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CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS

PARTE II – ASPECTOS JURÍDICOS DO REGIME

2.3 CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS

O regime geral de previdência social56, assim como o regime próprio57, é público, compulsório e contributivo para os sujeitos que a lei indica como segurados obrigatórios. Já o regime de previdência complementar é privado, contratual, facultativo e contributivo.

55 VIEIRA, Helga Klug Doin. O regime jurídico da previdência privada no sistema brasileiro de

seguridade social. Tese (Doutorado em Direito), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, São Paulo, 2003, p.195.

56 Regulado pelas Leis nºs. 8.212/91(lei de custeio) e 82.13/91 (lei de benefícios). 57 Regulado pela Lei n.º 8112/90.

A proteção previdenciária básica oferecida pelo regime geral de previdência social impõe a vinculação obrigatória de todas as espécies de trabalhadores. Trata- se de compulsoriedade instituída em razão das próprias origens do sistema de segurança social, que almejava proteger os trabalhadores de modo geral.

O regime legal58 de previdência complementar foi criado em 1977, apresentando caráter privado e atuação paralela ao regime de previdência social, básico e estatal, com a finalidade de, por meio de contrato, propiciar o pagamento de benefícios em contraprestação às contribuições vertidas.

Atualmente, a vinculação obrigatória ao regime geral está sujeita à suposta capacidade contributiva daqueles que exercem atividades remuneradas. A previdência social pode ser resumida como um sistema contributivo que visa a proteger seu segurado das consequências advindas da concretização de uma contingência social que o impeça de prover o seu sustento e o de sua família, expondo-o a situação de risco, que é aliviada pelo recebimento de benefícios públicos com vistas a garantir o mínimo necessário para sua subsistência.

Necessário destacar a possibilidade de vinculação ao regime público de indivíduos que não exercem atividades remuneradas que os enquadrem necessariamente como segurados obrigatórios. São os denominados “segurados facultativos”59.

Em relação aos potenciais segurados facultativos do regime geral de previdência social, pode-se afirmar que a previdência privada constitui um regime previdenciário concorrente. Considerando que inexiste obrigatoriedade de vinculação desse público aos regimes oficial ou próprio, o indivíduo pode optar por se vincular como segurado facultativo ao regime geral ou como participante no regime privado.

58 Em 1977 foram criadas as normas jurídicas pertinentes às entidades de previdência privada.

Entretanto, a primeira manifestação de entidade de previdência privada data de 1835, com a criação do MONGERAL (entidade aberta).

59 São exemplos de segurados facultativos o estudante e a dona de casa que não exercem nenhuma

O regime de previdência privada é facultativo e contratual60, fundado na manifestação de vontade do participante em integrar o plano de benefícios que oferece a proteção que lhe é necessária. Da mesma maneira que o regime básico, o regime de previdência complementar também é contributivo. Entretanto, a forma e os percentuais de custeio serão estabelecidos no regulamento de cada plano de benefícios, não existindo um parâmetro norteador comum. Existem planos de benefício que são suportados exclusivamente por contribuições dos participantes e/ou dos patrocinadores, sendo permitida a divisão dos encargos61, inclusive com possibilidade de diferença de proporção.

O regime de previdência privada vigente tem consagrado, no sistema constitucional, um binômio característico composto por contratualidade e facultatividade. O plano previdenciário privado é figura obrigacional do tipo contratual. Diferentemente do regime geral de previdência social62, no regime de previdência privada vigora o princípio da autonomia privada, que consiste no “poder da vontade, ou uma soberania da vontade concedidos pela ordem jurídica”63. Inerente a esse princípio é o poder do titular do direito de exigir a ação ou a abstenção dos demais sujeitos na relação jurídica, de forma que as partes podem decidir, desde que capazes para contratar, a extensão, os limites e os efeitos

60 A adesão dos participantes ao plano de previdência privada se dá por meio de contrato formal, que,

em tese, garante a negociação de suas bases jurídicas. Refiro-me à possibilidade de negociação dos participantes com a entidade de previdência privada em tese pois, na prática, a vinculação aos planos de previdência privada se dá por meio de contratos de adesão. Diferente é a situação da negociação existente entre as entidades de previdência privada e os patrocinadores ou instituidores que desejam oferecer planos de benefícios para uma população predefinida, conforme as necessidades do grupo a ser protegido. Ante as particularidades de cada grupo, as características do plano que será criado são discutidas e desenvolvidas caso a caso.

