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2. PARTE II O percurso em Portugal dos alunos de PLE

2.5. Desafios na aprendizagem do PLE

Após a análise da literatura da especialidade, podemos definir os principais desafios na aprendizagem do PLE nas licenciaturas em Portugal: as grandes diferenças

24 "Guanxi" é a rede de conhecimentos, laços de relações e contatos, baseados no elemento confiança, característica das comunidades chinesas.

linguísticas Chinês/Português; problemas estruturais do ensino de PLE na China; questões pedagógicas; a conciliação do trabalho com o estudo e aspetos culturais.

Segundo investigações feitas, quanto mais afastadas forem as duas línguas, mais os falantes da língua segunda se refugiam na sua língua materna (Silva 2010). E, na verdade, o Português e o Chinês são duas línguas muito diferentes uma da outra. Tirando a semelhança a nível sintático, na ordem Sujeito-Verbo-Objeto nas estruturas mais simples, tudo o resto é diferente, como os atributos que vêm sempre antes do nome no caso do Chinês. A nível morfológico/morfossintático, no chinês, língua isolante, as palavras são quase todas monossilábicas ou dissilábicas, e a cada uma das sílabas corresponde um caracter, com traços variáveis de um a trinta e dois traços compostos. Para um chinês, as grandes diferenças de aprendizagem são as variações de género e número das palavras em português, a existência de artigo e a flexão verbal, que não existem na língua chinesa. No estudo de Ançã (2008)25 onde se incluíam as dificuldades de aprendizagem do Português pela comunidade chinesa em Portugal, foram detetados as três principais: 1 - a concordância das formas verbais; 2 - a utilização da preposição e formação dos tempos verbais, e 3 - a estrutura da frase (por exemplo, em Chinês quando há informações de tempo e espaço da ação, a ordem é: Sujeito+ Tempo+ Espaço +Verbo). Também a nível da pronúncia, enquanto o chinês tem apenas 1200 sílabas com pronúncia fixa, de 4 tons diferentes, os chineses têm uma grande panóplia de variações silábicas para memorizar, e dificuldade em perceber em que situações as vogais são abertas ou fechadas, ou encontrar a sílaba tónica e átona numa palavra. Destas questões advém a importância de os professores de PLE terem a noção das efetivas dificuldades dos alunos e que os conteúdos programáticos sejam dados de forma progressiva, indo ao encontro dessas mesmas dificuldades.

Relativamente aos problemas estruturais do ensino de PLE na China, eles começam com o facto de que muitas universidades não reúnem as condições para o ensino do Português. Com a febre do Português, muitas universidades resolveram abrir cursos só pela questão da procura e resultante rentabilidade, sem haver uma preparação prévia necessária. Então acontece que muitas vezes os cursos abrem sem terem professores com formação adequada (Ye, 2014). Por um lado, porque há falta deles na China, por outro porque não interessa pagar muito a um especialista, sendo a prática mais comum contratar

um recém-formado ou um reformado das áreas não docentes para ser o primeiro professor de Português (Ye, 2014).

Há ainda universidades que começaram a admitir alunos sem terem professores efetivamente contratados, tendo de recorrer, à pressa, a contratação de uma pessoa qualquer que tivesse formação em Português ou a um estudante do 4º ano de uma outra universidade para lhes dar aulas. Ora esses professores não vão ter a experiência necessária para ensinar uma língua tão diferente como o Português, nem capacidade ou experiência para preparar materiais didáticos adequados. As dificuldades técnicas na atualidade são tantas que, nos níveis mais avançados, são muito reduzidas as disciplinas oferecidas e estas são muitas vezes entregues aos professores estrangeiros (que por vezes não são professores, são apenas falantes de Português). Ou então, as disciplinas mais especializadas são simplesmente canceladas, como é o caso da Tradução ou da Interpretação (Ye, 2014). Como tentativa de colmatar esta falha, os alunos são compelidos a ir para Portugal ou para o Brasil, a expensas próprias, durante um ou dois anos, mas nem todos têm essa possibilidade, ficando muitos na China, a assistir a aulas em universidades que tenham as disciplinas do ano que precisam de frequentar, pagando-as, para além das propinas da própria universidade (Ye, 2014).

