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Como já demonstrado, o regime de previdência privada é marcado pela premissa da facultatividade, não havendo de se falar em imposição aos empregados e aos patrocinadores para sua adesão e, consequentemente, continuidade e permanência no plano de benefícios no decorrer do tempo.

A assunção da posição de patrocinador é um ato de natureza voluntária e contratual pelo qual uma empresa avoca essa condição e passa a contribuir para a formação do patrimônio do plano de benefícios em favor dos seus empregados e dirigentes.

Princípio básico do direito contratual de relações continuativas é que nenhum vínculo é eterno, não podendo nem mesmo o Poder Judiciário impor a sua continuidade quando uma das partes manifesta vontade contrária, sendo certo que, eventualmente caracterizado o abuso da rescisão, por isso responderá quem tiver praticado.266

Ademais, o papel do patrocinador é imprescindível apenas no momento da instituição do plano de benefícios, uma vez que o oferecerá a todos os seus empregados. A partir de então, essa necessidade não mais ocorre, sendo possível ao participante que tenha encerrado sua relação de emprego com o patrocinador se manter vinculado ao plano de benefícios na qualidade de autopatrocinado267 ou optar pelo benefício proporcional diferido268.

266 Item 9 da Exposição de Motivos da Minuta de Resolução MPS/CNPC, acerca da retirada de

patrocinador ou de instituidor de plano de benefícios administrado por entidade fechada de previdência complementar, datada de 13 de abril de 2012.

267

“Autopatrocínio. Instituto que faculta ao participante que sofrer perda parcial ou total de remuneração, a manutenção da sua contribuição anterior e a assunção da contribuição do patrocinador em relação à parcela reduzida, de modo a permitir a percepção futura de benefício nos níveis anteriormente praticados, observado o Regulamento do Plano de Benefícios.” BRASIL. Ministério da Previdência Social. Secretaria de Políticas de Previdência Social. Conceitos mais aceitos no Regime de Previdência Complementar. Brasília, 2011, p.10.

268

“Benefício proporcional diferido (BPD). Instituto que faculta ao participante, em razão da cessação do seu vínculo empregatício com o patrocinador, ou associativo com o instituidor, antes da aquisição do direito a benefício pleno programado, a interrupção de suas contribuições para o custeio de benefícios previdenciários, optar por receber, em tempo futuro, um benefício programado, quando do preenchimento dos requisitos regulamentares. Nessa hipótese o participante, classificado como

A retirada de patrocínio consiste na possibilidade de a empresa deixar de patrocinar um plano de previdência privada, rompendo unilateralmente com seus compromissos e passando a não aportar valores (contribuições), podendo levar o plano à extinção.

É possível ao patrocinador optar pela retirada de patrocínio desde que preserve os interesses dos participantes e assistidos, bem como a própria estabilidade do plano de benefícios, garantindo a proteção previdenciária.

O bem da comunidade protegida possui amparo integral da ordem jurídica, motivo pelo qual se encontra em discussão, no âmbito do Ministério da Previdência Social, uma minuta de nova regulamentação269 sobre a retirada de patrocínio. Enquanto não aprovada a nova norma, permanece vigente e disciplinando rigidamente o assunto a Resolução MPAS/CPC n.º 06, de 07/04/1988270, que regulamentava a Lei n.º 6.435/77, publicada antes da nova ordem constitucional e da lei complementar que normatiza o regime de previdência privada.

Antes da avaliação do direito de retirada do plano de benefícios, o patrocinador deve ser submetido a uma auditoria atuarial (item 2, alínea “h”, do Anexo da Resolução MPAS/CPC n.º 06/88), que demonstrará se o plano se encontra equilibrado sob a ótica econômico-financeira e atuarial, ou se há necessidade de aporte de valores pelo patrocinador que pretende se retirar. Nos termos da citada Resolução, as insuficiências financeiras devem ser cobertas pelo patrocinador.

remido, deixa de contribuir para o plano arcando exclusivamente com o pagamento do custeio administrativo até a data do recebimento do benefício.” BRASIL. Ministério da Previdência Social. Secretaria de Políticas de Previdência Social. Conceitos mais aceitos no Regime de Previdência Complementar. Brasília, 2011, p.12.

269 Os principais pontos da proposta de resolução em debate para regular a retirada de patrocínio

são: (i) repartição de déficit ou superávit na proporção contributiva quando houver extinção do plano; (ii) manutenção de plano de benefícios sem patrocinador ou instituidor; (iii) manutenção das hipóteses e métodos de financiamento utilizados na última avaliação atuarial; (iv) momento da suspensão das contribuições; (v) opções para participantes e assistidos; e (vi) contratação de renda vitalícia em seguradora para assistidos que já se encontram nesse tipo de benefício.

270 Resolução publicada no DOE de 06.05.1988, alterada pela Portaria MPAS n.º 4.714, de

28/08/1998, e pela Resolução MPAS/CPC n.º 2, de 19/12/2001, que dispõe sobre os procedimentos relativos à retirada de patrocinador de entidades fechadas de previdência privada.

