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2.3 O sistema de TRANSITIVIDADE

2.3.3 Refinamento no sistema de TRANSITIVIDADE

2.3.3.1 Exemplo de expansão de sistemas

Hasan (1996), objetivando demonstrar a viabilidade do pensamento de Halliday de que o léxico é o lado mais refinado da gramática, atém-se a uma classe de nove itens lexicais –

distribuir (distribute), esparramar (strew), derramar (spill) e (com)partilhar (share) –

classificados sob o termo [disposição] e traça, em uma rede de sistema, as escolhas associadas a suas realizações no nível da oração. O termo [disposição] possui a “herança de trajeto”37 [material: ação] e [efetivo: ativo] nos subsistemas de PROCESSO38 e VOZ39, respectivamente – ambos parte do sistema de TRANSITIVIDADE, como observado na Figura 20. (É importante notar que essa herança de trajeto é considerada para todas as escolhas feitas nas subclassificações posteriores ao termo [disposição]. Em outras palavras, essa herança diz respeito ao caminho sistêmico necessário para que se possa acessar as opções posteriores a [disposição].)

Figura 20 – Herança de trajeto do termo [disposição]

Fonte: Hasan (1996, p. 75). Destaque nosso.

Para que se possa prosseguir na rede de sistema disposta na Figura 20, as seguintes regras de realização devem ser obedecidas: “1. As funções Processo, Meio e Agente são inseridas; 2. O Processo pré-seleciona Evento; 3. Meio e Agente pré-selecionam, cada um, um Ente; 4. Evento é subcategorizado como /ação material/” (HASAN, 1996, p. 76). Entrando-se

37 Tradução do termo “systematic path inheritance”, presente em Hasan (1996, p. 76). Ver, nos elementos pré- textuais da tese, uma lista com termos da LSF traduzidos para o português brasileiro.

38 Semalhante ao sistema de TIPO DE PROCESSO apresentando na seção anterior. 39 Semelhante ao sistema de AGÊNCIA apresentado na seção anterior.

no sistema dependente do termo [disposição], tem-se os sistemas de ACESSO e NATUREZA, que coocorrem com o sistema de BENEFÍCIO (ver Figura 21).

Figura 21 – Sistema de ACESSO, NATUREZA e BENEFÍCIO

Fonte: Hasan (1996, p. 79). Destaque nosso.

As opções do sistema de ACESSO estão relacionadas ao resultado da atividade: [aquisição], que implica ganho de acesso ao Meio por parte do Agente, e [privação], que implica perda de acesso ao Meio por parte do Agente. A natureza da atividade, do sistema NATUREZA, possui os termos [iterativo], que implica uma atividade repetitiva, e [não-iterativo], que implica o oposto – isto é, atividade não repetitiva. O sistema de BENEFÍCIO, por seu turno, lida com a capacidade de existir ou não um beneficiado com a atividade representada.

Para se ter uma noção do que seja “transformar toda a forma linguística em gramática, na esperança de demonstrar que o léxico pode ser definido como a ‘gramática mais refinada’”40 (HALLIDAY, 2002, p. 54), veja-se o resultado atingido pela expressão de seleção [material: ação: disposição: aquisição; iterativo; benefício: potencial]. Esse caminho conduz a apenas três escolhas verbais, com os sentidos como expressos nas orações seguintes, retiradas de Hasan (1996):

(8) Leonie recolheu algumas rosas do jardim (Leonie gathered some roses from the

garden)

40 “[…]to turn the whole of linguistic form into grammar, hoping to show that lexis can be defined as 'most delicate grammar'.”