As questões pedagógicas mais diretamente associadas à aprendizagem/ensino de PLE prendem-se com dificuldades de implantação de metodologias que melhor sirvam os interesses dos alunos chineses. Para tentar melhorar a aprendizagem de línguas estrangeiras na China introduziu-se nos anos 70 a metodologia comunicativa, focando o ensino na capacidade de utilizar a língua para além da componente escrita. No entanto, esta metodologia, amplamente utilizada no ocidente, encontra lá vários obstáculos, a começar pelo ensino tradicional chinês que é baseado na memorização de listas de palavras e frases, através da repetição, pela escrita ou pela leitura. Para além do choque com o sistema tradicional, foram analisados por Leng (1997) outros fatores26 que justificam a falha da implementação deste método na China nas últimas décadas:

TABELA Nº 5- Fatores da Falha na Implementação do Método Comunicativo na China, segundo Leng (1997)

26 Água-mel, Cristina (2014), O Ensino do Português em Macau: Por que razão aprender só a escrever não chega? in O Português na China-Ensino e Investigação, Grosso (Dir.), Edições Lidel, Lisboa.

Ø Magro salário dos professores, o que levou à sua indisponibilidade em dedicarem-se full time à atividade lectiva e à preparação devida das aulas, com produção de materiais mais adequados ao seu público-alvo.

Ø Falta de disponibilização de recursos por parte das universidades aos professores para a reprodução dos materiais e falta de livros do tema no acervo universitário.

Ø Confusão por parte dos professores entre atividades comunicativas reais e atividades artificiais em sala de aula.

Ø Sistema de ensino de progressão rápida focado nos resultados, do que resulta grande pressão em dar matéria e em absorver a mesma, sem espaço real para atividades como role-play comunicativos.

Ø Elevado número de alunos por sala de aula (entre sessenta e setenta) impossibilitando a implementação de estratégias para o desenvolvimento ao nível individual das competências orais

Ø Mentalidade confucionista, a qual desencoraja a argumentação, favorecendo sempre a harmonia e a aceitação da opinião do professor e do grupo.

Estes fatores justificam também alguns padrões verificados nos estudantes chineses de PLE, nomeadamente o facto de quando vêm para Portugal ainda não conseguirem dizer praticamente nada em Português; o não intervirem diretamente na comunicação em sala de aula; o seu enfoque excessivo nos resultados dos testes; as dificuldades no desenvolvimento de um discurso próprio e expressivo de sua opinião.

Apesar de o número de estudantes aumentar de dia para dia, ainda não se vê esse aumento refletido em proficiência na língua portuguesa (Grosso, 2014). A análise mais frequente é que os resultados escritos dos alunos são bons, mas não conseguem comunicar oralmente (Mourato, 2014). Há que complementar as metodologias de forma a irem mais de encontro às necessidades dos aprendentes, combinando métodos mais tradicionais com métodos mais comunicativos (Gonçalves, 2016). Para isso é também necessário ajudar os alunos chineses a tornarem-se mais flexíveis e assim assimilarem melhor outros estilos e

técnicas de aprendizagem, diminuindo a sua resistência e ajudando-os a sair da zona de conforto (Gonçalves, 2016), para que a sua única preocupação não seja a de escreverem frases gramaticamente corretas e o uso de muito vocabulário.

Também os docentes têm de possuir capacidades para lidar com as necessidades de aprendizagem dos aprendentes, tornando-se no que se chama um “docente intercultural” (Gonçalves, 2016) e assim “possuir atitudes, conhecimento e capacidades para serem bem-sucedidos em encontros interculturais e, obviamente, no ensino de línguas seguindo a abordagem intercultural” (Gonçalves, 2016, p. 109). Uma das críticas dos alunos chineses prende-se justamente com a incapacidade de o professor de PLE se fazer entender. No trabalho de Dias (2016), Gonçalo Dias, leitor de português na universidade de Dalian referia que “a parte menos positiva é a sua experiência enquanto alunos, onde a crítica mais comum é “percebo muito pouco do que dizem nas aulas”, dando a entender que a experiência formal de aprendizagem é pobre quando comparada com a experiência informal – aprender através da ação em contextos diversos, seja numa ida ao Supermercado, ou a trabalhar num estabelecimento comercial.

