

- Você é um bom menino meu jovem, minha filha fez uma ótima escolha.

- Obrigado senhor. – tentei controlar as lágrimas que desciam desgovernadas sobre meu rosto. Kelly certa vez me falou que amava o seu pai, principalmente quando ele a tratava como uma criança indefesa.

- Sabe filho, já estive nessa situação há dezessete anos. Sei muito bem como é. - O senhor já esteve em coma antes?

- Não, em coma não. –ele sorriu. -Estive na sua situação. Charlotte teve complicações no parto, ficou entre a vida e a morte, ao dar a luz á Kelly entrou profundamente em coma. Pensamos que afetaria o bebê, mas nada aconteceu com a nossa pequena, Charlotte ficou oito meses e meio no mesmo estado, sem melhoras nenhuma, chegamos a pensar que desligando as máquinas diminuiria nossa tortura, mas eu não poderia. Sentiria culpado pelo resto da vida. Só consegui chegar perto de Kelly após a

recuperação de Charlotte, não tinha forças de olhar pra ela e pensar que por sua causa a mãe estava na beira da morte. Depois do coma, ela ainda ficou um pouco debilitada, passou anos na mesma situação. Apenas quando Kelly fez cinco anos, que me permiti sentir algo a mais por ela, não a culpo, mas ela era tão parecida com a mãe. Antes, quando Charlotte estava ainda no hospital, as empregadas da casa que cuidaram de dela, que antes se chamava Annabelle, mas quando tudo ficou bem, Charlotte deu-lhe o nome de Kelly, que significa “Donzela Guerreira”. Quando Charlotte recuperou os sentidos, a nossa empregada levou Kelly ao hospital, eu não queria vê-la sendo amamentada, o que não aconteceu porque os remédios eram fortes de mais, na minha mente Kelly Annabelle era a culpada de tudo.

- Kelly Annabelle? Ela faz jus ao nome, sempre luta pelo que quer.

- Isso mesmo, por isso não há com o que se preocupar, ela tem o mesmo instinto da mãe, vai sair dessa, fica tranqüilo.

Todo o discurso que tinha em mente, ao encontrar com o senhor Andrews foi por água á baixo, nada do que planejei foi dito. Pelo contrário, a única coisa que fiz foi chorar. Estava em frente ao pai de Kelly, mas uma coisa me surpreendeu, eu não estava tremendo, meus dentes não estavam serrados, para disfarçar a tremura. Tudo ocorreu perfeitamente bem.

- Kelly tinha razão com respeito ao senhor.

- John, a partir de hoje você pode me chamar assim, sem formalidades. Já somos praticamente da mesma família não precisa usar termos. É melhor irmos, os médicos precisam fazer alguns exames nela.

Ele deu-me a mão para que eu me levantasse, enxuguei o rosto e saímos. Quando chegamos à porta ele olhou para mim, deu uma tapinha no meu ombro e disse:

- Não se preocupe ninguém saberá do que aconteceu aqui. Chorar é bom, mas quando não se tem testemunhas por perto, portanto, será o nosso segredo.

Dei um sorriso de satisfação, dessa vez toda a minha felicidade foi representada naquele sorriso. Afinal ele tinha toda razão, ninguém gosta de ser pego chorando.

A sala de espera parecia ter virado sala comercial, em apenas dez minutos todos os amigos de John, estavam lá. No fundo da sala muitos alunos, provavelmente amigos de Kelly, todos com expressão de tristeza. Depois de muito esforço consegui encontrar dois rostos conhecidos, o de Leonardo e o de Mariani, que estavam um pouco

camuflados dentre a multidão. Elizabeth estava recostada no canto da parede, tentando não chamar muita atenção. Aproximei-me de Leonardo e de Mariani, ela me deu um abraço e disse que ficaria tudo bem.

- Queria tanto acreditar nisso. Uma parte minha acha que não, mas outra tem total esperança.

- O que aconteceu lá na sala? Alguma reação?

- Não, eu falei, balancei, gritei e... Chorei, mas não adiantou de nada, eu fiz de tudo que estava ao meu alcance pra poder falar com ela, porque ela não me ouve? - Vai ficar tudo bem Victor, fica calmo, é uma fase muito difícil.

Eu daria tudo pra estar no lugar de Kelly, só pra poder ter a certeza de que ela estaria bem. Ela ficaria muito feliz por ver a sua família toda reunida, eu nunca tive essa sorte, meus pais não era o que podia se chamar de pais atentos. Aos cinco anos perdi meu irmão Lucas, ele era o melhor irmão do mundo, sempre me levava nos shows que ele fazia, meus pais queriam que ele fosse pianista, mas ele optou por baterista, nem vou mencionar o desapontamento deles, foi imenso. Além de contrariar nossos pais pela escolha de música, ele também entrava em campeonatos de corridas de carro. Era o melhor de nossa região. Para o desespero dos meus pais. Estava tão mergulhado nos meus pensamentos que tomei um baita susto quando o médico chegou falando e gesticulando muito.

- Não falamos nada antes porque preferíamos ter plena certeza do ocorrido, a paciente Kelly Andrews sofreu um traumatismo craniano muito grave que chamamos de

traumatismo crânio encefálico, é muito difícil de diagnosticar, os exames que fizemos partindo dos Raios-X á Ressonância Magnética, não captou nada, nenhuma lesão, mas como já sabem, temos uma excelente equipe médica, fizeram vários exames e

percebemos uma lesão grave. Esse é um tipo de traumatismo que só pode ser diagnosticado, ou só fica confirmado tempo depois, vai de cada paciente, o

comportamento do paciente vai dizer se é grave ou não. Ela está sendo bem tratada, infelizmente não podemos dá certeza de nada, sobre o estado, quando ela vai poder sair do coma, como falei antes, vai de cada paciente, mas Kelly é uma menina forte, vai ficar bem logo. Podem ficar tranqüilos.

-Gostaria de falar um pouco mais com o senhor Doutor Vicente. - Claro senhor Andrews, me acompanhe, por favor.

Aquilo estava pirando a minha cabeça. Fazia parte dos meus piores pesadelos, justamente minha Kelly estava passando por tudo aquilo.

- Victor já está um pouco tarde, daqui a pouco fica escuro, é melhor você voltar pra casa, descansar um pouco, eu te ligo quando ficar sabendo de qualquer novidade. - Tudo bem Leonardo, vou dá uma olhada nas coisas, deve tá uma bagunça sem mim. Depois eu volto. Não se esqueça de ligar, por favor.

Olhei para a senhora Andrews, ela estava arrasada, também, a filha dela estava naquela situação. Numa terrível situação.

- Senhora Andrews, vou dá uma passadinha em casa, vê como está os preparativos para a formatura, daqui a pouco estou de volta, eu prometo. Quer que eu lhe traga alguma coisa?

-Não meu filho, pode ir.

Beijei a sua mão. Confesso que gostava de ser tratado pela família de Kelly como a um filho.

No documento Kelly Andrews Por toda a minha vida (páginas 56-60)