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Características do investimento na indústria brasileira no final da década

ECONÔMICA, MUDANÇAS NO PADRÃO TECNOLÓGICO E OS PAÍSES PERIFÉRICOS

IV. BRASIL: DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA NA “ERA DA GLOBALIZAÇÃO”

IV.2. O sistema brasileiro de ciência e tecnologia

IV.3.2. Características do investimento na indústria brasileira no final da década

a) Investimento, IDE no Brasil das últimas décadas

Os anos de crise nas décadas de 80 e 90 são marcados pela queda acentuada na taxa de investimento da economia. Tendo chegado em seu nível mais baixo logo durante o Governo Collor, passa a crescer sistematicamente até o ano de 1997, quando volta a cair com persistência (Figura IV.3.1).

Por outra parte, a partir de 1996 o Brasil volta a receber investimentos diretos externos, fazendo crescer espantosamente sua participação tanto na FBCF como no PIB: a relação IDE/FBCF, que era de 1,2% em 1990, passa para 19,4% em 1999; e a relação IDE/PIB passa nesses anos a ser, respectivamente, 0,2% e 3,3% (Sarti e Laplane, 2000). Boa parte dos investimentos destina-se às privatizações (em 1997, 28% do IDE) e ao setor de serviços que, incluídos os serviços públicos privatizados,alcançam entre 1995, 1996 e 1997, respectivamente, 43,4%, 75,9% e 83,7%.

O IDE industrial, no mesmo período, é de 55%, 22,7% e 13,3% (Sarti e Laplane, 2000). O montante para o ano de 1995 inclui empresas industriais privatizadas. Assim, o investimento direto externo na área industrial não tem apresentado a pujança que uma primeira leitura dos números sugere. Essa pujança deve-se, sobretudo, às fusões e aquisições, que significam transferência do controle proprietário de residentes para não-residentes e não necessariamente “ampliação de capacidade produtiva”, e às privatizações, em particular no segmento de infra- estrutura (Quadro IV.1).

Gráfico IV.1.Evolução das taxas de investimento no Brasil (1980-2000)

Fonte: IPEADATA/a partir de dados trimestrais.

Quadro IV.1. Participação do Brasil no IDE da América do Sul, dos Países em desenvolvimento e do Mundo em % Brasil/América do Sul Brasil/Países em Desenvolvimento Brasil/Mundo 1980 58.6 3.4 15.7 1985 61.9 3.3 13.2 1990 57.8 2.1 10.8 1994 43.7 1.9 7.6 1995 59.6 5.5 11.0 1996 55.9 3.6 12.2 1997 54.0 3.7 12.1 1998 55.1 3.8 12.9

Fonte: IEDI (2000: 10) (com base em dados da UNCTAD).

13 15 17 19 21 23 25 27 29 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 %

Tais dados ensejam alguns comentários introdutórios antes que se passe a examinar especificamente os elementos trazidos pela pesquisa IPT/DEES. O presente trabalho tem com condutor a crítica permanente ao modelo neoliberal que tem sustentado a política econômica na última década. Essa política, como se viu na seção anterior, desdobra-se em vários campos. Um destes diz respeito ao investimento e a seu significado, de um lado, como “termômetro” dos acertos governamentais e da solidez dos “fundamentos” do país, e, de outro, como lastro de um novo ciclo de desenvolvimento. No primeiro sentido, uma vez estabilizada a economia e realizadas as reformas liberalizantes, acreditava-se que o novo ambiente econômico, sadio e competitivo, atrairia os novos investimentos, em particular os investimentos externos, cujo retorno importaria aprovação da “comunidade internacional” ao acerto e à consistência das medidas. Um técnico governamental chegou mesmo a anunciar, desabrido, em fins de 1996, que “a ‘década perdida’ [de 90] já era” (Urani, 1996)i, o que foi desmentido pela continuidade do comportamento “stop and go” com baixo crescimento que se seguiu até o ano de 2002 quando este trabalho se completou. O ex-presidente do Banco Central foi ainda mais direto: “o que explica o aumento do capital estrangeiro no Brasil é a estabilidade macroeconômica e a idéia de um programa de reformas modernizantes” (Franco, 2000, apud Comin, 2000). No segundo sentido, os novos investimentos trariam recursos financeiros, divisas, formas novas de produzir e tecnologias avançadas, um passo importante no sentido de tornar a economia brasileira competitiva e capaz de enfrentar os mercados mundializados. Em relação a esse ponto, dirigentes do BNDES assinalavam, em 1997, que “a abertura, seguida da estabilização e das privatizações [...] está levando [...] a uma revolução paradigmática” nas bases do capitalismo brasileiro, quando “a economia atinge um nível de atratividade suficiente para estimular a entrada de empresas internacionais que passam a ocupar espaço internalizando sua produção, o que leva à aceleração das mudanças e ao avanço na implantação do paradigma” (Goldenstein & Barros, 1997: 5).

