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II. PROGRESSO TÉCNICO NA PERIFERIA CAPITALISTA: DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA NA INDUSTRIALIZAÇÃO

II.3. Economia e Tecnologia: algumas determinações

II.3.2. Setores de produção e inovação tecnológica

K. Pavitt foi o autor que foi mais adiante na tentativa de organizar um sistema de classificação setorial em relação à inovação tecnológica. Antes dele, R. Nelson já se perguntava

novos conhecimentos e salvaguardá-los, sempre que possível, contra a rápida difusão para os competidores [...] é tanto um exemplar [...] com um conjunto de heurísticas” [itálicos do autor] (Dosi, 1990: 114).

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Boa parte da discussão sobre esses aspectos na empresa moderna é encontrada em Muniz (2000, capítulo 2).

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sobre o que explicava as diferenças setoriais com respeito ao ritmo de introdução de progresso técnico e à importância das atividades de pesquisa e desenvolvimento (Nelson, 1987). Para ambos, os setores industriais onde a produtividade mais crescia eram aqueles onde havia indicações de maior esforço inovativo. Entretanto, outras questões surgem na medida em que se pergunta sobre as razões dessas diferenças quanto a empenho tecnológico e resultados competitivos. A resposta desses autores está nas diferentes oportunidades tecnológicas e condições de apropriabilidade dos “frutos do progresso técnico”, para contrabandear um conceito alheio ao vocabulário evolucionista, mas afim ao pensamento crítico latino-americano visto anteriormente.

A condição de apropriabilidade, conceito desenvolvido por G. Dosi (1990), trata do móvel da inovação na empresa, que é a busca de lucros extraordinários e, aqui, de gerá-lo e de apropriar-se dele. A empresa que inova deseja reter ao máximo os resultados da sua atividade inovadora. A teoria explica que isso é a compensação pelo risco, dada a maior incerteza que envolve os resultados do esforço inovativo e a necessidade de um prêmio pela sua iniciativa e criatividadei. As empresas que inovam procuram, assim, cercar-se de condições para que possam apropriar-se dos lucros extraordinários gerados. Para isso utilizam-se de vários meios, como patentes, segredo, contínuos esforços ao longo da “curva de aprendizado” e esforços de venda e prestação de serviços (Nelson, 1988: 53), além de contar com os outros elementos de competitividade da própria empresa, como tamanho, poder de mercado e as economias de escala e escopo. A difusão e a imitação pelas demais empresas são, em conseqüência, os principais “inimigos” da apropriação pela firma inovadora dos “frutos do progresso técnico”.

Os setores cujas características apontam para regimes “firmes”ii que apresentam maiores graus de apropriabilidade estimulando o empenho inovativo e a realização mais intensa de atividades de pesquisa e desenvolvimento por parte das empresas à frente. Com os regimes “fracos” ocorre o inverso. Per contra, pode ser mais interessante do ponto de vista da nação que haja difusão rápida de uma inovação pelo tecido produtivo, inclusive pelas empresas competidoras. Com riscos de tomar a analogia muito ao pé-da-letra, pode-se comparar com a disputa entre países do terceiro mundo que desejam a produção livre dos componentes ativos das

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Essa é mais propriamente uma visão de J. J. Schumpeter (1975: capítulo 8).

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drogas que combatem os sintomas da AIDS e as empresas farmacêuticas que os desenvolveram. Estas querendo estender a sua apropriabilidade e aqueles querendo facilitação da difusão, gerando uma interessante discussão num ponto vicário de lógicas diversas sobre propriedade intelectual, ética, mercado e exclusão social.

A oportunidade tecnológica trata das possibilidades de incorporação pelas empresas de desenvolvimentos científicos e tecnológicos ocorridos tanto fora e como dentro dessas empresas. A geração de novos conhecimentos traz oportunidades para a inovação na empresa. Sua condição de aproveitamento depende, entretanto, de uma série de fatores. Os dois mais importantes parecem ser o caráter e intensidade das relações com as instituições geradoras de conhecimento técnico e científico – universidades, institutos de pesquisa – e sua capacitação interna não somente para esse diálogo, mas para a realização das inovações internamente (“in house”). A competência para isso, como adverte G. Dosi, depende de três fatores: “(a) a natureza das atividades setoriais de produção; (b) a distância tecnológica do “centro [core] revolucionário” quando os novos paradigmas são originários; e (c) a base de conhecimentos que sustenta a inovação em qualquer setor” (Dosi, 1990: 126). Isso nos leva a crer que os setores, mais estreitamente ligados às tecnologias que evoluem mais rapidamente, manifestam maiores oportunidades e, portanto, são induzidos à realização de esforços inovativos mais intensos em suas empresas.

