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2.2 Sistema em LSF

2.2.2 Características das redes de sistema

Sobre a arquitetura das redes de sistema, Halliday e Matthiessen (1999) afirmam serem gráficos direcionados de maneira acíclica com sistemas ordenados de acordo com o princípio de refinamento30. Em outras palavras, um sistema (ou uma rede de sistema) é um conjunto de opções de significado disponível aos usuários da língua em um dado lugar da arquitetura de uma língua. No entender de Halliday (1978), uma língua, como um todo, é um vasto sistema de significados; por isso, a língua é definida como um sistema semiótico.

A título de exemplo do que seja um sistema, veja-se, na Figura 5, o sistema de VOZ, localizado no nível do grupo (mais especificamente o grupo verbal) do estrato lexicogramatical.

Figura 5 – Sistema de VOZ

Fonte: Halliday e Matthiessen (2004, p. 349).

Nesse sistema, é possível visualizar (i) uma expressão verbal com letras em caixa-alta, (ii) uma seta direcionada para a direita, (iii) duas expressões verbais com letras em caixa-baixa, e (iv) um colchete. A expressão com letras em caixa-alta indica o nome do sistema; a seta indica as opções disponíveis; as expressões com letras em caixa-baixa indicam os termos (ou opções) do sistema; o colchete indica a relação de oposição entre os termos. Diante dessas instruções, afirma-se que no sistema de VOZ, do grupo verbal, deve-se optar entre [ativa] e [passiva]31.

29 Também é utilizado o termo sistema. O termo rede de sistema confere o sentido de mais de um sistema em relação de dependência.

30 “A system network is an acyclic directed graph, consisting of systems partially ordered in delicacy” (grifo dos autores).

31 No decorrer desta tese, os sistemas seguem a formalização sistêmica – ou seja, são adotadas letras em caixa-alta para as expressões indicativas das condições de entrada e letras em caixa-baixa para aquelas indicativas dos termos.

(Caso, no sistema, fosse utilizada uma chave ({), a indicação seria a de que as duas opções deveriam ser escolhidas ao mesmo tempo).

Vários termos de um sistema podem se caracterizar como condições de entrada para outros sistemas, formando-se, consequentemente, uma rede de sistema. É isso que se verifica na Figura 6, em que a opção [passiva] se torna uma condição de entrada para outro sistema (nesse caso, não nomeado) com as opções [neutra] e [mutativa]. Nesse caso, usa-se, também, o termo rede de sistema, em que os sistemas à direita são dependentes daqueles à esquerda.

Figura 6 – Sistema de VOZ expandido

Fonte: Halliday e Matthiessen (2004, p. 349).

Para Berry (1975), são três as propriedades essenciais dos sistemas. Primeiramente, seus termos são mutuamente exclusivos; ou seja, ao se optar por um dos termos, estar-se-á excluindo, inevitavelmente, outro (ou outros). Ao se optar por um Processo Material, por exemplo, exclui- se todas as outras possibilidades de representação da experiência; da mesma forma, ao se optar, no sistema de VOZ, pelo termo [ativa], exclui-se o termo [passiva]. Em segundo lugar, um sistema é finito. Isso quer dizer que é possível fixar seu número de termos mutuamente exclusivos. Por último, o significado de cada termo em um sistema depende do significado dos outros. O sistema de NÚMERO no inglês antigo, por exemplo, por possuir três termos ([singular], [dual] e [plural]), tinha o termo [plural] com um significado diferente: ao invés de significar

mais de um, significava mais de dois.

Seguindo a visão sistêmica, tenta-se entender o lado profundo por trás das realizações linguísticas. Berry (1975, p. 141), ao introduzir o capítulo que trata de sistemas, adianta: “o foco será no eixo das escolhas, e não no eixo das combinações. O foco será nos aspectos mais

Já no corpo do texto, as condições de entrada são indicadas com letras no formato versalete (com a forma das maiúsculas mas no tamanho das minúsculas, como, por exemplo, “o sistema de TRANSITIVIDADE”); os termos, por sua vez, são escritos entre colchetes (como os termos [ativa] e [passiva], do sistema de VOZ apresentado na Figura

fundamentais da gramática, nos significados da gramática, e não nos aspectos mais

superficiais”32 (grifo nosso).

Redes de sistema constituem, como atestam Martin e Matthiessen (1991), uma teoria tipológica das unidades linguísticas. Essa teoria referente às escolhas e suas relações é uma formalização diferente daquela encontrada em outras teorias, como, por exemplo, a teoria gerativa, com uma formalização em forma de ‘árvores’, como verificado na teoria X-barra (MIOTO; SILVA; LOPES, 2013). As redes de sistema permitem que vários sistemas se cruzem e ocorram simultaneamente. O sistema de VOZ, por exemplo, ocorre de maneira simultânea com outros sistemas (como o de POLARIDADE, o de CONTRASTE, o de TEMPO, o de ASPECTO etc.), como atestado em Halliday e Matthiessen (2004, p. 349).