Os dados acima sobre o volume de investimentos diretos aplicados na indústria não autorizam tanto otimismo; tampouco os resultados da Pesquisa IPT/DEES, como se poderá ver

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“A ‘década perdida’ já era. Graças às reformas estruturais e ao êxito das políticas de estabilização empreendidas nos últimos anos, a economia latino-americana cresceu, durante a primeira metade da década de 90, mais do que durante a de 80 como um todo, ao mesmo tempo em que reduzia substancialmente sua taxa média de inflação e registrava progressos no combate à pobreza.

mais adiante. É preciso lembrar também que as EMNs têm suas estratégias próprias, tomadas em escala mundial, em que preservam sua estrutura ordenada na sua distribuição entre países. Sua heterogeneidade e hierarquia obedecem a interesses que têm sede. Finanças e tecnologia fazem parte desse quadro, da mesma forma que as relações comerciais internas (um terço do comércio mundial e crescendo) e sua divisão de trabalho mundial. Procurou-se mostrar anteriormente como são incertos os resultados nessas áreas para os países “hospedeiros” situados nas escalas inferiores da globalização. No mundo das finanças globalizadas e submetidas a uma hierarquia das moedas (Carneiro, 1999), a instabilidade nos países periféricos é ainda maior. O investimento direto, ademais, outrora sinal de compromisso duradouro com o país e, portanto, de reduzida volatilidade, perde parte dessas características com sua progressiva “securitização” (Chesnais & Sauviat, 2000).

O que se tem argumentado ao longo deste trabalho é que a fuga do modelo liberal no passado permitiu que parte da periferia capitalista, em geral, e o Brasil, em particular, se industrializasse e que a reversão do quadro sob a égide do novo liberalismo a re-submeteu, reproduzindo uma “modernidade do passado”. Mais, que aquele passo foi possível pelo ganho de autonomia nas políticas nacionais que permitiram a contraposição, embora limitada, a interesses do centro capitalista e à afirmação dos interesses de sua periferia. Na América Latina e no Brasil, em particular, a trajetória de crescimento não foi mantida e seu grau de autonomia foi reduzido, o que não ocorreu com países do Sudeste Asiático, cuja trajetória anterior havia gerado condições autônomas mais sólidas. Dessa forma, num sistema hierarquizado de nações e empresas, e de heterogenias generalizadas e crescentes – de países, mercados e pessoas – nenhum país periférico

per se constrói “fundamentos” sólidos para o crescimento econômico apenas por controlar a

inflação e liberalizar mercados e menos ainda em níveis capazes de uma aproximação (catching

up) com os níveis de desenvolvimento e padrões de vida dos países avançados. Ainda que se

prossiga nos caminhos do “Consenso de Washington”.