61 Nos planos de benefícios patrocinados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos

Municípios, bem como suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas (relações previdenciárias privadas regidas pela Lei Complementar n.º 108/01), somente é possível o aporte de recursos ao plano pelos patrocinadores se o montante de suas contribuições normais não excederem o valor das contribuições vertidas pelos participantes (segurados), conforme dispõe o parágrafo 3º do artigo 202 da Constituição Federal.

62 O regime geral de previdência social é compulsório, instituído por lei, contributivo, possui caráter

universal e é destinado aos sujeitos elencados nos artigos 12 a 14 da Lei n.º 8.212/91, independentemente da confiança que depositam no sistema. Tem por finalidade a proteção dos riscos sociais consubstanciados nos incisos do artigo 201 da Constituição Federal. Visa ao pagamento de prestações que garantam o mínimo necessário à subsistência do segurado e de seus dependentes, nos termos da lei.

decorrentes do negócio jurídico que engendram entre elas e que somente a elas diz respeito64.

Não obstante, é imprescindível que a lei configure, em caráter genérico e abstrato, os termos do negócio privado como fonte de obrigações. A legislação deverá impor os contornos externos do negócio previdenciário privado, autorizando, ao talante das partes, a definição das características oriundas da manifestação da vontade contratual.

Já a facultatividade consiste no poder dos interessados em fazer ou deixar de fazer alguma coisa ao seu livre alvitre. Cabe a cada participante (e/ou patrocinador ou instituidor) manifestar seu interesse em se vincular a um plano de previdência privada. Ao manifestar tal interesse, pode65 se tornar parte da relação jurídica previdenciária privada, conservando sua liberdade dentro dos limites das obrigações assumidas – por exemplo, o participante poderá dispor sobre o valor da contribuição que verterá ao plano de benefícios ou o patrocinador poderá alterar os critérios de adesão ou o objeto da relação previdenciária.

Santi Romano66 define que o exercício da facultatividade pertence à categoria dos poderes normativos das partes, ao ensinar que:

[...] los poderes normativos, tanto de los entes públicos u el primeiro de ellos el Estado, como de los particulares em cuanto son sujeitos de autonomia: mediante teles poderes, se constituyuen, se modifican y se extinguen, sobre la base de um ordenamento jurídico, nuevas normas jurídicas, o hasta otros ordenamentos jurídicos enternos, esto é, instituciones.

Trata-se da liberdade que detém o participante de obrigar-se ou não às regras do plano de benefício, nos termos do negócio jurídico criado conjuntamente pelo patrocinador67 e pela entidade de previdência privada. Nesse contexto, o

64 BALERA, Wagner (Coord.). Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier

Latin, 2005, p.19.

65 É importante lembrar que existe a possibilidade da entidade de previdência privada e/ou o

regulamento do plano não aceitarem o ingresso do participante ou das pessoas jurídicas interessadas em contratar um plano de previdência privada.

66 ROMANO, Santi. Fragmentos de um Dicionário Jurídico. Tradução de Santiago Sentis Melendo

e Marino Ayerra Radin. Buenos Aires: AJEA, 1964, p.307.

contrato de previdência privada deve ser considerado com base em três fundamentos do direito contratual, quais sejam: a já referida autonomia privada, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual.

A função social do contrato surge como instrumento hábil para limitar a liberdade contratual, harmonizando o interesse particular com o interesse coletivo. Trata-se de conceito introduzido pela nova ordem social, em que os contratantes e a coletividade atuam em cooperação mútua para a manutenção do bem-estar e justiça sociais.

Aqui se faz necessário afirmar que a ideia inicial de que o contrato só obriga aos seus pactuantes, o que se denomina como relatividade das convenções, teve de ser flexibilizada com a nova ordem social. As partes continuam com a liberdade de contratar ou não contratar, contudo, o Estado Social reconhece que essa autonomia não pode ser absoluta, pois é necessário preservar o bem-estar coletivo. Por esse motivo, o artigo 421 do Código Civil delimita a liberdade de contratar, ao impor a observância da pactuação em razão e nos limites da função social do contrato.

O interesse estritamente individual deve ser colocado em segundo plano, haja vista a imperatividade da manutenção do interesse coletivo. Não se trata de interesses antagônicos, muito pelo contrário, são interesses que devem conviver harmoniosamente, fortalecendo-se mutuamente.

