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Celso Furtado: padrões de consumo, tecnologia e dependência

II. PROGRESSO TÉCNICO NA PERIFERIA CAPITALISTA: DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA NA INDUSTRIALIZAÇÃO

II.2 Tecnologia e dependência na América Latina

II.2.3 Celso Furtado: padrões de consumo, tecnologia e dependência

Celso Furtado dedicou a maior parte de sua vasta produção intelectual ao tema do desenvolvimento econômico. Como tal, acompanhou a evolução da América Latina e do Brasil e navegou a maior parte do tempo contra as correntes “oficiais” e representa o que há de mais pujante do pensamento econômico brasileiro crítico rivalizando apenas com R. Prebisch em termos de sua importância na América Latina, ao longo de toda a segunda metade do século XX. Seus mais de cinqüenta anos de história intelectual são assinalados por notável coerência, sem prejuízo de que tenha acompanhado intelectualmente a evolução do país e do mundo e adequado suas idéias a essa evolução. Entretanto, viu desmancharem-se muitas de suas esperanças iniciaisi. Sua coerência, mantida ao longo desse tempo de tantas transformações, manifesta-se em vários recortes: a especificidade da situação de “subdesenvolvimento”; o atraso da periferia como fato produzido e reproduzido em sua relação com o centro e sua conseqüente dependência; a nação como unidade para o desenvolvimento; a visão histórico-estrutural da análise econômica; a heterogeneidade econômica, tecnológica e social; a crítica ao liberalismo e a importância do planejamento estatal.

No que se refere ao progresso técnico, entretanto, seu pensamento mostrou mudanças significativas ao longo dos anos, embora sem se afastar seja da identidade inicial com os elementos mais gerais de suas concepções, seja do eixo condutor com que sempre tratou a questão. Esse eixo condutor é a inadequação, na periferia, do padrão técnico gerado nos países centrais e para cá transplantado. Essa inadequação sustenta e aprofunda a segmentação social, historicamente constituída desde o início da formação social periférica. Dessa forma, o processo de industrialização latino-americano, longe de romper com a marcada heterogeneidade

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Seus três livros autobiográficos têm como uma espécie de subtítulo (na verdade, constituem os artigos centrais do livro), a partir da cronologia de sua vida de combatente, a fantasia organizada, a fantasia desfeita, entre o inconformismo e o reformismo. Cada subtítulo simboliza sua postura diante de sua coerência de pensamento e atitudes e as mudanças do mundo à sua volta (Furtado, 1997, Tomos I, II e III.

econômica e social do período de “crescimento para fora”, a teria acentuado ainda mais. Em texto recente, C. Furtado resume essa perspectiva:

Na medida em que os padrões de consumo da minoria que se apropria do excedente devem acompanhar o estilo de vida dos países que lideram o progresso tecnológico [grifo nosso] (e que se instalaram em elevado nível de capitalização), qualquer tentativa visando a “adaptar” a tecnologia será repudiada. Quando se tem em conta que a situação de dependência está sendo permanentemente reforçada, mediante a introdução de novos produtos (cuja produção requer o uso de técnicas cada vez mais sofisticadas e dotações crescentes de capital), é evidente que o avanço da industrialização dá-se de forma simultânea à concentração de renda. Daí que o crescimento econômico tenda a depender mais e mais da capacidade das classes que se apropriam do excedente para forçar a maioria da população a aceitar crescentes desigualdades sociais. (Furtado, 1997: 18). Assim, como para R. Prebisch, a tecnologia reflete, em primeiro lugar, uma condição social e produtiva alheia à situação periférica e própria, sim, dos países centrais. Nos quadro social destes últimos, mais homogêneo e integrado, há uma dinâmica virtuosa, em que salários, progresso técnico e produtividade se auto-alimentam, em acordo, portanto, ao seu “sistema de forças produtivas”25. A periferia, por sua vez, importa um padrão tecnológico gerado tendo em vista uma realidade distinta da América Latina. Na região, sua introdução se verificava em desconexão com o estágio de suas forças produtivas, resultando inadequada, uma vez que ampliava notavelmente o “desequilíbrio ao nível de fatores”.

