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2. PARTE II O percurso em Portugal dos alunos de PLE

2.4. Características do aprendente Chinês

Em cada povo há certos traços identitários que influenciam fortemente a sua aprendizagem de uma língua estrangeira. Liu (2012, p. 35) definiu 4 aspectos que influem mais diretamente na aprendizagem da língua estrangeira para os aprendentes chineses:1 - o espírito de coletivismo; 2 - a crença na diferença hierárquica; 3 - a importância da “face”, 4 - o espírito de persistência. Abaixo analisamos estes quatro aspetos.

O espírito de coletivismo consiste no sacrifício dos interesses individuais pelos de grupo e num sentido de forte pertença a uma identidade grupal/coletiva/nacional chinesa, marca profunda cultural trazida do confucionismo, cujos ideais de harmonia social influenciam o pensamento chinês até hoje. Segundo Liu (2012, p. 35), no processo da aprendizagem da LP, os aprendentes chineses também apresentam o espírito de coletivismo: “eles preferem organizar grupos ou clubes de LP, ajudando-se mutuamente e procurando o progresso comum. Geralmente eles participam ativamente nas atividades

atividade exploratória típica da imersão e o isolamento face ao seu grupo para um maior contacto com a cultura local são em geral reduzidos. Tal como referem Gilles e Byrne (1982, cit. por Ançã, 2009, p. 23) o perfil do falante menos apto para adquirir a segunda língua é caracterizado por ter “uma forte identificação com o seu próprio grupo, por realizar comparações inseguras relativamente aos outros grupos linguísticos, por sentir a sua comunidade que possui muita vitalidade e que tem um bom suporte institucional”. No caso dos chineses esta identification (segundo S. Hall), que leva a forte coesão grupal, pode ser prejudicial à aprendizagem do português.

A forte crença nas diferenças hierárquicas é outra marca da filosofia confucionista e que mantém a sociedade chinesa como uma sociedade altamente estratificada, apesar da aparente unidade social. Para Cunha (2014, p. 27), “a ordem social chinesa é conseguida através da responsabilidade e consciência de cada indivíduo, da sua posição e das obrigações que são reveladas através de normas e comportamentos aprendidos”. Mais uma marca do confucionismo, o qual defendia que cada indivíduo devia saber reconhecer o seu lugar na sociedade e ter consciência do seu estatuto. Essa hierarquia dos papéis sociais está associada a comportamentos específicos dos indivíduos entre superiores e subordinados (Cunha, 2014). Este aspeto, como notou Liu (2012, p. 36), “tem uma influência profunda para o ensino-aprendizagem de LP na China, sobretudo para as relações entre professor e aprendente. No sistema educativo na China, a escola representa a tradição e a obrigação e respeito absoluto pelos professores.”. Isto significa que todo o sistema de aprendizagem/ensino é focado no professor, e que a sua autoridade não pode ser questionada. “São os professores que assumem responsabilidades por transmitir conhecimento profissional e resolver dúvidas dos aprendentes. A única tarefa dos aprendentes é ouvir com atenção”. Isto leva sem dúvida a uma falta de autonomia por parte dos alunos chineses no sistema de aprendizagem de uma língua estrangeira, que exige um nível superior de comunicação, pois não basta só absorver informação, é preciso também construir uma identidade com as novas informações vindas do ambiente externo e saber refletir essa identidade por meio de palavras comunicantes. Citando Hu (2002, cit. por Água-mel, 2012, p. 24), isto é verdade até ao ponto em que “os alunos chineses tendem a sentir-se pouco à vontade em ambientes comunicativos igualitários e acham muito difícil abdicarem das suas crenças para se dedicarem a atividades de aprendizagem mais leves por um lado, e de expressão crítica, por outro”.

