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ECONÔMICA, MUDANÇAS NO PADRÃO TECNOLÓGICO E OS PAÍSES PERIFÉRICOS

IV. BRASIL: DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA NA “ERA DA GLOBALIZAÇÃO”

IV.2. O sistema brasileiro de ciência e tecnologia

IV.3.1 Uma breve introdução conceitual

A originalidade da pesquisa IPT/DEES radica na sua base para a coleta de dados o que, entretanto, impõe cuidados na análise de suas conclusões. Sua base foi o cadastro da SCTDE, que registra através de vários meios – contatos, notícias de jornal, informes de prefeituras, anúncios públicos – projetos de investimentos das empresas no Estado de São Paulo. Nos anos mais recentes, em razão da escassez de dados das fontes oficiais, vários organismos e analistas têm recorrido a esse tipo de registro para apontar tendências, como por exemplo Rodrigues ( 1998 e 2000) e MICT (1998) sobre os investimentos. Trata-se, naturalmente, de um instrumento precário, eis que não há qualquer controle sobre a informação obtida, mas que pode servir de caminho para o levantamento de informações consistentes. Esse caminho foi seguido pela Pesquisa IPT/DEES, cuja realização foi facilitada pela SCTDE, que cuida de entrar em contato com as empresas e, assim, que toma conhecimento de um projeto, obtendo algumas informações oficiosas, daí ter sido possível utilizar seu cadastro como base para a definição de uma amostra de empresas e posterior envio de questionários e realização de entrevistas qualitativas. O que se obteve revelou muita consistência e riqueza. Embora em alguns quesitos em particular tenha havido um baixo índice de resposta, foi possível, dada à importância das empresas pesquisadas e do valor dos investimentos envolvidos, generalizar, com cautela, alguns resultados. Contudo,

complementares aos nossos mas distintos. Ver Muniz (2000). Esta seção se apóia muito nas observações e análises levadas a cabo naquele capítulo.

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insiste-se, não possibilitam inferências estatisticamente válidas. A amostra da pesquisa não é uma amostra do universo das empresas industriais de São Paulo.

A pesquisa IPT/DEES adotou alguns conceitos básicos. Estes se relacionam às questões mais de fundo que vêm sendo objeto de discussão ao longo deste trabalho. É importante, no entanto, esclarecer que a discussão aqui apresentada sobre esses conceitos encontra-se deslocada do contexto em que a pesquisa foi realizada, buscando-se ambientá-la no contexto das preocupações deste trabalho. É, ainda, importante registrar que neste item apenas os conceitos básicos serão tratados. Outros, mais específicos e próprios do mundo técnico-produtivo, foram objeto de um glossário anexado aos questionários enviados às empresas e não serão aqui discutidosi.

O conceito de investimento empregado na pesquisa diz respeito à aplicação de capital em meios que levem ao aumento da capacidade produtiva da indústria. Esse aumento significa tanto a expansão da produção, aumento da produtividade, quanto introdução de novos produtos e/ou aperfeiçoamentos. É um conceito microeconômico, portanto. Por outra parte, os elementos intangíveis ou imateriais dos investimentos, que se tornaram crescentemente importantes num período de intensas e contínuas mudanças tecnológicas e de “financeirização da riqueza” (ver cap. III, seção 2), são explicitamente introduzidos. Entre os “investimentos imateriais” (OCDE, 1992: cap. 5), foram explicitamente incluídos:

“(i) em tecnologia (aquisição de tecnologia e desenvolvimento de conhecimentos e competências necessárias para a introdução de novos produtos e processos ou sua melhoria, compreendendo P&D e atividades de engenharia não-rotineira);

(ii) em ‘qualificação’, compreendendo os investimentos em recursos humanos, na organização e na estrutura de informações;

(iii) em softwares;

(iv) estudos de mercado” (Muniz, 2000: 164).

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Para evitar desentendimentos de linguagem e esclarecer os responsáveis pelas respostas foi elaborado um glossário de termos técnicos, anexado aos questionários enviados às empresas. Esse cuidado foi necessário tendo em vista tanto as áreas cinzentas nas definições conceituais, tão características das atividades em ciência e tecnologia (C&T), quanto os diferentes significados que são atribuídos a termos técnicos em contextos diferentes. O glossário é reproduzido no apêndice e não será objeto de apresentação aqui.

O conceito de investimento foi, assim, de certo modo, “ampliado”, a fim de incluir tanto os investimentos físicos em bens materiais – máquinas e equipamentos e instalações, como os imateriais – patentes, licenças tecnológicas, formação de capital humano, programas de computador para gestão, etc. Os projetos de investimento investigados não ficaram, portanto, restritos à expansão de capacidade produtiva, mas foram estendidos também às reestruturações – novos equipamentos, mudanças em lay-out, introdução de novas formas de gestão – e à introdução de novos produtos e processos, formas que, como se verá mais adiante, são responsáveis por grande parte dos investimentos examinados.