Em segundo lugar, a heterogeneidade econômica, social e tecnológica, característica da situação de subdesenvolvimento, absorve a tecnologia importada de modo não somente a preservá-la, mas a acentuá-la ainda mais em razão exatamente da “inadequação tecnológica” dos processos incorporados às atividades produtivas. Essa “disfunção” da tecnologia, que C. Furtado sempre enxergou na realidade periférica, adquire, entretanto, ao longo de sua obra, distintos contornos, tanto na ênfase que estabelece a alguns aspectos, como à sua natureza explicativa. Uma vez que nesta seção interessa demarcar algumas posições estabelecidas no período anterior a 1980i, iremos nos concentrar no pensamento de C. Furtado até então.

Na década de 50, C. Furtado apresentava uma visão em que os aspectos técnicos e analíticos se sobressaiam diante da argumentação política e social que, mais tarde, iria

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Acreditamos que esta data assinala simbolicamente uma transição acentuada na realidade econômica – e também social, política e, ainda mais, ideológica – como procuraremos deixar claro no capítulo 3. Mas, apenas para situar, ocorre a inflexão no sistema financeiro internacional provocada pela política do “dólar forte” de Greenspan e inicia-se o longo processo caracterizado pela revolução tecnológica da informática, e, no Brasil, o modelo de desenvolvimento brasileiro se esvai numa crise que perdura até os dias de hoje.

predominar em seus textos. Ele já observava que a heterogeneidade tecnológica caracterizava o subdesenvolvimento, mas pensava a heterogeneidade sobretudo como uma “coexistência de funções de produção”i distintas. Afirmava, também, que a especificidade do subdesenvolvimento estava na não-correspondência entre a combinação de fatores de produção requerida pela tecnologia empregada na indústria e a sua disponibilidade no mundo periférico. Os conceitos e a linguagem não se distanciavam daqueles utilizados pela economia mainstream26, mas o

significado de suas proposições sim.

A partir desse diagnóstico da situação do subdesenvolvimento, C. Furtado apontava que o caminho do desenvolvimento requeria a absorção das técnicas modernas, mas esse processo encontrava limites de duas ordens: na distribuição de renda interna e nas questões do balanço de pagamentos. Por uma parte, a introdução do progresso técnico na produção era marcada pelo aumento considerável do “coeficiente de capital por trabalhador” , o que provocava a não absorção de parte da população liberada do campo para as cidades. Em conseqüência, a estrutura dual residia sob uma nova forma: a de um mercado dividido entre o atendimento ao consumo de altas rendas e o de baixas rendas.

No campo externo, os saltos produtivos e técnicos do desenvolvimento industrial periférico ampliavam subitamente a demanda por insumos e equipamentos importados, pressionando as contas externas. Como afirmava C. Furtado, “constitui característica geral das economias subdesenvolvidas um grau elevado de dependência do processo de formação de capital, com respeito ao intercâmbio externo”. A tecnologia era, assim, inteiramente exógena ao funcionamento do sistema econômico nacional27.

C. Furtado via, então, não somente limites à continuidade do processo “espontâneo” de substituição de importações como também sua perversidade, ao manter uma estrutura dual, seja pela ótica da estrutura dual dos padrões de consumo entre faixas de renda da população, seja pela tecnologia. Harmonizada com a dependência e a dualidade, a tecnologia importada se mostrava inadequada para a realidade periférica.

Em sua argumentação, ele já se distanciava de qualquer idéia idílica a respeito do progresso técnico, mesmo nos países centrais. Afirmava, então, que o processo caminhava

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Cf. Furtado (1968: 162). Boa parte desse livro, prefaciado em 1966, foi elaborado ao longo da década de 50 e publicado em 1961. Cf. Furtado (1961).

contraditoriamente, mas ditado por um particular arranjo social. Insistia também no caráter “sistêmico” do processo de desenvolvimento e de progresso técnico, já manifesto em sua referência a G. F. List. Anotava também, que “todo processo de desenvolvimento [...] deverá ser, em certa medida, não-equilibrado, mesmo quando se realize no quadro de um planejamento global. Não seria possível prever todas as economias e deseconomias externas que a penetração do progresso técnico em um setor cria em outros setores ou em outras empresas do mesmo setor” (Furtado, 1968: 203).