De facto, muitos alunos chineses optam por começar a trabalhar ainda durante o curso em Portugal para praticar a língua na vertente comunicativa oral, o que nos leva à questão da conciliação do trabalho com o estudo. O primeiro aspeto a analisar é a necessidade que a grande maioria sente em praticar a língua no meio laboral. De acordo com Dias (2016, p. 38), isso acontece ainda no segundo semestre do primeiro ano do curso em Portugal:

Os alunos parecem ter-se habituado ao ritmo da cidade e da faculdade na transição do primeiro para o segundo semestre, encarando a metade final do ano como uma oportunidade para desenvolverem as suas competências linguísticas – nomeadamente, procurando empregos para poderem exercitar as competências concernentes à oralidade, que consideravam ser deficitariamente trabalhadas nas várias disciplinas.

A procura de emprego em part-time no caso de 45% dos inquiridos por Dias é significativa, tendo como objetivos “ganhar experiência profissional” e “praticar o português” nos seus postos de trabalho. Mas o trabalhar durante um curso que é suposto preparar os alunos para o mercado de trabalho de língua portuguesa parece uma ideia contraproducente; o nível de proficiência é ainda muito reduzido, exigindo grande esforço por parte dos alunos e dando menos tempo aos alunos para se dedicarem ao estudo. Outra questão é que todos os empregos estavam ligados à comunidade chinesa, sendo que 45%

dos alunos arranjaram trabalho em empresas chinesas, o que significa que pelo menos um terço do seu tempo é feito a comunicar com outros chineses na língua materna.

Segundo Dias, isso é revelador de uma lógica “de procura de contextos próximos do conforto.” Na experiência de trabalho durante o curso, apesar de o contacto com os clientes ser feito em português, grande parte das vezes todos os colegas são chineses e a língua de trabalho é o Chinês. É muito difícil para um chinês sair do seu ambiente cultural, sendo esse ambiente profundamente associado à língua, e isso acontece também a nível do trabalho. A cultura empresarial chinesa e a orgânica das relações laborais são bastante diferentes da portuguesa, o que leva, pelo menos no período em que os alunos não estão ainda integrados, a uma escolha pela opção mais segura, que é não sair do seu grupo cultural. Trabalham para patrões chineses, têm colegas chineses e os seus clientes são, na grande maioria, chineses. Este comportamento não é novidade no meio académico, mas sim apontado como uma característica do ser chinês, pois “é conhecido que os falantes de chinês, […] mantêm muito vivas as suas línguas e tradições no seio da sua família e comunidade, restringindo, deste modo o uso da língua segunda.” (Silva, 2010, p. 70).

Para aprender uma língua, é imperativo conhecer e compreender a cultura que lhe está associada e lhe deu origem. Não raro, os alunos chineses por todo o mundo conseguem passar anos num país a estudar a língua sem nunca conhecerem realmente a cultura das gentes, do povo desse país, mas ficando tão só com uma ideia-cliché da cultura onde estão inseridos. O desafio é então, em contexto de sala de aula, introduzir os alunos nessa cultura, onde no fim de curso irão inserir-se com mais ou menos sucesso, com maior ou menor choque cultural. Os aspetos culturais na aprendizagem dependem do docente e do aprendente. Segundo Água-mel (2014), as identidades culturais que estes dois agentes trazem para a sala de aula influenciam profundamente a aprendizagem, ao moldar a perceção do processo de aquisição da linguagem e avaliar os papéis a desempenhar em sala de aula. Gonçalves (2016, p. 220) alerta-nos, por isso, para a importância de desenvolver nos estudantes e nos professores competências comunicativas interculturais, as quais permitirão fazer face a questões culturais subtis que surgem no encontro cultural. Estas competências permitem “comunicar e conviver de forma positiva e crítica com aspetos culturais que podem ou não fazer parte do nosso repertório cultural”. A abordagem da comunicação intercultural implica a adoção de métodos mais holísticos que combinem o desenvolvimento da proficiência da língua com as competências necessárias para fazer face aos desafios do contacto intercultural, quer em contexto

