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2. PARTE II O percurso em Portugal dos alunos de PLE

2.3. A integração dos estudantes chineses

A migração para um país diferente é sempre um processo complexo, sobretudo quando há diferenças culturais tão grandes como entre Portugal e a China. Na maior parte das vezes, os estudantes chineses caem “de pára-quedas” num ambiente linguístico e cultural completamente diferente do seu e a adaptação nem sempre é fácil. Segundo o Relatório EU-China22, os países que acolhem alunos estrangeiros devem ter em conta os fatores de risco da sua integração, com vista a uma melhoria das políticas e procedimentos com busca a uma melhor integração. Os fatores de integração verificados para os

20 ibidem

21 International Migration Outlook 2016

22 EU-China Student and Academic staff mobility: Present Situation and Future Developments., Joint study between the European Commission and the Ministry of Education in China, A report submitted

estudantes internacionais em geral, por ordem de importância, são: a questão das despesas; a barreira linguística; a falta de informação; assuntos legais e administrativos; falta de serviços de apoio; questões de reconhecimento de documentos e diplomas. Todos eles estão presentes no caso da comunidade estudantil em estudo.

A questão das despesas inclui o financiamento das despesas de estudo em si, as bolsas de estudo, as propinas e o custo de vida. Isto tem um grande peso no caso dos alunos chineses pois é estimado que 92% dos alunos chineses que estudam no estrangeiro sejam autofinanciados (com grande investimento familiar)23. O caso dos alunos de PLE não é exceção, o que leva à necessidade de conciliação do estudo com atividades profissionais em regime de tempo parcial, o que pode, até certo ponto, dificultar a aprendizagem (Dias, 2016, p. 38). De acordo com a experiência dos alunos que já estudaram em Portugal ou no Brasil, os gastos anuais rondam um mínimo de 100 mil yuans, o equivalente a aproximadamente 136 500€ representando um forte encargo, e levando a que eles optem por começar a trabalhar ainda durante o curso.

Tal como referiu Santos (2011, p. 58) no seu estudo sobre a comunidade chinesa em Portugal, a pouca proficiência no idioma do país de acolhimento, é um problema bastante comum na comunidade imigrante chinesa. A língua enquanto barreira à integração é um aspeto de peso. Por isso, como notou Silva (2010, p. 85), “é necessário agilizar a aprendizagem do Português, pois a barreira linguística está na origem de preconceitos de quem chega e de quem acolhe, e é fonte de conflito e de falta de comunicação, o que contribui para a exclusão social”.

Apesar de estes aprendentes em estudo serem estudantes de português, o nível com que vêm para Portugal é muito básico, regra geral. Por isso, quando chegam estão completamente dependentes dos tutores e do próprio grupo de colegas chineses e outros conhecidos chineses para tratarem das coisas básicas do dia-a-dia, como deslocarem-se ou fazer uma compra. A falta de autonomia sentida durante o tempo de estudo em Portugal é uma das maiores frustrações destes jovens (Dias, 2016, p. 33). Essa dificuldade vai-se repercutir também necessariamente na relação destes migrantes com o mercado de trabalho, pois o pouco conhecimento da língua dificulta a procura de emprego bem como a criação de relações fora do seu grupo étnico (Ying 1996 cit. por Santos, 2011).

Mas a dificuldade de comunicar em português não é só resultado direto da baixa proficiência na língua, ela é também uma consequência de uma forma de estar mais chinesa que privilegia a companhia de outros chineses. A verdade é que os estudantes chineses preferem estar sempre na companhia de outros chineses: “A maioria dos alunos reside em habitações relativamente próximas, vai para as aulas em pequenos grupos, sai das aulas em aglomerados similares ou idênticos, passa os tempos extracurriculares ou sozinho, ou com amigos destes círculos.” (Dias, 2016, p. 47).

A falta de informação sobre como proceder para resolver assuntos é outro problema de relevo. E esta questão está associada também com o saber e ser capaz de pedir essa informação. As situações de incomunicabilidade e de incapacidade de aceder à informação são, no caso geral dos chineses em Portugal resolvidas “pelo apoio e experiência dos imigrantes com mais anos em Portugal e, por isso, mais familiarizados com todos os processos burocráticos.” (Santos 2011, p. 35). No caso dos estudantes, por outros estudantes que já estejam há mais tempo no país.