No trecho acima poder-se-ia enxergar a influência de J. Schumpeter e sua idéia do avanço tecnológico como essencialmente desequilibrador, que destrói à medida que cria. Entretanto, não é assim que C. Furtado pensava. Ele chamava a atenção para que em Schumpeter, sua teoria da acumulação de capital é sobretudo uma “teoria do lucro” empresarial. Com isso queria dizer que o foco de J. Schumpeter era o processo de acumulação de capital realizado pelo empresário capitalista (o “empresário schumpeteriano”) que, argumentava, seria um “agente ligado ao processo produtivo” e a ele dedicado integralmente. Ora, C. Furtado aponta que o processo de acumulação de capital envolve não somente o ato original da inovação primeira, mas sobretudo seu processo de difusão pelo aparelho produtivo, ao qual atribuía maior importância no contexto latinoamericano. Ademais, esse ato original praticado pelo empresário inovador realiza-se num ambiente de convergências que oferecem as condições gerais, próprias e propícias à realização desse ato. Ao argumentar a respeito desse ponto, C. Furtado parece antecipar um conceito estabelecida décadas depois, o conceito de “sistema nacional de inovação”i. Ademais, a difusão admite aperfeiçoamentos, eventualmente resultantes de atividades técnicas que não exigem acumulação de capital:

De modo geral, as novas técnicas pressupõem já acumulação [...]. Todos sabemos, porém, e já o sabia Ricardo, que a introdução de uma nova máquina numa economia não é um puro ato de inovação, pois exige a convergência de determinadas condições que justifiquem economicamente [... Ademais,] os aperfeiçoamentos [...] não surgem ex nihilo. Pressupõem inversões em pessoal especializado, laboratórios de pesquisas equipados com material de elevado custo, etc. Têm um custo social que nem sempre se traduz com exatidão em seu preço de mercado, pois o avanço da ciência e da tecnologia é financiado pelo conjunto da coletividade em universidades ou outras instituições públicas (Furtado, 1968: 49/50).

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Percebia C. Furtado que, mesmo nos países da periferia em que o processo de industrialização havia evoluído e se aprofundado, continuavam a prevalecer mecanismos que reproduziam as características básicas do subdesenvolvimento: heterogeneidade e dependência. Não somente haveria, então, que se introduzirem políticas nacionais que alterassem essas tendências, mas também haver uma “tomada de consciência” internacional para contra-restar as forças que tendiam à polarização mundial entre centro e periferia. Dentre as medidas propostas, enfatizou o “desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica nos países subdesenvolvidos”, como forma de desobstruir os canais de transmissão do progresso técnico, ocorrido no centro desenvolvido, para o mundo atrasado em razão da incapacidade deste em posicionar “competitivamente” seus produtos no mercado mundial28.

Em meados da década de 60, começava a ficar claro que a fase de desenvolvimento baseado na “substituição fácil de importações”29, seguido até então por boa parte dos países latino-americanos, estava em crise. A idéia de estagnação econômica transformou-se em voz corrente no pensamento econômico crítico, e C. Furtado foi seu porta-voz mais ativo. Seu livro “Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina”i, escrito em 1965, reafirma a tese de que o progresso técnico operou no sentido de agravar os desequilíbrios econômicos e sociais característicos do subdesenvolvimento. Os argumentos se desdobram, em verdade, daqueles já antes apresentados: dependência e heterogeneidade. Com mais ênfase ainda, ele apontava a exogeneidade da tecnologia introduzida na produção como um fator fundamental na reprodução da dependência externa. Segundo ele, “a própria penetração da técnica engendra a instabilidade social e agrava os antagonismos naturais de uma sociedade estratificada em classes” (Furtado, 1968: 13). O único caminho aberto seria o da ação pública que contivesse a ação predatória das forças “naturais” do mercado, ação que deveria ser profunda e ampla.

A penetração das empresas multinacionais nos processos de industrialização da periferia faria C. Furtado refletir sobre seu significado. A princípio, apontou para os efeitos predatórios que grandes empresas poderiam causar em estruturas economicamente mais frágeis, tal o peso de seu poder, inclusive pelo reforço às tendências excludentes já mencionadas acima e que a tecnologia de origem externa impunha30. Mas foi além, vendo naquelas empresas uma verdadeira ameaça à nação:

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Cabendo-lhes grande parte das decisões básicas com respeito à orientação dos investimentos, à localização das atividades econômicas, à orientação da tecnologia, ao financiamento da pesquisa e ao grau de integração das economias nacionais, é perfeitamente claro que os centros de decisão representados pelos atuais estados nacionais passarão a plano cada vez mais secundário. (Furtado, 1968: 44).