b) Padrões de investimento industrial apurados na pesquisa IPT/DEES

Feita essa breve discussão, é tempo de analisar alguns resultados da pesquisa IPT/DEES. Adverte-se, contudo, que não se tem a intenção de “provar”, com os dados e informações coletados na pesquisa, as idéias que vêm sendo apresentadas ao longo do trabalho. Tampouco esses dados e informações geraram, a partir de sua análise, os pontos de vista do autor, que

resultam, antes, de uma visão de conjunto da história econômica brasileira no período da industrialização, amadurecida ao longo de muitos anos. Ao contrário, são pontos de vista que vieram a influir parcialmente na proposição de algumas das questões colocadas à pesquisa. Feita essa ressalva, é preciso registrar que seus resultados mostram estreita coerência com as idéias que vêm sendo apresentadas. Espera-se que isso fique claro à medida que se avance na análise nesta seçãoi.

Objetivos do investimento

A primeira observação refere-se ao investimento, suas determinações e suas conseqüências. A pesquisa IPT/DEES pôde perscrutar algumas dessas questões com um núcleo de empresas que, em seu conjunto, apresentaram projetos de investimento industrial (no total de 46, em vários estágios de execução, desde a existência apenas do projeto até aqueles já concluídos e em operação) no valor de U$ 8 bilhões, o que representa algo como 8,5% da FBCF em 1998ii.

Chama a atenção, em primeiro lugar, que boa parte dos investimentos não dizem respeito apenas à expansão da produção ou de investimentos novos, a que a mídia e a academia globalizadas costumam denominar de greenfield investment. Apenas 35% dos projetos de investimento são em plantas novas. Surpreende que o valor médio destes não seja bastante diferente daqueles encontrados para os investimentos realizados em plantas já existentes, respectivamente, US$ 136 mil e US$ 104 mil (Quadro anexo A.IV.8)iii. De fato, a presença de muitos investimentos em reestruturação e em introdução de novos produtos como objetivos, principais ou secundários, ao lado do investimento “clássico” em expansão da produção (em plantas novas ou não) explica em parte esses valores. Ademais, o valor médio dos investimentos, quando estão envolvidas seja a reestruturação, seja a introdução de novos produtos, é superior àqueles envolvidos na expansão da capacidade produtiva.

Discriminados os investimentos entre capital nacional, estrangeiro e joint venture internacionalizada, não foram apontadas diferenças significativas, o que é um resultado

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Lembrando sempre que os objetivos da pesquisa não se restringiam às questões tratadas neste trabalho.

ii

Trata-se apenas de um valor referencial. Entre os projetos de investimento investigados há aqueles que levaram mais de um ano para serem executados e aqueles realizados em anos diferentes do ano da pesquisa: 1999.

iii

As porcentagens apresentadas se referem sempre ao subconjunto das respostas obtidas à questão específica, uma vez que nos questionários respondidos as empresas nem sempre responderam a todas as questões.

interessante e, talvez, surpreendente e se repetirá muitas vezes a respeito de outros quesitos. Por outra parte, não há investimentos apenas em reestruturação. Esses ocorrem em combinação sempre com a introdução de novos produtos e/ou a expansão da produção. Ou seja, as empresas não investem apenas na racionalização e redução de custos de produção, uma vez que estão quase sempre associados ao crescimento de mercado e/ou à atualização de produtos. Aqui ocorre a única diferença significativa por origem de capital. As joint ventures internacionalizadas não combinam expansão com novos produtos ou reestruturação, mas combinam em larga proporção novos produtos com reestruturação.

