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Características gerais do controle concentrado

CAPÍTULO 4 – CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE

4.2 Características gerais do controle concentrado

O controle concentrado se originou na Europa com a Constituição austríaca

de 1920, cuja elaboração se deve basicamente a Hans Kelsen.

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Essa Constituição

instituiu a Corte Constitucional austríaca, o primeiro tribunal dedicado ao exclusivo

reconhecidos para a ação declaratória de constitucionalidade. Ao criar a ação declaratória de constitucionalidade de lei federal, estabeleceu o constituinte que a decisão definitiva de mérito nela proferida – incluída aqui, pois, aquela que, julgando improcedente a ação, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada – ‘produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo’ (Art. 102, § 2º da Constituição Federal de 1988). Portanto, afigura-se correta a posição de vozes autorizadas do Supremo Tribunal Federal, como a do Ministro Sepúlveda Pertence, segundo o qual, ‘quando cabível em tese a ação declaratória de constitucionalidade, a mesma força vinculante haverá de ser atribuída à decisão definitiva da ação direta de inconstitucionalidade’ (Rcl 167, despacho, RDA, 206:246 (247)). Nos termos dessa orientação, a decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo federal haveria de ser dotada de efeito vinculante, tal como ocorre com aquela proferida na ação declaratória de constitucionalidade (...)”.

158 Hans Kelsen é considerado o criador do controle concentrado de constitucionalidade e, nesse

sentido, vale reproduzir aqui a sua justificativa para a existência de um único órgão para o exercício do controle de constitucionalidade: “Como a Constituição regula os órgãos e o processo legiferantes e, por vezes, determina até certo ponto o conteúdo de leis futuras, o legislador constitucional tem de ter em conta que as normas constitucionais não serão respeitadas sempre e totalmente – para nos exprimirmos da forma corrente –, que poderá surgir um ato com a pretensão subjetiva de ter criado uma lei, se bem que o processo pelo qual o ato se realizou, ou o conteúdo da lei criada por esse ato, não corresponda às normas da Constituição. Levanta-se, portanto, a questão de saber a quem deve a Constituição conferir competência para decidir se, num caso concreto, foram cumpridas as normas constitucionais, se um instrumento cujo sentido subjetivo é o de ser uma lei no sentido da Constituição há de valer também como tal segundo o seu sentido objetivo. Se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência para decidir esta questão, dificilmente poderia surgir uma lei que vinculasse os súditos do Direito e os órgãos jurídicos. Devendo evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas pode conferir competência para tal a um determinado órgão jurídico” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 302-303).

exercício do controle judicial de constitucionalidade, em oposição ao judicial review

norte-americano, exercido por todos os juízes e tribunais.

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No direito brasileiro, o controle concentrado tem sua origem, ainda que de

forma limitada, na Constituição de 1934, com a criação da representação

interventiva confiada ao Procurador-Geral da República e sujeita à exclusiva

competência decisória do Supremo Tribunal Federal, em caso de inobservância de

algum dos denominados princípios constitucionais sensíveis.

Com a Emenda Constitucional n. 16, de 26/11/1965, o controle por via

principal teve seu objeto ampliado, com a criação da ação genérica de

inconstitucionalidade, cuja competência é reservada exclusivamente ao Supremo

Tribunal Federal.

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É relevante destacar que, por meio desse controle, busca-se obter a

declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese,

independentemente da existência de um caso concreto.

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Nesse sentido, embora

também seja jurisdicional, o controle de constitucionalidade por via de ação direta

representa um exercício atípico de jurisdição, porquanto inexiste litígio ou situação

concreta a ser solucionada mediante a aplicação da lei pelo Poder Judiciário. Assim,

“diz-se que o controle é em tese ou abstrato porque não há um caso concreto

subjacente à manifestação judicial.”

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O objetivo da ação direta é a proteção do próprio ordenamento, garantindo-

se a segurança das relações jurídicas, que não podem ficar ancoradas em normas

inconstitucionais.

Ao se falar em lei em tese, tem-se em mira a norma jurídica, material, geral e

abstrata, que depende de ulterior ato administrativo para se considerar em

execução.

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Logo, contra a lei em tese não cabe mandado de segurança, conforme

Súmula n. 266 do Supremo Tribunal Federal.

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159

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, cit., p. 719; PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Controle de constitucionalidade, cit., p. 65.

160 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 133;

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade, cit., p. 151.

161

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, cit., p. 720.

162 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 134. 163 PACHECO, José da Silva. Mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 5. ed.

São Paulo: RT, 2008. p. 159.

164 Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal: “Não cabe mandado de segurança contra lei em

tese.” MS-AgR 24.889/DF – Relator Ministro Cezar Peluso – Julgamento: 08/02/2007 – DJU: 08/06/2007 – Disponível em: <http:www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 02/11/2009. “Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. Impetração contra lei em tese.