A penetração das empresas multinacionais, segundo ele, seria a forma de os Estados Unidos, no clima de guerra fria da época, assegurarem a manutenção dos países da América Latina na sua órbita de influência. Havia, portanto, no entendimento de C. Furtado, também motivações político-diplomáticas a comandar a expansão multinacional das empresas.

Argumentava-se nos Estados Unidos que a difusão dessas empresas pela periferia garantiria uma solidariedade de interesses e promoveria o desenvolvimento, a que responde C. Furtado que, ao contrário, o resultado seria a estagnação, uma vez que os mecanismos excludentes internos e a dependência externa se acentuariam. A resposta que propunha era o reforço da idéia de nacionalidade que, de um lado, pressupunha a mobilização popular e, de outro, a existência de órgãos políticos e institucionais capazes de empreender as “tarefas do desenvolvimento”.

Ademais, a inexistência de mudanças fundamentais na estrutura social e o agravamento do dualismo no mercado de trabalho ampliavam o hiato entre os setores atrasado e moderno da economia, conduzindo o processo de industrialização à exaustão, à sobrecapacidade, à elevação dos custos unitários de produção e à queda no investimento. A estagnação se seguiria como corolário, assim, se mantido o status quo de predomínio das forças livres do mercado, a que C. Furtado se referia como um “processo espontâneo” ou laissez-faire.

Como a história mostrou, no entanto, a estagnação não se consumou. Ao contrário, à crise econômica na virada dos anos 60 sucedeu-se um período de intenso crescimento, particularmente no Brasil e, portanto, não se confirmaram as previsões estagnacionistas de C. Furtadoi. Posteriormente, observado o dinamismo do capitalismo periférico, o autor se aprofundou no exame das empresas multinacionais e manteve suas críticas, dirigidas agora ao caráter perverso do estilo de desenvolvimento que resulta e, o que nos interessa mais de perto, do estilo de progresso técnico criado pela dependência dos países periféricos ao comando das multinacionais.

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Essa constatação serviu de fundamento a uma crítica às idéias estagnacionistas, em particular a de C. Furtado, de M. C. Tavares e de J. Serra em trabalho escrito em 1971.Cf. Tavares e Serra (1977).

C. Furtado passou então a se perguntar sobre a perversidade não somente do estilo de crescimento econômico excludente, que reforçava os laços de dependência, mas da própria direção do progresso técnico e de seus limites quanto à sua expansão pelo mundo. O trabalho do Clube de Romai lhe serve de guia para a crítica do “estilo” de progresso técnico. Descobre o “caráter predatório do processo de civilização”, leia-se com isso, do processo capitalista engendrado a partir da Revolução Industrial. Sua universalização seria impossível diante da exaustão dos recursos não-renováveis. Não interessa aqui discutir a validade das proposições do “crescimento zero” que surgiram dos trabalhos do Clube de Roma, com todo seu catastrofismo, conscientização da questão ambiental e recado político duvidoso. Importa, no contexto do que se discute nesse trabalho, ver que conseqüências C. Furtado extrai para o desenvolvimento periférico. Suas conclusões antecipam em larga medida as afirmações de G. Arrighi (1997), e sua “ilusão do desenvolvimento” no que chamou de “semiperiferia”ii, seria nada mais que um mito as possibilidades

A conclusão geral que surge dessas considerações é que a hipótese de generalização, no conjunto do sistema capitalista, das formas de consumo que prevalecem atualmente nos países cêntricos, não tem cabimento dentro das possibilidades evolutivas aparentes desse sistema [...].Temos assim a prova definitiva de que o desenvolvimento econômico – a idéia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos – é simplesmente irrealizável. Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas [grifo do autor], no sentido de similar às economias que formam o atual centro do sistema capitalista [...].Cabe, portanto, afirmar que a idéia de desenvolvimento econômico é um simples mito. (Furtado, 1974: 75).