No contrato de previdência privada há certa facilidade de se observar esse fortalecimento mútuo, isso porque, ao se garantir a observância dos preceitos dispostos no Código Civil, limitando a vontade das partes contratantes, maior segurança terá o participante de que seu objetivo maior, que é a manutenção do padrão de vida, será alcançado. Inegável é que a manutenção do padrão de vida também é o objetivo da coletividade, motivo pelo qual há evidente atuação estatal para a solidificação e ampliação da previdência privada.

O Código Civil ainda estabelece que as partes deverão observar os princípios da probidade e da boa-fé, tanto na conclusão como na execução

contratual. Como se vê, é também interesse da sociedade que os contratantes mantenham a probidade e boa-fé nas relações contratuais.

O legislador, no artigo 187 do Código Civil, também se preocupou com o exercício de um direito de forma desmedida, transpondo a limitação de seu fim social ou econômico, caracterizando-o como ato ilícito. Portanto, caso os contratantes não respeitem os limites contratuais que amparam os interesses coletivos, cometerão ato ilícito, pois terão afrontado a dignidade da pessoa humana, a livre iniciativa e o equilíbrio econômico.

Outra característica marcante relacionada ao regime geral de previdência social e ao regime de previdência complementar é a submissão aos órgãos reguladores e fiscalizadores, que são distintos e autônomos entre si, embora, no que tange às entidades fechadas de previdência privada, estejam todos vinculados ao Ministério da Previdência Social. É importante destacar que as entidades abertas de previdência privada, embora pertencentes ao regime de previdência privada e submissas aos princípios e valores do Sistema de Seguridade Social, possuem seus órgãos regulador e fiscalizador vinculados ao Ministério da Fazenda.

As relações jurídicas inerentes a cada um dos regimes previdenciários também merecem destaque neste tópico, pois possuem objetos e sujeitos peculiares. A relação jurídica existente no regime geral nasce da lei e é, predominantemente68, determinada pelo exercício de trabalho remunerado, nos parâmetros de custeio e proteção delineados pelas Leis n.º 8.212/91 (lei de custeio) e n.º 8.213/91 (lei de benefícios), submetida às regras de direito público. Já as relações de previdência privada nascem da iniciativa do patrocinador em criar um plano de benefícios aos seus empregados69, que podem optar por aderir ao plano se lhes for conveniente, no limite de suas necessidades. As regras de cada plano de benefício estarão esmiuçadas no seu regulamento.

68 Cumpre lembrar a existência do segurado facultativo, que se vincula ao Regime Geral de

Previdência Social por meio de manifestação expressa de vontade, não exercendo qualquer espécie de atividade remunerada que o vincule como segurado obrigatório, nos termos do artigo 13 da Lei n.º 8.213/91.

Cumpre destacar que as entidades abertas de previdência privada podem disponibilizar planos de benefícios a qualquer indivíduo interessado que preencha os requisitos de admissibilidade previstos no regulamento do plano e que possua capacidade contributiva. Não é necessária a presença de uma terceira pessoa jurídica interveniente, a exemplo dos patrocinadores e instituidores. Assim, especialmente em relação às entidades fechadas, verifica-se o caráter complementar – e facultativo – da previdência privada, que é submetida às regras de direito privado.

O regime de previdência privada também almeja o atingimento do bem-estar social, com consequente garantia de vida digna ao cidadão, em esforço conjunto da sociedade (e do próprio indivíduo protegido) e do Estado. Por essa razão, também está subordinado aos ditames do Direito Social, estando previsto constitucionalmente no Título da Ordem Social e no Capítulo da Seguridade Social. Não é regido pelo pacto de gerações, mas pelos princípios do mutualismo e da repartição de riscos70.

Os riscos protegidos são divididos entre os participantes nos planos solidários. Por esse motivo, no caso de déficit ou de desequilíbrio econômico do plano de benefícios, os encargos serão divididos, na proporção existente entre as contribuições, pelos participantes ativos, patrocinadores e assistidos, nos termos do artigo 21 da Lei Complementar n.º 109/01.

Em conjunto com o regime geral de previdência social, o regime de previdência privada assegura71 a proteção previdenciária necessária aos seus participantes, buscando a realização do objetivo do Estado Democrático Social, qual seja, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, I, da Constituição Federal).

70 Os planos de contribuição definida afastam-se desses princípios, conforme será tratado na Parte V

deste estudo.

71 A proteção somente poderá ser assegurada ao participante se forem cumpridas as premissas

atuariais do plano de benefícios, que deverá ser adequadamente estimulado e garantido na fase de acumulação de reservas.