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Uma oração como deu para você fechar os jogos138 (bfamcv03) é do tipo relacional intensivo atributivo qualitativo (ver seção 6.3.2). Tomando essa oração como exemplo, veja-se que em português brasileiro é possível que o elemento você, de você fechar os jogos (oração constituinte do sintagma preposicional encabeçado pela preposição para), passe a ser participante da oração principal em que o verbo dar é expresso: você deu para fechar os jogos. Essa mudança estrutural do participante você se deve, em alguns momentos, à mudança da natureza do verbo dar, que, nesse caso, passa a ser elemento auxiliar em um grupo verbal complexo. A Figura 77 demonstra essa mudança sistêmica:

Figura 77 – O verbo dar em grupos verbais complexos

Fonte: O autor (2019). Oração extraída do C-ORAL-BRASIL (deu para você fechar os jogos (bfamcv03)). A outra oração, com verbo auxiliar, é uma reescrita.

A Figura 77 demonstra que, na oração com o verbo dar Relacional, o elemento você é um participante associado ao processo fechar, formando, juntamente com os jogos, uma oração rebaixada ao nível do grupo. Por seu turno, com o verbo dar no sentido auxiliar, o participante

você é associado ao processo complexo deu para fechar, formando, juntamente com os jogos,

a oração (principal).

A forma verbal dar, juntamente com o verbo que o segue, forma um único grupo, realizando, no caso específico sob análise (você deu para fechar os jogos), um Processo Material. Nesse grupo verbal complexo, o verbo dar é encarregado de conceder finitude à oração, enquanto o segundo verbo realiza o evento a partir do qual a oração é classificada em

138 Reescrita de dá pa fechar o jogo (bfamcv03). Criamos essa reescrita para termos uma versão ambígua que facilite a distinção de sentidos pela simples mudança estrutural dos elementos da oração.

uma das seis regiões da gramática da experiência. As orações seguintes, em que o verbo dar é utilizado de maneira semelhante, já devem ser classificadas como do tipo verbal, haja vista a natureza dos processos ameaçar e dizer:

(190) Naruto não a queria por perto de forma alguma e isso deixou-a ainda mais furiosa. Fora aquele juiz louco que do nada deu para ameaçar-me139.

(191) Velho gagá, deu para dizer coisas profundíssimas (Corpus Brasileiro)

Nessa configuração transitiva, o verbo dar é de natureza geral, sendo elaborado pelos verbos subsequentes (fechar, ameaçar e dizer). Adotando o pensamento de Halliday e Matthiessen (2004, p. 499), pode-se dizer que a relação entre os dois verbos é de fase (phase):

dar para fechar, dar para ameaçar e dar para dizer representam o estágio inicial e habitual dos

processos de fechar, ameaçar e dizer, respectivamente. O sentido é o de começar a fazer algo

de maneira habitual: por um lado, o aspecto inceptivo, caracterizado por “expressar uma

situação que se apresenta em seu ponto de início ou em seus primeiros momentos” (FOSSILE, 2012, p. 78); por outro lado, o aspecto durativo, caracterizado, de maneira geral, por exprimir duração, que abrange iteração e hábito (FISSILE, 2012).

Por isso, do sistema de FASE – parte da rede de sistema que descreve o grupo verbal complexo (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 520) –, a construção da qual o verbo dar é constituinte realiza o tipo [tempo: inceptivo-durativo]. Sua distinção em relação ao tipo [tempo: inceptivo] se dá quando criamos uma reescrita com o verbo começar: você começou a

fechar os jogos. Enquanto, com o verbo começar, o sentido normalmente é o de que foi dado início ao processo de fechar os jogos, com o verbo dar o sentido é o de que foi dado início ao hábito (formado pelos processos de) fechar os jogos (ver Figura 78).

139 Disponível em: <https://www.spiritfanfiction.com/historia/boneca-de-luxo-nas-maos-do-destino-7316395 /cap itulo18>. Acesso em: 20 jul. 2018.

Figura 78 – Verbo dar auxiliar em grupos verbais complexos

Fonte: Sistema extraído de Halliday e Matthiessen (2004, p. 520). Orações com o verbo dar extraídos do C-ORAL-BRASIL, da Internet e do Corpus Brasileiro, respectivamente. As orações com o verbo

começar são reescritas.