universitário quer na vida em sociedade (Gonçalves, 2016, p. 112). Ou seja, as estratégias a utilizar pelos docentes devem ir para além dos aspetos linguísticos, encarando o Português como uma “língua-cultura-alvo” e não apenas como uma “língua-alvo” (Gonçalves, 2016, p. 16). O desenvolvimento desta competência envolve, segundo Gonçalves (2016, p. 222), “ampliar ou melhorar atitudes fundamentais, como a curiosidade, a abertura, a flexibilidade, o respeito, a empatia, a paciência, e permitirá aos aprendentes desenvolver capacidades para adquirir novos conhecimentos, interagir em situações interculturais, analisar e refletir criticamente acerca da sua própria cultura e da do outro”, para que posteriormente o possam fazer de forma independente ao longo da vida. Assim, os aprendentes poderão envolver-se mais na cultura portuguesa, sendo intérpretes diretos desta cultura, sabendo resolver problemas de contacto cultural que possam surgir por exemplo, em contexto laboral. Para atingir esse objetivo, os professores podem utilizar materiais como notícias, textos literários, música e filmes nas suas aulas num ambiente em que se sentem protegidos e podem calmamente refletir sobre essas questões, e também acompanhar os alunos no vivenciar da cultura portuguesa no terreno, com visitas a museus, idas ao supermercado, organizando passeios, etc. No fundo, promover uma maior intervenção dos professores no intercâmbio dos estudantes, de forma a potenciar as oportunidades de contacto direto com a língua-cultura portuguesa (Gonçalves, 2016). Segundo o estudo de Gonçalves aplicado aos professores de PLE (chineses e estrangeiros) a lecionar na China continental, concluiu-se que a maioria tem ainda tendência para separar o ensino de língua do ensino de cultura, restringindo a abordagem de cultura à de algo material como a história de Portugal, a Literatura, etc, não havendo uma consciência subtil, dir-se-ia imaterial, da necessidade de expor os alunos na China à cultura portuguesa do dia-a-dia, dos costumes, valores, hábitos e contextos que só se passam através da experiência vivida ou partilhada de uma cultura. Isto significa que os alunos vão chegar a Portugal com um background de cultura portuguesa bastante reduzido e que é necessário alimentar rapidamente.

Neste momento, os alunos de PLE ainda estão muito protegidos dentro da sua

língua-cultura, símbolo do grupo e da comunidade original. No ambiente de estudo, os

chineses escolhem estar com outros chineses, viver com colegas chineses e quando se divertem é também com atividades chinesas, como ir às compras, ao karaoke ou fazer refeições de grupo, sempre com chineses. O que significa que, apesar de estarem em Portugal em contexto de imersão linguística, a imersão não é aproveitada em toda a sua

potencialidade e não contribui, como poderia, para a proficiência dos alunos chineses de PLE. No fundo, o facto de viverem em contexto de imersão não significa que todos tenham o mesmo grau de exposição a material linguístico (input) rico e variado da língua segunda como, por exemplo, alunos europeus (Ançã e Grosso, 2009). Seja quando só se dão com colegas de estudo chineses, seja ao optarem por trabalhar/estagiar numa empresa chinesa, os alunos chineses de PLE estão, sem dúvida, a restringir a sua comunicação com o exogrupo (Santos, 2011, p. 40) e, por isso, o contacto com a língua portuguesa. Vemos então como os hábitos culturais da comunidade e a necessidade de sentir a “família chinesa” por perto pode ser motivo de refúgio na língua materna para os alunos chineses (Silva, 2010).

3. PARTE III - Integração dos alunos de PLE no mercado de trabalho