(9) Susan acumulou galões da solução (Susan accumulated gallons of solution) (10) Susan apanhou a água na tijela (Susan collected the water in the bowl)

No caso da primeira oração, tem-se o item lexical recolher como resultado do caminho [material: ação: disposição: aquisição; iterativo; benefício: potencial] adicionado do termo [unitário] – ou seja, que exige a realização do Meio por um grupo nominal com um Ente alienável, divisível e na forma plural (algumas rosas). Na segunda oração, tem-se o item lexical

acumular, que possui, além do caminho já especificado, os termos [neutro: +vasto] – ou seja, o

papel Meio realizado por um Ente também alienável, divisível, mas plural ou não-contável e necessariamente indicando grande quantidade (galões da solução). Por último, tem-se o item lexical coletar (no sentido em que é antônimo de espalhar), que tem adicionado à sua herança de trajeto o caminho sistêmico [neutro: desmarcado] – ou seja, com o papel Meio podendo ser realizado por um grupo nominal com um Ente alienável, divisível, plural ou não-contável e indicando qualquer grau de vastidão (a água). (O sistema com os termos [unitário], [+vasto] e [desmarcado] encontra-se destacado na Figura 21.)

Com relação à opção [unitário], Hasan (1996, p. 83), didaticamente, expõe:

Note que [unitário] é o ponto final de um caminho [...]. Ele especifica alguma unidade formal que possa ser reconhecida como um item lexical? Eu vejo que a unidade linguística capaz de realizar o Evento do caminho [material: ação: disposição: aquisição; iterativo: unitário] deve se referir a uma atividade que seja concreta, envolva mudança de localização do Meio, seja inerentemente repetitiva, conduza ao ganho do acesso do Meio por parte do Agente, e tenha o Meio restringido à forma plural. Em inglês, a única forma linguística com essas características é recolher41.

Aqui, não resta mais nada a não ser indicar o item lexical que realiza o caminho especificado na rede de sistema elaborada. Nesse sentido, Hasan (1996) aponta que orações como Leonie recolheu a água/carne na tigela e Leonie recolheu um livro da sua estante apresentam estranheza, dado que, na primeira delas, não se tem uma correspondência com as regras de realização em que (i) o Evento conduz ao ganho de acesso ao Meio por parte do Agente, (ii) o Ente (do grupo nominal que realiza o Meio) é divisível e (iii) o Ente assume a

41 “Note that [unitary] is the endpoint of one path [...]. Does it specify any unit of form that may be a recognizable lexical item? I claim that the linguistic unit capable of realizing the Event in selection expression [material: action: disposal: acquisition; iterative: unitary] must refer to an activity which is concrete, involves change in the location of the Medium, is inherently repetitive, leads to the Agent’s gain of access to the Medium, and is such that the Medium is constrained to the ‘plural’. In English the only linguistic form that can meat all these requirements is gather.”

forma plural; no caso da segunda oração, apesar de, a partir da eventualidade, haver um ganho do Meio por parte do Agente, não se tem um grupo nominal com núcleo na forma plural.

Todo o trajeto que melhor distingue a escolha de itens lexicais como recolher, acumular e coletar ainda é melhor distinguido por Hasan (1996) ao utilizar o sistema de BENEFÍCIO. Com esse sistema, são detalhadas as possibilidades de se ter ou não o Beneficiário.

De maneira geral, Hasan (1996) faz um trabalho que reúne a parte mais geral à parte mais refinada do contínuo lexicogramatical. Nesse sentido, utilizando-se de conceitos-chave da teoria sistêmico-funcional – como sistema, realização e refinamento – demonstra como o “sonho do gramático” apontado por Halliday (2002) pode se tornar real. Note-se que ela reúne, em uma única rede de sistema, opções desde as mais gerais, encontradas em um sistema como o de Halliday (ver Figura 8), até opções bem específicas, como as que distinguem a natureza do Ente que realiza o Meio (por exemplo, [+sólido], [+líquido] etc.).

Hasan (1996) atém-se a apenas um grupo específico de verbos. Caso fosse considerado um número maior de verbos, sistemas como ACESSO e NATUREZA talvez também se aplicassem, e nesse sentido haveria o trabalho de se reformular a rede de sistema a fim de englobar outros termos necessários à descrição lexicogramatical.