G. Dosi acrescenta um terceiro atributo das empresas para a obtenção de vantagens competitivas por meio das inovações. Trata-se da cumulatividade, que “diz respeito ao fato de o progresso técnico em geral não se dar de modo aleatório, mas seguir uma trajetória tecnológica, cujas etapas sucessivas podem ser até certo ponto identificadas antecipadamente”. Ela assinala a especialização que, por uma parte, indica os caminhos por onde deve seguir (as “avenidas tecnológicas”), uma vez que os desenvolvimentos tecnológicos estão comprometidos com as trajetórias escolhidas anteriormente (path dependency), e, por outra parte, proporciona vantagens relativas ao criar assimetrias importantes com respeito às demais empresas, uma vez que são vantagens que não desaparecem, mas se acumulam, já que a empresa não cessa de “aprender”.

Com base em dados empíricos e na análise dos fatores apontados acima, K. Pavitt (1984) chegou a uma primeira classificação em três setores. Mais tarde, o mesmo autor junto com M. Bell (Bell & Pavitt, 1993) incluiria mais dois setores, um dos quais busca incluir as recentes

conquistas tecnológicas na área da tecnologia de informação. Os critérios que utilizam baseiam- se em características setoriais com respeito à estratégia inovadora da empresa e sua posição-elo na cadeia de inovação que observam a especificidade setorial com respeito ao grau e forma com que a apropriabilidade, cumulatividade e oportunidade tecnológica se apresentam. A taxonomia apresentada parte de trabalhos empíricos cuja base de dados está organizada por setores classificados segundo as características do produto na forma empregada pelos levantamentos estatísticos tradicionaisi.

O modelo afasta-se tanto dos esquemas analíticos que têm por base a matriz insumo/produto, como aqueles que levam em conta o ritmo e o destino dos produtos. Tampouco guarda relação com os esquemas de reprodução que levam em conta a distinção capital/trabalho, como em K. Marx (1943: Tomo III) e M. Kalecki (1965 e 1977). Seu objetivo é apenas situar características comuns a certos setores que os diferenciam dos demais em relação ao processo inovativo.A posição dos diversos países segundo sua distribuição setorial estabelece posições relativas diferenciadas com respeito ao processo de geração e difusão de inovações, e, portanto, de suas condições de participar virtuosamente na disputa competitiva entre as empresas dos diversos países verificada no plano mundial

O sistema classificatório de Pavitt pode ser visto no quadro abaixo:

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Quadro II.1.Classificação setorial de Pavitt

Evidentemente, os países trazem grandes distinções nas suas configurações. Primeiramente com respeito às diferentes capacidades intra-setoriais. Deter capacidade produtiva num determinado setor estabelecido por essa taxonomia não garante per se uma posição favorável ou desfavorável na cadeia inovativa. E, em segundo lugar, as diferenciações nacionais são profundas em termos das decisões das empresas, particularmente se levamos em consideração a ação das empresas multinacionais que tendem a concentrar as atividades de P&D, ou suas atividades mais nobres na matriz ou filiais instaladas nos países já desenvolvidos. Nesse caso, a

Categorias de firmas industriais e de serviços Principais fontes de acumulação tecnológica Principal direção da acumulação tecnológica Principais canais de imitação e de transferência de tecnologia

I – Dominadas pelos fornecedores : fornecedores

serviços privados aprendizado na produção

indústrias tradicionais serviços de consultoria

II – Intensivas em escala : engenharia de produção compra de equipamentos

siderurgia aprendizado na produção licenciamento de know-how e

treinamento correlatos

vidro fornecedores engenharia reversa

bens duráveis projeto

engenharia civil

III – Intensivas em informação : engenharia de sistemas e softwares da empresa

compra de equipamentos e de softwares

financeiro fornecedores de equipamentos

e softwares

engenharia reversa

varejo

editora

turismo

IV – Baseadas em ciência: P&D da empresa engenharia reversa

eletroeletrônicos pesquisa básica P&D

químicos engenharia de produção contratação de engenheiros e

cientistas experientes

aeronaves projeto

V – Fornecedoras especializadas : projeto & Desenvolvimento engenharia reversa

bens de capital usuários avançados aprendizado dos usuários

avançados instrumentação

softwares

Fonte: adaptado de Bell e Pavitt (1993, apud Muniz, 2000: 153).

tecnologia de produtos aperfeiçoamento de produtos processo tecnológico e equipamentos correlatos compra de equipamentos e serviços correlatos processo tecnológico e equipamentos correlatos processo tecnológico e softwares correlatos

presença da empresa numa área atrasada, mesmo que para produzir os mesmos artigos, não garante a realização de atividade inovativa.