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II. PROGRESSO TÉCNICO NA PERIFERIA CAPITALISTA: DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA NA INDUSTRIALIZAÇÃO

II.3. Economia e Tecnologia: algumas determinações

II.3.3. Os sistemas nacionais de inovação

A noção de sistemas nacionais de inovação é tributária de F. Perroux (1955), que havia introduzido nos anos 50 a idéia de sistemas nacionais de produção e de pólos de crescimento. Entretanto, na literatura sobre inovação, foi C. Freeman quem, num texto sobre o Japão escrito em 1987, introduziu essa categoria analítica. É curioso que esse conceito tenha nascido no exame da situação japonesa, em que os mecanismos institucionais e públicos têm um papel no direcionamento da economia e da inovação muito mais relevante que no mundo anglo-saxão. Essa noção, no entanto, desdobra-se da discussão sobre as inter-relações da empresa que inova com o ambiente que a cerca. O que se vê é que os contextos nacionais pesam muito na estrutura de operação das empresas diante da inovação, particularmente embora não só, pelas instituições que, direta ou indiretamente, se relacionam à geração e circulação do conhecimento traduzido em ciência e tecnologia.

Assim, a literatura neo-schumpeteriana parece evoluir de uma análise baseada na empresa, em que se situam suas especificidades, estruturas e estratégias, para galgar as similaridades e diferenças setoriais e alcançar em seguida a nação como um todo. Ao fazê-lo, entretanto, passa-se de um ambiente privado que se estrutura para a competição em busca de lucros extraordinários para ambientes públicos onde cooperação e sentido comum, público, prevalecem, sem que se violem as leis que regem aquelas empresas privadas. Como afirma C. Freeman,

assim como a heterogeneidade das firmas e dos oligopólios levaram os neo-schumpeterianos a descartar os pressupostos dos agentes representativos e da concorrência perfeita [...], assim a heterogeneidade dos sistemas nacionais de inovação e hegemonia das grandes potências os conduziu para descartar as noções de convergência internacional e realçar o fenômeno das divergências nas taxas de crescimento, na “preparação do futuro” (forging ahead), no processo de alcançamento (catching up) e de atrasamento (falling behind). (Freeman, 1993: 37).

O ambiente nacional não se orienta para a geração de lucros extraordinários, mas, no sistema capitalista, abriga constitutivamente esse mecanismo-foco de suas empresas. A busca de analogias são flagrantes ao tratar-se, por exemplo, das“competitividade estrutural” i(Chesnais,

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1988) ou “competitividade sistêmica” (Fajnzylber, 1983) dos países, como se os países fossem empresas gigantesi. Até que ponto é possível ir com a analogia do privado sobre o nacional é uma questão interessante é tema polêmico presente, implicita ou explicitamente, nas discussões sobre o futuro e o desenvolvimento dos países. Daí que, juntamente com o nascimento desse conceito, alguns autores daquela corrente se voltam para a análise dos aspectos públicos e estatais envolvidos no processo inovativo.

Embora seja intuitivamente simples entender o conceito de sistema nacional de inovação, uma definição rigorosa é muito difícil, o que leva muitos autores a estabelecerem sua idéia em longas passagens. Para F. Chesnais, por exemplo,

[...] sistemas nacionais de inovação existem na medida em que os desenvolvimentos econômicos e institucionais de um tipo evolucionista, ajudados em alguns casos pela construção consciente de instituições por agentes públicos e privados, levaram à emergência de um conjunto identificável de encadeamentos e relações interativas que interligam as numerosas instituições e organizações lucrativas e não-lucrativas que concorrem para a inovação tecnológica de forma a conduzir a efeitos positivos diretos e indiretos no processo competitivo. (Chesnais, 1992: 268).

Hollinngsworth e Boyer, por sua vez, assim apresentam a idéia:

Por um sistema social de produção, entendemos o modo com que as seguintes instituições ou estruturas de um país ou região estão integradas a uma configuração social: o sistema de relações industriais; o sistema de treinamento de trabalhadores e gerentes; a estrutura interna das empresas; as relações estruturadas, de um lado, entre firmas no mesmo ramo e, de outro, entre as relações das firmas com seus fornecedores e clientes; os mercados financeiros da sociedade; as concepções de justiça e correção adotadas pelo capital e trabalho; a estrutura do estado e suas políticas; e os usos, tradições e costumes idiossincráticos da sociedade, assim como suas normas, princípios morais, regras, leis e receitas para a ação. (Hollinngsworth & Boyer, 1997: 2).

Como se observa, é um conceito bastante amplo, que procura chamar a atenção para a lógica institucional que se faz presente tanto nas decisões de caráter público e estatal, como na influência que exercem no comportamento individual, e, portanto, nas formas de atuação das empresas. Da mesma forma que os proponentes do conceito de sistema nacional de inovações, estes autores admitem que o ambiente em que a empresa age e concorre é fundamental para sua capacidade competitiva e que os países que são capazes de criar regimes que favoreçam suas empresas a competir e a inovar terão uma vantagem importante sobre os demais, incapazes de estabelecer vínculos mais fortes. Na verdade, crêem que, quando se reconhece a importância que

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A propósito, a experiência japonesa chegou a ser descrita como “Japan Inc.” em livro, coincidentemente de um autor americano! Ver Fites (1971).

as instituições domésticas não-econômicas têm na determinação do “sucesso nos mercados mundiais, a competição econômica está se tornando crescentemente concorrência sobre diferentes formas de sistemas sociais de produção [...]” (Hollingsworth & Boyer, 1997: 38).

O conceito de sistema nacional de inovação parte de parâmetros semelhantes, mas tem um espaço mais delimitado, mesmo em sua versão mais abrangentei. É preciso registrar que a formulação de J. R. Hollingworth e R. Boyer permite, em seu desenho, recortes setoriais e geográficos, ou seja, subsistemas em que instituições se relacionam de forma mais íntima, estabelecendo mecanismos de regulação das atividades econômicas ali delimitadas, apesar de, muitas vezes, esses limites terem seus contornos borrados.

Ora, o sistema nacional de inovação pode ser visto como um subsistema do conjunto mais geral da produção. Assim visto, a conceituação mais restrita (Nelson, 1987), que chama a atenção em particular para as instituições mais envolvidas na questão científica e tecnológica e em sua integração com a esfera produtiva, parece dar conta do que é preciso dizer a respeito das redes que se formam para que a inovação da empresa aconteça. Uma vez que não se perca de vista o caráter sistêmico mais geral, que, a propósito, diz respeito ao sistema capitalista de produção nas suas expressões e especificidades nacionais, o conceito mais restrito pode ajudar a compor o referencial analítico para a análise da situação brasileira nos dias de hoje, objeto deste trabalho. O conceito de sistema nacional de inovações presta-se melhor, na verdade, para caracterizar o conjunto de instituições e formas de relacionamento que, direta ou indiretamente definem as modalidades das interações entre públicas e privadas na geração e difusão de inovações no sistema produtivo e nas organizações voltadas ao aprendizado e desenvolvimento científico e tecnológico. Definido o país, torna-se um conceito auxiliar importante. Entretanto, ajusta-se pouco para análises comparativas51.