Os assuntos legais e administrativos, enquanto formas de burocracia, são um grande transtorno para muitos estudantes internacionais que vêm para Portugal. Segundo Dias (2016, p. 53) são um fator de grande descontentamento para os alunos chineses, que ele acompanhou de perto, prestando-lhes assistência. Dias verificou que o fator burocrático teve um impacto muito negativo nos primeiros meses da sua estadia: “Numa primeira etapa, o cumprimento de um manancial de obrigações burocráticas perfilou-se como um motivo de preocupação e fonte de stress. Findo o período de maior volume de burocracia, que se deu em torno do início do segundo semestre, os alunos assumiram uma postura muito mais tranquila”. Entre as principais dificuldades burocráticas encontram- se a dificuldade para obter o cartão de residência, combinado com a falta de tradutores que auxiliassem a tradução. Aliás, a existência de mais tradutores em instituições governamentais portuguesas é um dos aspetos que a comunidade chinesa em Portugal gostaria de ver resolvida em breve. (Santos 2011, p. 35).

A ausência de apoio social pode levar a que o imigrante desenvolva sentimentos de solidão e perda (Ying 1996 cit. por Santos 2011, p. 11). A falta de serviços de apoio está relacionada com as instituições de acolhimento no país recetor. No caso dos alunos, vão desde a própria faculdade, passando pelos tutores, departamentos dos cursos, professores, até aos serviços de apoio a imigrantes. No entanto, esta situação tem tendência a melhorar. A Embaixada da China é reconhecida pelos chineses como uma

fonte de apoio institucional. Por outro lado, as universidades portuguesas, com o desejo de captar cada vez mais alunos chineses, vão criando as suas estruturas de acolhimento, como seja o exemplo da página em chinês de acolhimento aos alunos chineses da Universidade de Coimbra. E os próprios estudantes chineses que vão ficando em Portugal vão criando uma rede de apoio aos recém-chegados. É importante notar como fez Santos (2011) que, “para a comunidade chinesa, a criação de laços com outros membros da comunidade não só satisfaz a necessidade de afiliação, mas serve também de um importante apoio para guiar o indivíduo no novo ambiente cultural.”

As questões de reconhecimento de documentos e diplomas acompanham os estudantes desde que preparam a sua vinda para Portugal do ponto de vista das provas de identidade, provas de escolaridade e vistos de residência, estudo e de trabalho. A regularização da sua estadia em Portugal na embaixada e serviços de emigração pode durar meses e exigir várias deslocações ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sem obter grandes explicações. Depois, com os procedimentos de matrícula na instituição de ensino superior, há que provar legalmente que os diplomas de escolaridade chineses correspondem ao nível português, e para isso há que traduzir vários documentos e muitas vezes pagar a um notário que comprove que são documentos e traduções válidas. Também no período de procura de emprego há vários casos em que a experiência profissional anterior ou formação académica do imigrante chinês pode não ser reconhecida em Portugal, o que pode ser altamente restritivo: por vezes os imigrantes têm de optar por um local de trabalho ou por tarefas profissionais que podem não ir ao encontro da satisfação das suas necessidades. Por outro lado, esta situação também limita a possibilidade de trabalhar em locais que não sejam de chefia chinesa (Santos, 2011, p. 11).

Apesar de muitos conseguirem ultrapassar as dificuldades, a conclusão para o público universitário chinês em Portugal é que, ao fim de um ano, os estudantes ainda não estão integrados socialmente (Dias, 2016, p. 55). As dificuldades passadas por estes estudantes levam ao aparecimento de vários fatores de risco como o isolamento, a tristeza, e em casos mais graves, doenças como a depressão (Santos, 2011). São algumas das repercussões ao nível do indivíduo da aculturação psicológica (Graves, 1967, cit. por Santos 2011, p. 5), no sentido de consequências psicológicas individuais, resultantes da experiência pessoal da aculturação.

A aculturação psicológica provoca alterações a nível do comportamento, identidade e valores do indivíduo, alterações essas que por sua vez têm impacto ao nível da aculturação de grupo. O facto de os alunos chineses individualmente estarem mais isolados e menos confortáveis no seu processo de integração do que comparativamente outros imigrantes, pode ter origem na sua segregação enquanto grupo de migrantes, ou seja, fenómeno que se dá quando o grupo minoritário mantém fortemente a sua cultura de origem, tendo pouco envolvimento com o país de acolhimento (Santos 2011). Na impossibilidade de serem bem acolhidos no novo ambiente, os sujeitos podem preferir refugiar-se na sua cultura, um lugar seguro e familiar, bem definido, ao contrário do ambiente novo e desconhecido que têm à sua volta e ao qual não têm sentimento de pertença. Isso, com a agravante de que os chineses já têm tendência para se dar mais com outros chineses, como concluiu Ying (1996 cit. por Santos 2011, p. 11): “as relações de relevância para o imigrante chinês são essencialmente feitas com outros imigrantes chineses”, o que Santos (2011, p. 13) considerou estar associado à “solidariedade étnica” e à “pouca proficiência na língua do país de acolhimento”. Esta “rede” de chineses pode ter três importantes funções integradoras:1 - apoio instrumental para os primeiros tempos no país estrangeiro; 2 - satisfação de necessidade de afiliação e 3 - o fortalecer do sentimento de ligação à cultura chinesa.