Relações externa no investimento industrial: origem do capital e importações

O capital externo não está, neste caso – ou seja, nos investimentos industriais nos anos finais da década de 90 –, trazendo algo substantivamente novo em relação ao capital nacional. Ambos, como se verá mais abaixo, trazem aportes semelhantes quanto a vínculos tecnológicos e aos encadeamentos inter-setoriais. No padrão das importações para a realização dos investimentos, não são, também, observados perfis diferenciados. Na compra de equipamentos, principal item de gastos com os equipamentos, as empresas estrangeiras (EE) buscam fora 56% do valor destes. Já as empresas nacionais (EN) o fazem na proporção de 58%. As joint ventures mais uma vez se distinguem. As com predomínio de capital externo (JVe) importam mais (62%), enquanto as com predomínio de capital nacional (JVn) importam bem menos (26%). Proporções menos próximas entre EN e EE ocorrem na importação de softwares e de serviços científicos e tecnológicos para os investimentos: softwares, EE, 54% e EN, 33%; e serviços científicos e tecnológicos, 22% e 35%, respectivamente. Como se vê, alternam-se as tendências num e noutro caso. Acrescente-se que as JVe nos dois casos apresentam elevados nível de importações (91% e 77%).

O que se pode concluir disso? Em primeiro lugar, há forte “propensão a importar”, associada aos novos investimentos industriais, propensão essa bem mais elevada nos bens tangíveis que nos intangíveis. Além disso, os valores dos investimentos materiais – equipamentos e instalações – são esmagadoramente dominantes, embora a pesquisa tenha apenas hierarquizado a importância de cada item, não tendo acesso aos valores de cada item (Quadro anexo A.IV.2). Apenas para uma em cada cinco empresas pesquisadas esse tipo de investimento não se constitui em um de seus itens principais; e em apenas 5% delas, um desses itens não é o mais importante. A pesquisa, nesse sentido, corrobora observações já realizadas em vários trabalhos a partir das

estatísticas de comércio exterior e/ou de dados industriais agregados (Laplane & Sarti, 1999; Bielschowsky, 1998; e IEDI, 2000) e de pesquisa junto às indústrias (Bielschowsky, 1999). Desse modo, no tipo de investimento industrial realizado no Brasil, ainda parecem ser os bens de capital os veículos condutores do desenvolvimento tecnológico. Essa constatação é coerente com a observação de que tais investimentos geram, sobretudo, capacidade para produzir, mas não se traduzem em maior capacidade para inovar. Adiante esse tema será retomado.

Em segundo lugar, os investimentos das empresas estrangeiras não parecem trazer um aporte tecnológico muito diferenciado das empresas nacionais. Entre as EEs, 85% acreditam que, após a realização dos investimentos, estarão em posição superior no mercado interno em relação a seus concorrentes; entre as ENs, 70%. Entre as EEs, 25% crêem que estarão em nível superior no mercado externo; entre as ENs, 21%. As JVs têm padrão de respostas semelhantes, 83% acreditam que estarão em vantagem tecnológica no mercado interno, mas nenhuma crê que o mesmo ocorra no mercado externo (nenhuma empresa crê que estará tecnologicamente superior nesse mercado). Na verdade, o recurso ao capital estrangeiro não parece provocar diferenças substanciais – para este grupo de empresas e do ponto de vista tecnológico –, em relação às indústrias nacionais, ao contrário do que se poderia chamar de senso comum. Tal semelhança entre os dois grupos de empresas está presente em quase todos os quesitos sobre tecnologia e organização da produção, mostrando sua consistência. Há uma advertência a ser feita, contudo. A metodologia empregada na pesquisa para a definição da amostra e, sobretudo, o recorte provável,

grosso modo, entre empresas que responderam ao questionário e empresas que não responderam

fazem com que se creia ter havido uma tendência ao privilegiamento nas últimas das empresas mais bem organizadas, maiores em tamanho e mais abertas à questão tecnológicai. Esse viés é mais observado entre as indústrias nacionais, uma vez que a proporção entre EE e EN no cadastro era de 0,8, enquanto nas respostas obtidas passa a 1,3. Da mesma forma, enquanto as joint

ventures correspondem a apenas 4% no cadastro SCTDE, na pesquisa passam para 18%.