Este aspeto está também relacionado com o de “dar face”. Não é prática chinesa pôr em dúvida os conhecimentos ou informações transmitidas pelo professor. Ou, mesmo que sejam detetados erros, eles não são referidos diretamente, com o objetivo de preservar a face do outro. Por outro lado, a expressão de opinião não é bem vista, pois é algo arrogante e que põe em causa a hierarquia professor-aluno na transmissão de conhecimento. Quando há obrigatoriedade na transmissão de um ponto de vista, este é sempre passado de forma discreta e cuidadosa, pois errar em público é motivo de vergonha também para o próprio e, por isso, também de “perda de face”. No entanto, esta atitude de preservar a face leva a uma atitude negativa no processo de ensino- aprendizagem de LE. “Mesmo que os professores exijam bastante nas aulas, os aprendentes ainda não têm a coragem, ou seja, a vontade de comunicar em LE, devido às preocupações de cometer erros e perder a face” (Dias 2016, p. 18). Daqui resulta também a perceção de que os aprendentes chineses são passivos na sua forma de aprender e que dependem totalmente da informação que é veiculada pelo professor, tendo pouco interesse num envolvimento ativo no processo de aprendizagem, pois raramente conseguimos ouvir a sua “voz”. E que preferem memorizar a comunicar; que estão muito focados nos resultados dos testes e pouco em aprender verdadeiramente. Mas, na verdade, um aluno chinês fará todos os esforços necessários para ultrapassar os seus obstáculos de aprendizagem, basta que seja iluminado no sentido de saber o que tem de melhorar. De acordo com vários autores, esta aparente passividade dos alunos parece estar também diretamente relacionada com as metodologias de ensino adotadas (Xiao 2007) e não com os alunos em si. De facto, os inquéritos realizados por Xiao aos alunos de PLE na China revelaram um descontentamento dos alunos com as competências orais desenvolvidas durante o curso de PLE e apontaram, como uma das causas, a metodologia demasiado focada nas questões gramaticais e parte escrita. Ou seja, quando há anonimato, os aprendentes expressam a sua opinião, pois já não há receio de fazer o seu professor “perder a face” e conseguimos ver que os alunos chineses têm vontade de realmente aprender a falar português.

A persistência, característica, regra geral, de qualquer estudante chinês, é sem dúvida mais uma marca diferenciadora. Basta ir a uma universidade chinesa e ver como a biblioteca está cheia de alunos que, sem parar, tentam absorver a maior quantidade possível de informação, comendo um pequeno snack para não haver perdas de tempo e fazendo ocasionalmente pequenas sestas na mesa de estudo quando as forças já não

permitem o ritmo tomado. Esta característica é própria de um sistema educativo e social movido pela pressão familiar (Cunha 2014, p. 8).

Na China, os familiares, nomeadamente a mãe, encarrega-se de zelar pelas boas notas dos filhos, exercendo grande pressão por resultados. Por outro lado, a competição com colegas e a luta desenfreada por ter os melhores resultados escolares é vista como espírito de motivação e até mesmo uma obrigação dos filhos para com os pais, como forma de agradecimento pelo esforço emocional e financeiro despendido com a sua educação (Cunha 2014). Tudo isso é visto como algo normal e positivo para o progresso pessoal e social. Por isso, desde o pré-escolar que as crianças na China se habituam a um sistema de ensino extremamente exigente e com necessidade de provas concretas de metas alcançadas, umas a seguir às outras. Aos três anos de idade têm já de escolher um estilo de caligrafia e praticá-lo com grande insistência e esforço. Podemos dizer que “para os aprendentes chineses, a persistência é o fator mais importante na aprendizagem. Somente os esforços levam a aprendizagem com sucesso” (Liu 2012, p. 37). A preocupação pelos resultados académicos é uma das prioridades dos estudantes chineses, pois ser mau aluno iria fazer a sua família perder a face socialmente, o que seria um grande insulto, dado o investimento da mesma na sua educação. Ainda hoje os valores da educação continuam a ocupar um lugar de destaque na vida das famílias chinesas, como referiu Cunha (2014, p. 27) “Acredita-se que o sucesso na educação conduz a uma vida melhor, a um bom emprego e à conquista de estatuto social, bem como a uma rede de contactos e conhecimentos importante (Guanxi)24”. Só os bons prosperam e são bem- sucedidos. Esta visão é materializada na sala de aula, em que a própria forma como os alunos se sentam obedece a um código de conduta: “apenas se sentam na primeira fila os bons alunos, criando-se uma seriação na classe que corresponde a um código social rígido, refletindo uma sociedade competitiva desde o início da escolaridade.” (Cunha, 2014, p. 57)