A auditoria atuarial deverá constatar a manutenção em reservas de montante que atenda: (i) à cobertura dos benefícios concedidos para assistidos e pensionistas; e (ii) ao valor do resgate ou aposentadoria para os participantes que já adquiriram o direito ao benefício, bem como às quantias necessárias para o cumprimento dos respectivos encargos.

No processo de retirada de patrocínio, os participantes e os assistidos terão segregados e garantidos os valores dos benefícios conquistados (direito adquirido

financeiro271), nos termos do regulamento que os sustentou, até o momento em que o processo se torne efetivo.

Luís Carlos Cazetta272 leciona:

No caso da extinção de plano, o fenômeno é um pouco diverso, mas também característico da instabilidade jurídica própria à manifestação de vontade a que corresponde à assunção da qualidade de patrocinador de plano de benefícios. Por seu intermédio, pode o patrocinador restringir o alcance de determinado plano aos que a ele formalizaram adesão até o momento da sua extinção, impedindo novas filiações por parte daqueles que, conquanto detenham a mesma qualidade jurídica que autorizou aos demais a associação à entidade de previdência, não manifestaram a sua opção na oportunidade própria (por decisão pessoal ou por não ostentarem na época própria o vínculo que a autorizava).

Pelos mesmos fundamentos, a retirada de patrocínio também configura o exercício de direito potestativo por parte do patrocinador, cuja iniciativa não se condiciona a qualquer fato oriundo da formalização da relação jurídica com a entidade e o participante.

A despeito da possibilidade plena e permanente do exercício do direito de retirada de patrocínio, todas as obrigações assumidas até a correspondente decisão devem ser rigorosamente cumpridas pelo patrocinador, delas se excluindo apenas os valores das obrigações de natureza projetada não

271 E é financeiro justamente porquanto é alçada como possível a condição de antecipação do

pagamento de benefícios para o momento em que se dá a retirada do patrocínio, implicada pela liquidação do plano de benefícios, e, portanto, a extinção igualmente antecipada da obrigação contratada, levando-se em consideração, evidentemente, o caminho inverso da acumulação dos recursos, com a transformação, nesse processo, de premissas antes admissíveis para o caso de extinção natural da obrigação. Cf.: MESSINA, Roberto Eiras. Direito adquirido e direito acumulado em processos de retirada de patrocínio, fusão, cisão, incorporação e transferência de gestão de planos de benefícios da previdência complementar. In: AVENA, Lygia (Coord.). Fundamentos jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo: CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar, 2012, p.163.

272 CAZETTA, Luís Carlos. Previdência privada: o regime jurídico das entidades fechadas. Porto

atinentes ao cálculo dos benefícios (e das reservas) proporcionais, como ocorre, por exemplo, com as hipóteses de elevação de salários insertas nos cálculos atuariais.

Os cálculos efetuados pela entidade para individualizar o direito de cada participante devem trazer a valor presente o montante dos compromissos assumidos pelo plano em relação a cada participante273. Concluída a individualização dos direitos, será conhecida a base de cálculo prévia do benefício futuro que, potencial e proporcionalmente, será devido ao participante daquele plano de benefícios.

De acordo com o item 7 do Anexo relativo às Normas Reguladoras para a Saída de Patrocinadoras da Resolução MPAS/CPC n.º 06/88, o patrocinador e a entidade podem optar por: (i) manter os participantes assistidos e os pensionistas na entidade, sustentando o plano de benefícios sem patrocinador; (ii) transferir os participantes assistidos e os pensionistas para outra entidade fechada ou aberta; ou (iii) pagar o valor presente do benefício mensal quando não for possível a manutenção do benefício nas mesmas condições vigentes.

Se o patrocinador, de comum acordo com a entidade, optar pela transferência para entidade fechada ou aberta, ou pelo pagamento do valor presente do benefício, será assegurado ao assistido e/ou aos pensionistas permanecer na entidade fechada, desde que manifeste sua vontade no prazo de 90 (noventa) dias,

273

Vide item 2 do Anexo da Resolução MPAS/CPC n.º 6/88: “A entidade deverá encaminhar à Secretaria de Previdência Complementar a seguinte documentação: [...] h) Avaliação atuarial procedida pelo Atuário Responsável pela entidade, com as seguintes características: [...] reservas avaliadas individualmente, incluindo o benefício mínimo previsto. A reserva matemática referente aos Participantes da Patrocinadora que se retira deverá ser calculada sem considerar crescimento salarial e será igual ao valor presente do benefício das seguintes categorias: I - assistidos e pensionistas - os benefícios concedidos aos mesmos; II - ativos que já adquiriram o direito ao benefício ou ao valor de resgate dos valores que seriam pagos aos participantes ativos elegíveis na data da saída da Patrocinadora a um benefício pelo plano (resgates ou aposentadorias). [...] III - Ativos (riscos não expirados) - o benefício proporcional correspondente ao tempo de vinculação à entidade, sendo esta proporção determinada dividindo-se o tempo de vinculação do Participante na entidade pelo tempo de vinculação que teria na data da aposentadoria normal. Do benefício assim determinado deverá ser deduzido qualquer valor, relacionado ao participante, garantido pelos incisos I e II. A reserva calculada considerando o benefício deste inciso III deverá ser acrescida da reserva referente ao serviço passado. IV - Ativos (riscos não expirados) - o benefício correspondente à diferença entre o benefício proporcional correspondente ao tempo de serviço do Participante na data da saída da Patrocinadora (sendo a proporcionalidade determinada dividindo-se o tempo de serviço na data da saída da Patrocinadora pelo tempo de serviço que teria na data da Aposentadoria Normal) e os benefícios determinados nos incisos I, II e III. V - As despesas administrativas deverão ser levadas em consideração no cálculo atuarial sempre que for considerada necessária para o atendimento dos itens 7 e 8.”