Dados recentes sobre inovação na indústria paulista, revelados pela Pesquisa de Atividade Econômica Paulista (Paep) realizada pela Fundação Seade no ano de 1996, mostram que, , ao

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Diante das dificuldades do próprio cadastro, onde não consta o tamanho da empresa, em qualquer de suas possíveis medidas – número de empregados, valor do capital imobilizado, faturamento – , o critério do valor do investimento foi decisivo. Questionários foram enviados para um conjunto de 370 projetos, entre 751 cadastrados a partir de um valor mínimo de U$ 5 milhões. Esses 370 projetos de investimento representavam no cadastro 94% do valor previsto dos investimento do total de 751 (Muniz, 2000: cap. IV.1.2; IPT, 1999: cap. 2.3).

contrário existe uma clivagem entre as EEs e as ENs. Ao analisar os dados dessa pesquisa, Quadros et al. afirmam que “as empresas controladas integral ou parcialmente por capitais estrangeiros têm maior propensão a inovar do que aquelas controladas integralmente por capital nacional” (Quadros et al., 1999: 57). Atribuem essa condição à maior facilidade de acesso às “diversas modalidades de tecnologia e conhecimento”. Desenvolvidas nos países centrais, são, então, adaptadas ao ambiente de sua filial no Brasili. Isso tanto em termos do aproveitamento de insumos locais, que apresentam, por vezes, particularidades, como quanto às características específicas do mercado. A pesquisa IPT/DEES, numa de suas entrevistas, depara-se com um exemplo interessante desse mecanismo. Em uma das empresas – de capital externo e de largo porte – que fabricam localmente produtos na área de telecomunicações (com o uso, inclusive, de incentivos fiscais), parte das inovações introduzidas diz respeito a uma de-sofisticação do produto para atender o mercado brasileiro. Ou seja, pratica-se desenvolvimento de produto, em escala considerável para os padrões nacionais, visando a despi-lo de “modernidades” excessivas, “tropicalizando-o”.

A despeito da aparente contradição em seus resultados, as duas pesquisas confluem nas suas conclusões. O universo amostral da pesquisa IPT/DEES privilegia as empresas que tendem a apresentar maior perfil inovador, inclusive, embora não exclusivamente, por serem empresas de maior porte. Nesse subuniverso, não apresentam diferenças mais significativas. Uma vez que as empresas transnacionais dedicam-se a reproduzir métodos de produção e a “inovar” no país, apenas nas escalas inferiores do gradiente de complexidade das atividades tecnológicas, igualam- se ao padrão das maiores e mais organizadas empresas nacionais.

Para esse caso, é necessária uma explicação. Três empresas, que se haviam declarado nacionais quando de seu registro em cadastro, tornaram-se joint ventures, refletindo o forte movimento de fusões (e aquisições) ocorrido no período de alguns anos, dos quais tratam as informações obtidas (entre 1996 e 1999).

Fusões e aquisições não fizeram parte dos quesitos do questionárioii. Entretanto, em 3 empresas (de 18) haviam ocorrido fusões e aquisições recentes – uma no setor de autopeças, uma

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“Tropicalizadas” no dizer de R. Boyer. Citado em Quadros (1999: 58).

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Duas empresas comunicaram à equipe da pesquisa que os projetos haviam sido suspensos por processo de fusão e venda da empresa e assim não responderiam ao questionário.

em instrumentação e uma em eletrodoméstico –, todas adquiridas por capital externo. Essa é uma questão fundamental, na medida em que os processos de F&A têm estado à frente dos processos de investimento, tanto internos aos países, como, principalmente, transfronteiras (Capítulo III, seções 2 e 3) nas últimas décadas. Trata-se de um processo que não apenas acelera o de centralização do capital, mas, em sua forma atual, é responsável por novas formas de empreendimento visando à inovação tecnológica e à disputa concorrencial123, ao lado da formação de empresas-rede (Muniz, 2000: cap. 2.1.3).