A respeito do assunto, vale reproduzir o magistério de Hely Lopes Meirelles:

“A ‘lei em tese’, como norma abstrata de conduta, não é atacável por mandado de segurança (STF, Súmula n. 266), pela óbvia razão de que não lesa, por si só, qualquer direito individual. Necessária se torna a conversão da norma abstrata em ato concreto para expor-se à impetração, mas nada impede que, na sua execução, venha a ser declarada inconstitucional pela via do ‘mandamus’.”165

Nesse horizonte, também é conveniente tecer considerações sobre o

controle de constitucionalidade em sede de ação civil pública.

José Adonis Callou de Araújo Sá, ao refletir sobre essa temática, afirma que

o Ministério Público tem buscado a via da ação civil pública para defesa de direitos

difusos, coletivos e individuais homogêneos, tendo como causa de pedir a alegação

de inconstitucionalidade de ato normativo, com pedido de condenação em obrigação

de fazer ou não fazer como decorrência da declaração incidental de

inconstitucionalidade de ato normativo. Prossegue o referido jurista esclarecendo

que, nas ações civis públicas em que a causa de pedir está atrelada à alegação de

inconstitucionalidade de ato normativo, o objeto continua a ser a defesa dos bens e

interesses tutelados na Carta da República e na legislação de regência. A questão

da constitucionalidade de lei ou ato normativo não se apresenta como objeto da

ação civil pública, mas é posta como prejudicial à decisão de mérito proferida em

relação ao caso concreto examinado.

166

Para o Pretório Excelso, é possível a utilização da ação civil pública como

instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa,

de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da

Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia

constitucional, não sendo objeto único da demanda, qualifique-se como simples

questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Se a propositura da

ação civil pública objetivar o julgamento de uma específica e concreta relação

jurídica, tornar-se-á lícito promover, incidenter tantum, o controle difuso de

constitucionalidade de qualquer ato emanado do Poder Público. Somente restará

Inadmissibilidade. Pedido prejudicado. Agravo improvido. Aplicação da Súmula 266. Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.”

165 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 41. 166 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade. Belo

afastada a possibilidade do exercício da ação civil pública quando o autor deduzir

pretensão efetivamente destinada a viabilizar o controle abstrato de

constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo.

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De outra parte, deve-se atentar ao fato de que não é permitida a utilização

de ação civil pública como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade. Se a

decisão do juiz ou tribunal em sede de ação civil pública, declarando a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em face da Constituição, gerar efeitos

erga omnes, haverá usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, que é

o único tribunal revestido da condição de guardião da Carta da República.

168

O Ministro Maurício Corrêa, ao apreciar a Rcl 554/MG, negou seguimento ao

pedido, por considerar que se tratava de defesa de direitos individuais homogêneos

(art. 81, inciso III, da Lei n. 8.078/90) e que, assim, os efeitos do decisum

alcançariam apenas os mutuários do sistema financeiro de habitação. Todavia,

ressaltou que “situação diversa ocorreria se a ação civil pública estivesse

preordenada a defender direitos difusos e coletivos (incisos I e II do citado art. 81),

quando, então, a decisão teria efeito ‘erga omnes’, na acepção usual da expressão

e, aí sim, teria os mesmos efeitos de uma ação direta, pois alçaria todos, partes ou

não, na relação processual estabelecida na ação civil.”

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Em suma, em sede de ação civil pública, a decisão que declarar a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo deve gerar efeitos apenas entre as

167 Informativo STF n. 212, 27 de novembro a 1º de dezembro de 2000 – Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo212.htm>. Acesso em: 11/03/2010. Artigo: Ação Civil Pública e Controle Difuso – Rcl 1.733/SP – Relator Ministro Celso de Mello. “Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. QUES-

TÃO PREJUDICIAL. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. – O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legi- timidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina (...).”

168 Rcl 2.224/SP – Relator Ministro Sepúlveda Pertence – Julgamento: 26/10/2005 – DJU:

10/02/2006 – Disponível em: <http:www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 02/11/2009. “Ementa: Reclamação: procedência: usurpação da competência do STF (CF, art. 102, I, a). Ação civil pública em que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ‘erga omnes’ não é posta como causa de pedir, mas, sim, como o próprio objeto do pedido, configurando hipótese reservada à ação direta de inconstitucionalidade de leis federais, da privativa competência originária do Supremo Tribunal.”

169 A íntegra da decisão do Ministro Maurício Corrêa está disponível no site do Supremo Tribunal

Federal. (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?>. Acesso em: 11/03/2010).

partes envolvidas e em relação ao caso concreto apreciado, sem amplitude erga

omnes.

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