Apesar da diferença entre os termos [inceptivo] e [inceptivo-durativo], no grupo verbal complexo é verificada a possibilidade dos dois ocorrerem ao mesmo tempo em uma mesma oração, resultando em duas ordens distintas:

(192) As atividades que a gente tinha na época, quando começou a dar para fazer alguma coisa, eram tentar organizar os trabalhadores do campo [...]140

(193) Segundo seu relato, seu marido “deu para começar a criticar” suas roupas de trabalho.141

Nesse sentido, temos a visão de que o grupo verbal complexo pode realizar, ao mesmo tempo, as opções [inceptivo] e [inceptivo-durativo] quando os verbos auxiliares são dar e

começar. A ordem é que determina o tipo de tempo: com o verbo começar no início, temos o

tipo [inceptivo], como em (192); com o verbo dar no início, temos o tipo [inceptivo-durativo], como em (193).

6.9 Considerações do capítulo

Neste capítulo, fazendo um “percurso” pelo sistema de TRANSITIVIDADE, analisamos e descrevemos as orações com a forma verbal dar. Tal percurso, por vezes, voltou-se para zonas mais refinadas, e resultou na proposição de sistemas quando a teoria sistêmico-funcional assim permitiu e quando os dados com o verbo dar mostraram-se suficientes.

140 Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/entrevista4157.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2018.

141 Disponível em: <https://www.vyaestelar.com.br/post/5161/meu-marido-critica-as-roupas-que-uso-para-ir-ao- trabalho-o-que-faco>. Acesso em: 23 jul. 2018.

Verificou-se que o verbo dar constitui orações na realização de qualquer uma das seis regiões da gramática da experiência propostas por Halliday e Matthiessen (2004): material, comportamental, mental, verbal, relacional e existencial, além de, no nível do grupo, compor complexos verbais. As linhas de divisão entre as regiões da experiência, apontadas como tênues na LSF, são observadas a partir de expressões ambíguas e dos “deslocamentos” de sentido provocados pela inserção, omissão e mudança de elementos na configuração transitiva da oração. A Figura 79, a seguir, ilustra o nível de proximidade entre os sentidos realizados por orações com o verbo dar.

Figura 79 – O espaço semântico ocupado por figuras realizadas pelo verbo dar e suas principais áreas de indeterminação

Fonte: Halliday e Matthiessen (1999, p. 137). Os exemplos com o verbo dar, todos hachurados na figura, são baseados nos dados da pesquisa.

Em razão do fio condudor presente em Hasan (1996), as orações do tipo [material: transformativo: extensão] foram as descritas com maior profundidade, razão pela qual receberam uma representação sistêmica mais refinada. As orações dos demais tipos não

receberam uma representação sistêmica mais refinada (ou tão refinada) porque necessitaríamos da análise de outras formas verbais no estabelecimento das relações necessárias, trabalho que demandaria um esforço além do escopo instituído na presente pesquisa.

Ao final, nossa análise distinguiu-se da proposta por Tucker (2014a) na medida em que não criamos classes para as orações com base na proximidade/distanciamento (proveniente da presença/ausência de elementos na estrutura lexicogramatical) de uma configuração transitiva prototípica, tida como modelo.

Para concluirmos o que propomos nesta tese, no capítulo seguinte descrevemos as expressões metafóricas constituídas da forma verbal dar.

7 O VERBO DAR EM EXPRESSÕES METAFÓRICAS

Neste capítulo, são analisadas as orações em que o verbo dar é seguido de um nome na formação de expressões metafóricas. A primeira seção propõe o sistema de CONGRUÊNCIA, com um desenvolvimento que diferencia expressões congruentes de expressões incongruentes. A segunda seção localiza o sistema proposto no sistema mais amplo de TRANSITIVIDADE, associando-o aos tipos de processo e à voz receptiva. Baseando-se no quadro teórico da LSF, a terceira seção relaciona o sistema de CONGRUÊNCIA à metafunção experiencial e ao nível da oração, além de apresentar a relação entre nominalizações e metáforas gramaticais. Por fim, é apresentada a possibilidade de metáforas com o verbo dar serem derivadas de outras expressões metafóricas.