A pesquisa buscou também distinguir, nas empresas pesquisadas e nos projetos de investimento, as atividades voltadas à criação de capacitação para produzir e aquelas voltadas à capacitação para inovar, nos termos propostos por M. Bell e K. Pavitt (1993) e vistos no capítulo II.3i, conceitos esses que encontram paralelismo com a dicotomia entre mudança tecnológica e acumulação tecnológica. A respeito, S. Muniz exemplifica que “um investimento na aquisição de uma máquina com sensores microeletrônicos estará promovendo uma mudança tecnológica, na medida em que evolui em relação à máquina usada anteriormente. Esse investimento, entretanto, somente estará contribuindo para elevar a capacitação tecnológica [itálicos da autora] da empresa na medida em que for complementado, de maneira sistemática e contínua, por outros investimentos que tenham como meta específica a melhoria dos procedimentos que resultam em inovações de produtos ou processos” (Muniz, 2000: 199). Foi utilizado, também, o conceito de capacidade tecnológica, que é, segundo Lall (1990: 19), “o conjunto de competências (em matéria de organização, de gestão e de técnicas) que são necessárias para criar e explorar com eficácia os setores de atividade industrial”.

O conceito de competitividade das empresas foi empregado no sentido já discutido na seção anterior, nos aspectos mais genéricos. Entretanto, relacionado à estratégia das empresas, o conceito foi empregado num sentido mais restrito, buscando distinguir a forma de competir da

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Mesmo tratando-se de conceitos próprios ao mundo das análises acadêmicas, não sendo utilizados no mundo empresarial, em duas das entrevistas realizadas na pesquisa, os entrevistados, funcionários de empresas multinacionais, reconheceram essa distinção de forma clara e direta, embora a definição apresentada não fosse igual, e afirmando categoricamente que suas empresas investem seguidamente visando prepararem-se para produzir, não para inovar. Ressalve-se que, ao tratar da inovação nas matrizes, suas empresas realizam investimentos visando se capacitarem para inovar.

empresa: via preços, qualidade do produto, serviços pós-vendas, rapidez de percepção e atendimento de novas demandas.

Por inovação, seguindo R. Nelson (1996), entende-se “o conjunto de procedimentos e atividades que as empresas dominam ou passam a dominar visando a gerar novos processos e produtos para as empresas em questão, não importando se são novos no mercado, no país e no mundo” (IPT, 1999: 67). Essa escolha deveu-se a várias razões. Primeiro, porque as empresas do país não estão na "linha de frente", por assim dizer, da geração de novos produtos e processos no plano mundial, condição que esta pesquisa evidencia cabalmente. Segundo, a inovação tecnológica se realiza num contexto em que o maior empenho se verifica no cotidiano da empresa, assim como os resultados mais significativos para a competitividade das empresas, embora o apelo jornalístico e/ou político esteja muitas vezes vinculado ao produto original, ou às grandes mudanças paradigmáticas no mundo da ciência e da tecnologia. Assim, por exemplo, as chamadas inovações incrementais e a difusão de produtos e processos têm uma importância enorme no processo de desenvolvimento tecnológico, a par de serem complementares, uma vez que os processos de difusão tecnológica são acompanhados de adequações, adaptações, tanto no produto como no uso dos insumos e do próprio processo de produção; em outras palavras, de inovações. Inovação não se restringe, portanto, àquelas inovações radicais e eventuais na vida das empresas, por mais importantes que tenham sido em inúmeras situações.

De certo modo, esse tipo de inovação corresponde ao conceito utilizado comumente para modernização. Este seria apenas o processo de utilização de tecnologias mais avançadas que, entretanto, não trazem necessariamente uma maior capacitação tecnológica. É um processo restringido de introdução de progresso técnico, uma vez que apenas acompanha a fronteira tecnológica,ou seja, há renovação, atualização e aproximação com o parque produtivoi dos sistemas mais avançados, mas não criação de condições para alterar a dependência.

Por outro lado, o conceito de inovação para a empresa se liga à sua competitividade no mercado. Sua orientação não é a de buscar o conhecimento científico mais avançado de seu tempo, mas equacionar a utilização dos conhecimentos genéricos e/ou específicos que consiga obter para melhorar sua posição no mercado, ou conquistar novos espaços. Nesse caso, se uma empresa tem uma capacidade produtiva gerada há muito tempo e realiza investimentos e gastos

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para renová-la utilizando conhecimentos e equipamentos que em outros sítios, mercados e países já são utilizados, de seu ponto de vista é uma inovação.

IV.3.2. Características do investimento na indústria brasileira no final da