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2.2 Sistema em LSF

2.2.1 A noção de sistema

Na LSF, uma das noções prevalecentes é a de sistema. A palavra sistema, de maneira geral, evoca a ideia de “partes em um todo”. Em Linguística, essa ideia foi enfatizada já no estruturalismo europeu, com Saussure (2006), para quem as partes seriam os signos linguísticos e o todo seria o sistema de signos (correspondente à língua). Em LSF, essa ideia geral de sistema é reconhecida como princípio organizacional tanto dos estratos do conteúdo (semântica e lexicogramática) como do estrato da expressão (fonologia); dentro de cada estrato, ainda, cada nível (da escala de níveis) segue o princípio organizacional sistêmico.

As relações entre as partes do sistema são percebidas a partir do momento em que se cria um paradigma (seja ele de morfemas, grupos ou orações) para se entender as diferenças de significado entre as opções disponíveis. No caso das orações na Figura 4, nota-se uma distinção no que se refere aos tipos de processo utilizados para representar a experiência.

Figura 4 – Paradigma de orações

O sobrevivente morrerá logo na Ásia

Ator Pr.: Material Circ.: Modo Circ.: Localização O sobrevivente pensou que morreria logo na Ásia Experienciador Pr.: Mental Fenômeno

O sobrevivente logo estará morto na Ásia

Portador Circ.: Modo Pr.: Relacional Atributo Circ.: Localização

Logo haverá um sobrevivente morto na Ásia

Circ.: Modo Pr.: Existencial Existente Circ.: Localização O sobrevivente disse que logo morreria na Ásia

Dizente Pr.: Verbal Verbiagem

Fonte: O autor (2019). Oração extraída do Corpus Brasileiro (o sobrevivente morrerá logo na Ásia). As demais orações são reescritas.

Nesse sentido, a interpretação da oração O sobrevivente morrerá logo na Ásia (Corpus Brasileiro) em termos experienciais (ou seja, da maneira como a experiência é representada/ percebida), é feita a partir das relações de oposição nas quais ela se envolve. Essa oração, do tipo material, ganha seu sentido a partir das outras escolhas (mental, relacional, existencial e verbal) possíveis no potencial de significados experienciais.

A construção da experiência, assim sendo, evidencia-se por meio de relações paradigmáticas. No entanto, a LSF reconhece, também, as relações sintagmáticas. As relações sintagmáticas dizem respeito às combinações na formação de unidades como a oração (ou seja, às sequências entre os elementos na formação de estruturas). No caso das orações materiais, ao se apontar que são realizadas, obrigatoriamente, por um Processo Material e por um Ator, e em alguns casos, também, por Meta, Extensão ou Beneficiário, parte-se para o campo sintagmático, ou seja, o campo da estrutura24.

A importância da estrutura ainda é apresenta em Matthiessen e Halliday (2009, p. 3):

Contrastes sistêmicos são criados por algum aspecto do fraseado: os termos do sistema são diferenciados mediante a estrutura gramatical (como por exemplo a presença ou a ausência de um elemento da estrutura, como o Sujeito), mediante a presença de itens lexicais ou gramaticais (como por exemplo o item gramatical ka no japonês, que indica a forma interrogativa das orações), ou, dando um passo a mais, mediante um traço fonológico (como

24 Sendo assim, a propósito da diferença entre sintagma e paradigma, “relações sintagmáticas conferem estruturas: uma sequência de elementos ordenados em arranjos lineares. Relações paradigmáticas, por outro lado, conferem paradigmas. Um paradigma é um conjunto de oposições, ou escolhas, em um contexto particular” (EGGINS, 2004, p. 192, grifo da autora).

por exemplo a entonação ascendente ou descendente). Dizemos que termos sistêmicos, ou opções, são realizados (expressos, codificados) por aspectos do fraseado. A escolha no sistema de MODO entre ‘indicativo’ e ‘imperativo’ é realizada estruturalmente: normalmente, apenas orações indicativas possuem um Sujeito.25

No entanto, na teoria sistêmico-funcional, prioriza-se o eixo paradigmático. Esse modo de fazer linguística, com foco no sistema, mas também com um olhar para a estrutura, deriva dos estudos de Firth. Como atesta Martin (1992, p. 4):

A linguística sistêmico-funcional possui suas raízes na linguística Firthiana; portanto, não surpreendentemente, ela é um tipo de teoria sistêmica e estrutural. Diferentemente de Firth, contudo, que conferia igual status aos conceitos de sistema e estrutura em seu modelo, a linguística sistêmica confere prioridade ao sistema. Seguindo Hjelmslev (1961), relações paradigmáticas são mapeadas com base no potencial e relações sintagmáticas são baseadas nas instâncias efetivas; assim, o sistema é descrito em termos de oposições paradigmáticas, enquanto o processo em termos da estrutura sintagmática26

(grifo do autor).

No ato de descrição linguística, a importância da estrutura se faz presente no momento em que se busca as oposições para a descrição sistêmica de dados da língua. Eggins (2004) sugere que a metodologia para o estabelecimento de sistemas deve se basear na diferença estrutural. Segundo a autora, “[t]oda escolha em um sistema ou rede de sistema é realizada por uma estrutura. Portanto, construímos um sistema apenas quando conseguimos identificar diferenças estruturais” 27 (EGGINS, 2004, p. 200). De forma semelhante, Tucker (2014b, p. 31), ao analisar expressões com sentidos que fogem daquele prototipicamente associado à forma verbal give (dar), atesta que, “sem dúvida, qualquer julgamento que fazemos sobre a classificação de TIPO DE PROCESSO [...] é pelo menos parcialmente informada por uma consciência da natureza lexicogramatical da expressão”28. Ao analisar as estruturas das orações

25 “Systemic contrasts are created by some aspect of the wording: the terms of the system are differentiated by means of grammatical structure (e.g. the absence vs. presence of an element of structure such as Subject), by means of grammatical or lexical items (e.g. the grammatical item ka in Japanese indicating interrogative clauses), or, as a further step, by means of a phonological feature (e.g. rising vs. falling intonation). We say that systemic terms, or features, are realized (expressed, coded) by aspects of the wording. The choice in the MOOD system between 'indicative' and 'imperative' is realized structurally: only indicative clauses normally have a Subject.”

26 “Systemic linguistics has its roots in Firthian linguistics, and so not surprisingly it is a type of system structure theory. Unlike Firth however, who gave equal status to the concepts of system and structure in his model, systemic linguistics gives priority to system. Following Hjelmslev (1961), paradigmatic relations are mapped onto potential and syntagmatic relations onto actual; thus system is described in terms of paradigmatic oppositions, process in terms of syntagmatic structure.”

27 “Every choice in a system or system network is realized by a structure. We therefore only set up a system when we can identify differences in structure.”

28 “Arguably, any judgement we make about a PROCESS TYPE classification such as in the examples above is at least partly informed by an awareness of the lexicogrammatical nature of the expression.”

dispostas na Figura 4, nas quais participantes diferentes acompanham os processos, percebe- se claramente uma diferença estrutural, sendo isso um fator importante na identificação de diferenças sistêmicas.

Dada essa prioridade concedida ao sistema, é comum, em LSF, a formalização das descrições linguísticas em redes de sistema29. Na seção seguinte são apresentadas as características desse tipo de formalização.