a partir da data de comunicação aos participantes, e concorde com as condições de permanência no plano impostas pela entidade fechada de previdência privada.

No caso dos participantes ativos, de acordo com o item 8 do mesmo anexo da citada Resolução MPAS/CPC, o patrocinador, de comum acordo com a entidade, poderá: (i) manter os participantes ativos na entidade; (ii) transferir os participantes ativos para outra entidade fechada ou aberta; ou (iii) pagar à vista os fundos correspondentes, calculados individualmente.

Se o patrocinador e a entidade optarem por manter os participantes na entidade ou por transferi-los para outra entidade aberta ou fechada, o participante ativo, caso se desligue da entidade, a qualquer tempo, poderá optar por receber o valor presente das contribuições feitas por ele para o plano de benefícios, descontados os riscos decorridos, corrigido monetariamente até a data do efetivo pagamento, em conformidade com o previsto no regulamento do plano.

Ocorrendo o encerramento do plano, os recursos acumulados serão devolvidos aos participantes ou transferidos de entidade gestora, em outro plano de benefícios, com regras e premissas distintas do plano originário.

Como bem conclui Ricardo Pena Pinheiro274:

A migração dos planos de benefício definido para os planos de contribuição definida tem exigido o abandono do princípio previdenciário e solidário do financiamento, de forma a adotar o princípio puramente financeiro e individualista em que não se agrega fator de desconto atuarial ou fator de probabilidade de sobrevivência, quando se calcula o valor do encargo necessário para pagar a renda no futuro.

Não há regra expressa concernente ao destino dos recursos vertidos pelo patrocinador. Entretanto, de alguma forma, esses valores terão de ser revertidos em favor do grupo protegido.

274 PINHEIRO, Ricardo Pena. A demografia dos fundos de pensão. Brasília: Ministério da

De acordo com todo o exposto, destaca-se a previsão inserta no artigo 25 da Lei Complementar n.º 109/01, que trata da hipótese de retirada de patrocínio:

Artigo 25. O órgão regulador e fiscalizador poderá autorizar a extinção de plano de benefícios ou a retirada de patrocínio, ficando os patrocinadores e instituidores obrigados ao cumprimento da totalidade dos compromissos assumidos com a entidade relativamente aos direitos dos participantes, assistidos e obrigações legais, até a data da retirada ou extinção do plano.

Parágrafo único. Para atendimento do disposto no caput deste artigo, a situação de solvência econômico-financeira e atuarial da entidade deverá ser atestada por profissional devidamente habilitado, cujos relatórios serão encaminhados ao órgão regulador e fiscalizador.

Existindo a previsão legal no artigo supramencionado, ratifica o Código Civil vigente a possibilidade da retirada de patrocínio: “Artigo 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.”

Importante ressaltar que o processo de retirada de patrocínio somente poderá ser efetivado pelo patrocinador se houver autorização do órgão fiscalizador das entidades fechadas, qual seja, a PREVIC (Superintendência Nacional de Previdência Complementar).

Sobre o tema, conclui Roberto Eiras Messina275:

O direito adquirido e o direito acumulado não são empecilhos a que se descontinue tal relação jurídica. O que se faz necessário é apurar, dentro das premissas técnicas atuariais usualmente aceitas, a conversão desses direitos em grandezas financeiras que propiciem a aquilatação das obrigações e a correspondente quantificação dos recursos para o seu cumprimento, disponibilizando-se aos participantes ativos, assistidos e pensionistas o que cabe a cada qual.

275 MESSINA, Roberto Eiras. Direito adquirido e direito acumulado em processos de retirada de

patrocínio, fusão, cisão, incorporação e transferência de gestão de planos de benefícios da previdência complementar. In: AVENA, Lygia (Coord.). Fundamentos jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo: CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar, 2012, p.167-168.

Por todo o exposto, é possível concluir que as obrigações do patrocinador que se retira do plano de benefícios gerido por entidade fechada de previdência privada estendem-se até o momento da concretização da retirada, deixando ele de se responsabilizar pela sobrevida ou pelos infortúnios que possam acometer os participantes do plano após esse marco temporal.