Uma última característica das redes de sistema é a possibilidade de disporem informações sobre como os termos são realizados estruturalmente. A essas informações é dado o nome de regras de realização. A formulação dessas regras segue alguns princípios (BERRY, 1977; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 1999, MARTIN, 2013): (i) inserção, relacionado à presença de elementos funcionais na estrutura; (ii) concatenação, relativo à sequência de combinação dos elementos na estrutura; (iii) particularização (ou pré-seleção), relativo à restrição da classe de elementos associada a uma dada função; (iv) confluência, referente à confluência de funções, indicando que elementos iguais podem realizar funções diferentes; e (v) lexicalização, quando é indicado o item formal específico na estrutura.

Exemplos de regras de realização podem ser visualizados no sistema de TIPO DE PROCESSO, apresentado na Figura 7, no qual estão dispostas as funções estruturais das orações associadas aos termos.

32 “The focus will be on the axis of choice rather than on the axis of chain. The focus will be on the more fundamental aspects of grammar, on the meanings of grammar, rather than on the more surface aspects of grammar.”

Figura 7 – Transitividade representada como rede de sistema

Fonte: Halliday e Matthiessen (2004, p. 173).

Nesse sistema da Figura 7, são utilizadas três regras: a da inserção (por exemplo, se a opção [mental] for escolhida, inserir a função Experienciador), o da particularização (se a opção [mental] for escolhida, pré-selecionar subclasse consciente dos elementos da classe dos grupos nominais para realizar a função Experienciador) e o da confluência (se a opção [mental] for escolhida, confluir a função Experienciador com a função Meio). A regra de concatenação se dá quando a escolha de uma opção do sistema implica uma sequência específica (como a sequência Sujeito ^ Finito, regra de realização da opção [declarativo] do sistema de MODO em inglês). Já no caso da lexicalização, indica-se a forma lexical a ser empregada para a realização da opção sistêmica (como, por exemplo, Processo:: dar, que já indica a forma verbal dar a ser utilizada na realização da função Processo).

As regras de realização são dispostas abaixo dos termos, seja dentro de retângulos, seja apontadas por uma seta diagonal (↘). Nas regras em si são utilizados símbolos específicos (MARTIN, 2013): a inserção de elementos funcionais é marcada pelo sinal “+”; a ordem desses elementos pelo sinal “^”; as fusões entre funções é representada pelo sinal “/”; a especificação da classe de constituintes particulares é percebida pelo sinal “:”; por último, a indicação de um item lexical específico é feita com o sinal “::”.

Considerado, por exemplo, o termo [mental], conforme exposto no sistema da Figura 7, já é possível compreender as regras de inserção, particularização e confluência de maneira mais detalhada (ver Quadro 1).

Quadro 1 – Regras de realização do termo [mental] Tipo de regra

de realização

Escrita Leitura Simbologia

inserção +Experienciador Se o termo [mental] for escolhido, inserir a função Experienciador na estrutura da oração.

+F particularização Experienciador:

consciente

A função Experienciador deve ser realizada pela subclasse consciente dos elementos da classe dos grupos nominais.

F:c

confluência Experienciador/ Meio

Confluir a função Experienciador, do modelo transitivo, com a função Meio, do modelo ergativo. Ou seja, o mesmo elemento será, ao mesmo tempo, Experienciador e Meio.

F/F concatenação F^F #^F F^# lexicalização F::item lexical Fonte: O autor (2019).

Um outro exemplo pode ser visualizado no quadro seguinte, em que Hasan (1996) elabora regras de realização para os termos constituintes de sua rede de sistema [disposição]33. Veja-se que diversas funções, como Agente, Meio e Beneficiador, são identificadas mediante a particularização de itens formais a serem utilizados na realização dos termos. Por exemplo, o termo [+beneficiamento] é realizado, estruturalmente, mediante a função Beneficiador, que deve ser um grupo nominal com o Ente representando um ser animado. Note-se a opção da autora de não dispor as regras de realização abaixo dos termos, de forma resumida, e sim de uma forma que já expõe a leitura, tal como na terceira coluna do Quadro 1.

Quadro 2 – Exemplos de regras de realização [+benefactivo]

Beneficiador pré-seleciona grupo nominal com Ente animado [aquisição]

subcategorizar Evento como / (ação material de disposição envolvendo mudança de locomoção do Meio) conduzindo ao ganho de acesso do Meio por parte do Agente

[reflexivo]

Beneficiador pré-seleciona (grupo nominal com Ente animado) e com o mesmo referente do Agente [unitário]

Meio pré-seleciona grupo nominal com Ente/ (alienável, divisível) e plural/ [neutro]

Meio pré-seleciona grupo nominal com Ente/ (alienável, divisível) e plural OU não contável/ Fonte: Hasan (1996, p. 80-81).

Por fim, veja-se que o conceito de realização não se confunde com o conceito de refinamento. A escala de refinamento diz respeito à relação de dependência entre os sistemas. Segundo Berry (1977), essa mal compreensão é muitas vezes criada porque “há uma tendência de sistemas mais refinados especificarem movimentos mais próximos ao polo superficial da escala de realização”34.

A escala de refinamento é melhor discutida na seção seguinte, lugar onde também é detalhado o sistema de TRANSITIVIDADE na LSF, sistema no qual esta tese se situa na descrição de orações com a forma verbal dar.