No Brasil, as F&As têm sido dominadas pela transferência maciça de ativos nacionais para o capital externo, embora sejam numerosos e importantes esses processos entre capitais nacionais. A Figura IV.3.2 indica a importância das F&As recentemente no Brasil, aproximando- o no decorrer da segunda metade da década de 90 dos valores do mundo desenvolvido.

Porém, ao contrário dos países desenvolvidos, em que investimentos cruzados – entradas e saídas de capital – apresentam mais equilíbrio, no Brasil trata-se apenas de desnacionalização; são capitais externos adquirindo ativos de proprietários nacionais. Assim, as F&As passam a responder pela maior parte do incremento observado no IDE, que, no entanto, apesar de todas as loas entoadas, permanece aproximadamente nos patamares do período pré-crise. O Brasil, em 1971 e em 1980, acolheu quase 4% do IDE mundial; em 1990, menos que 1%; e, finalmente, em 1998, sobe para pouco mais de 4% (IEDI, 2000: 16). Na verdade, apesar de toda a retórica a favor da liberalização dos capitais, o Brasil sempre foi um país aberto em relação ao capital estrangeiro. O estoque de IDE com relação ao PIB já em 1980 era superior à média mundial, à média dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. No Brasil, essa relação era de 7,4%, enquanto para os dois grupos de países era, respectivamente, 4,8% e 5,9%. Em 1997, no Brasil, chegou a 15,9%; nos países desenvolvidos, a 10,5%; e nos países em desenvolvimento, a 16,6% (com o desequilíbrio provocado pela entrada da China)i (IEDI, 2000: 21).

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Os valores do IDE/PIB em 1980 e 1997 são os seguintes: Estados Unidos, 3,1% e 8,4%; Japão, 0,3% e 0,6%; Alemanha, 4,5% e 9,9%.

Figura IV.2. Fusões e Aquisições sobre Investimento Direto Externo (em %)

Fonte: IEDI, 2000: 10 (com base em dados da UNCTAD).

Mas não é apenas quanto ao equilíbrio entre saídas e entradas de capitais para F&A que se diferenciam os padrões do Brasil e dos países centrais. A pesquisa IPT/DEES mostra que as F&As na indústria não se realizam visando a adquirir presença em novos mercados e, tampouco, a adquirir vantagens comparativas dinâmicas para competir no mercado internacional. Em outros termos, não buscam gerar capacidade para inovar, o que motiva nos países desenvolvidos muitas das F&As transnacionais. Visam, antes, à aquisição de melhor condição competitiva no mercado interno, incorporando tecnologias não desenvolvidas na unidade. Esse ponto será discutido adiante.

Distribuição setorial

A amostra de empresas que respondeu à pesquisa foi diversificada setorialmente. Entretanto, em termos do valor dos investimentos declarados, foi fortemente concentrada em apenas dois setores: indústria automobilística (41%) e indústria química (24%). Em seguida, comparecem: metalurgia básica (11%), que inclui siderurgia, e petroquímica (6%). Por categoria de uso, o elemento mais significativo é que nenhuma indústria produtora de bens de capital

27 17 4 9 61 30 24 5 14 73 55 31 14 24 70 74 23 15 28 79 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Brasil América Latina

menos Brasil Ásia Países em Desenvolvimento Países Desenvolvidos % 1995 1996 1997 1998

aparece na amostra que se divide quase igualmente entre bens duráveis (27% das empresas e 47% do investimento) e intermediários (respectivamente 46% e 41%) (Quadro anexo A.IV.3). Na análise dos resultados da pesquisa, ficam claros os limites analíticos do esquema taxonômico setorial proposto por Bell e Pavitt (1993) para a realidade dos países periféricos em que as empresas multinacionais definem outras estratégias e parâmetros de comportamento. A rigor, as empresas da amostra seriam classificadas em apenas dois dos grupos apontados por aqueles autores, com a exceção mais uma vez de uma empresa: a Embraer. Os grupos são: dominados por