Em suma, o crescimento econômico da América Latina (“além da estagnação”), ademais de perverso, concentrador de renda é intrinsecamente restritivo. Não é possível reproduzir os padrões de consumo dos países centrais a não ser de forma limitada e concentradora, de modo “miniaturizado”, como chega a dizer, até mesmo por restrições físicas de acesso às matérias- primas de caráter não renovável. Esse caminho do o crescimento econômico harmonizava-se com as restrições impostas à vontade nacional, onde as classes dirigentes se impregnavam tanto de um padrão de consumo quanto de “uma cultura cujo elemento motor é o progresso técnico” (Furtado, 1984: 80).

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O relatório da chamada Fase Um está publicado em Meadows et alli (1978).

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Essa argumentação parece aproximá-lo das idéias de K. Marx que, como se viu, crê na inexorabilidade do progresso técnico como motor da acumulação capitalista e lei intrínseca a esse modo de produção. Entretanto, não é assim que C. Furtado pensa. A determinação para ele seria outra e estaria, por assim dizer, “invertida”, uma vez que não é na essência do funcionamento econômico que se exige desenvolvimento tecnológico, mas na dependência cultural que se encontra o elemento indutor do sistema produtivo periférico a buscar o progresso técnico. Trata- se de uma cópia que “mimetiza”, em “miniatura”, a vida dos países centrais. Essa seria a fonte da chamada “modernização”, um processo em que se adotam formas de consumo deslocadas das condições de produção locais. Essa modernização, sendo basicamente uma “cesta de consumo”, determina, de certo modo, os métodos de produção a serem adotados31. A introdução de novos produtos e, portanto, o impulso à “pesquisa e desenvolvimento”, obedece a essa vontade desfocada dos problemas reais da sociedade subdesenvolvida.

C. Furtado assume, assim, uma visão bastante crítica do processo de desenvolvimento tecnológico tal como se apresenta aos países da periferia e que vai além da sua argumentação inicial em que se gerava apenas excludência e heterogeneidade. A difusão do progresso técnico não tendeu a reduzir o subdesenvolvimento, mas, ao contrário, a acentuá-lo.

Ao tratar das empresas multinacionais C. Furtado problematiza outros temas bastante atuais. O primeiro deles tem a ver com as práticas oligopolistas. Na sua prática concorrencial, a grande empresa introduz formas de coordenação de decisões que lhe dão mobilidade, poder financeiro, capacidade inovativa, diversificação produtiva e uma enorme capacidade financeira. A expansão multinacional segue no rastro da nova capacidade e flexibilidade financeira, facilitando sua mobilidade setorial e geográfica. Esse agigantamento de seu “poder de decisão”

vis-à-vis o dos países leva à perda de capacidade dos Estados nacionais no estabelecimento de

políticas próprias32 e, portanto, à perda das alternativas para um projeto nacional. O segundo diz respeito ao impulso à inovação que caracteriza a ação das grandes empresas. O progresso técnico e, principalmente, a introdução de novos produtos passam a constituir uma atividade cotidiana da empresa, o que leva a que “a dependência, antes imitação de padrões externos de consumo mediante a importação de bens, agora se enraíze no sistema produtivo e assuma a forma de programação pelas subsidiárias das grandes empresas dos padrões de consumo a serem adotados” (Furtado, 1984: 89). A obsolescência tecnológica torna-se mais veloz e dispendiosa e se inscreve

como forma de dominação da periferia: a substituição rápida de bens como mecanismo de manutenção das disparidades sociais.

Nessa apresentação das idéias de C. Furtado formuladas na fase anterior às transformações das décadas de 80 e 90, chama-se a atenção para a “antigüidade” de alguns fenômenos que muitos querem crer monopólios das mudanças de fim do século. Mais que isso, essas idéias mostram a resiliência de certos fenômenos típicos da periferia capitalista, que sobreviveram nas várias fases do processo de industrialização: a dependência; a concentração de renda; a heterogeneidade produtiva e tecnológica. Na questão do progresso técnico propriamente dito, há um crescente pessimismo, na medida em que na periferia se constitui um elemento reforçador das iniqüidades sociais e da dependência. A partir dos anos 80 a questão internacional e a órbita financeira passariam a preocupar o autor cada vez mais, mostrando, aliás, sua capacidade de manter-se contemporâneo, mas isso não será tratado nesta seçãoi.