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3.1 Metáfora gramatical: a perspectiva hallidayana

3.1.1 A construção das metafóricas gramaticais

As formas metafóricas seguem o que Halliday (1998, p. 185) chama de reconstrução semiótica, que equivale à substituição de uma construção semiótica por outra. Isso se verifica principalmente quando sequências e figuras, que são unidades semânticas (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 1999, 2004), não são realizadas congruentemente por, respectivamente, complexos oracionais e orações. A Figura 24, retirada de Halliday (1998), demonstra esse pensamento. Nessa figura, ainda é adicionada a unidade semântica elemento, que compõe a figura com processos, participantes e circunstâncias e que terão suas formas metafóricas no nível da palavra (funcionando, assim, geralmente como modificador de um Ente).

52 (a) Advances in technology are speeding up the writing of business programs. (b) Advances in technology are making the writing of business programs faster. (c) Advances in technology are enabling people to write business programs faster.

(d) Because technology is advancing, people are (becoming) able to write business programs faster. (e) Because technology is getting better, people are able to write business programs faster.

53 “Typical here refers to the expected flow-on of choices between the various linguistic levels and ranks.” 54 “closer to the state of affairs in the external world.”

Figura 24 – Reconstrução de unidades semânticas mediante metáforas gramaticais

Fonte: Halliday (1998, p. 218).

Como modelo ilustrativo, veja-se as duas orações seguintes:

(12) Se (o médico) imobiliza (o paciente) e imediatamente administra os antibióticos apropriados, o problema pode ocasionalmente ser solucionado55 (THOMPSON, 2004,

p. 226, grifo do autor)

(13) A imobilização e a administração imediata dos antibióticos apropriados podem ocasionalmente levar à solução56 (THOMPSON, 2004, p. 226, grifo do autor)

Nesse caso, a sequência congruente (exemplo (12)) é realizada por uma oração complexa constituída de três orações, com os processos imobilizar, administrar e solucionar. Na forma metafórica (exemplo (13)), essa sequência é realizada por uma única oração com o processo levar. Nessa forma metafórica, os processos da sequência congruente são representados como participantes (imobilização, administração e solução), o que faz com que eles sejam realizados no grupo nominal, e não mais no grupo verbal; consequentemente, as figuras (como, por exemplo, o médico + imobilizar + o paciente) são realizadas não mais por orações, mas sim, metaforicamente, por grupos nominais. Por fim, alguns elementos, sendo congruentemente realizados no nível do grupo, passam a ser realizados no nível da palavra; é o caso do elemento imediatamente, que, sendo congruentemente realizado por um grupo adverbial, passa a ser realizado metaforicamente pela palavra imediata, constituinte do grupo nominal com o Ente administração (administração imediata).

O elemento também pode ser realizado metaforicamente no mesmo nível do grupo (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 1999, p. 240); nesse caso, a distinção se dá em termos de

55 “If (the doctor) immobilizes (the patient) and promptly administers the appropriate antibiotics, the problem may occasionally be resolved.”

56 “Immobilization and the prompt administration of the appropriate antibiotics may occasionally lead to resolution.”

classe do grupo. Recorrendo-se às orações (14) e (15), por exemplo, percebe-se que o elemento

evaporar é representado, congruentemente, como grupo verbal, enquanto metaforicamente

também é realizado por um grupo, mas um grupo nominal.

(14) [o álcool] <deu uma> / evaporada // (bfamcv33) (15) [o álcool] evaporou (reescrita de (14))

Além da mudança de nível, Halliday e Matthiessen (1999) apontam a transcategorização como modelo geral responsável pela emersão da metáfora. A partir desse fenômeno, lexemas de uma classe são (em alguns casos com o auxílio de sufixos derivacionais) expressos por meio de outra classe. No caso de evaporada, por exemplo, tem-se um elemento da classe dos processos tratado como se fosse da classe das coisas. A partir dessa noção de transcategorização, Halliday e Matthiessen (1999, p. 245) classificam a metáfora gramatical no campo ideacional a partir de um quadro que considera a mudança de classe dos elementos, conforme Quadro 4 traduzido a seguir:

Quadro 4 – Domínios de metáforas de elementos

congruente: metafórico:

=> circunstância => processo => qualidade => coisa

qualidade => instável 1 instabilidade processo => absorver 3 absorvente 2 absorção circunstância => ao invés de; na superfície 6 substitui 5 alternativo; superficial 4 substituição; superfície conector => porque [b, porque a] então [a, então b]

10

por causa de; como resultado 9 causa, prova; assegura, segue/resulta de 8 causal; consequente 7 causa, prova; resultado Ø => 12 ocorre; impõe; faz, tem 11 fenômeno, fato coisa, circunstância => driver [be safe] decided [today]

13 expansão da coisa <no contexto de 1 e 2>

driver [safety], driver’s [safety], [safety] of the driver today’s [decision], [decision] of today

Fonte: Halliday e Matthiessen (1999, p. 245).

As escolhas provenientes desse quadro tendem a ocorrer em grupos (por exemplo, o grupo 6+2, o grupo 5+1+13 etc.). Esses grupos são classificados em três tipos na formação de um quadro conceitual geral: (i) figura ==> elemento, em que uma figura é metaforicamente

representada como um participante (por exemplo, ele foi preso pela polícia ==> sua prisão

pela polícia57 – grupo 13+2+13); (ii) sequência ==> figura, em que, semanticamente, uma

sequência é representada como uma figura e, consequentemente, uma oração complexa é representada como uma oração (por exemplo, Eles rasgaram os documentos antes de partirem

para o aeroporto ==> Eles rasgaram os documentos antes da partida deles para o aeroporto

– grupo 10+13+2+13); e (iii) figura com processo ==> figura com processo como coisa, em que apenas parte da figura é reconstruída de maneira metafórica como um participante (por exemplo, Eles pesquisaram a propriedade ==> (Eles) fizeram uma pesquisa da propriedade – grupo 12+2+13) – ver Quadro 5.

Quadro 5 – Tipos de metáfora Tipo de metáfora Mudança nos níveis

lexicogramaticais

Exemplos (congruente) Exemplos (metafórico) figura

==> elemento

oração ==> grupo

ele foi preso pela polícia sua prisão pela polícia sequência ==> figura oração complexa ==> oração Eles rasgaram os documentos antes de partirem para o aeroporto Eles rasgaram os documentos antes da partida deles para o aeroporto

figura com processo ==> figura com processo como coisa

oração

==> oração (não há mudança de nível)

Eles pesquisaram a propriedade

(Eles) fizeram uma pesquisa da propriedade Fonte: O autor (2019), baseado em conceitos e exemplos de Halliday e Matthiessen (1999).

Para fins de clareza, veja-se o terceiro tipo de metáfora, com o exemplo Eles fizeram

uma pesquisa na propriedade: o elemento Eles não sofre alteração; o elemento metafórico fizeram é adicionado (Ø => processo – tipo 12); o elemento pesquisaram é representado

metaforicamente por pesquisa (processo => coisa – tipo 2); e o elemento a propriedade é representado metaforicamente como da propriedade (coisa => qualidade – tipo 13), que na oração metafórica qualifica o nome pesquisa (ver Figura 25).

Figura 25 – Mudança de classe de elementos na construção metafórica

Fonte: O autor (2019).

Dadas essas considerações acerca das metáforas gramaticais, falta discorrermos sobre a razão para o seu uso. Essa discussão é apresentada na subseção seguinte.