CAPÍTULO 3 – ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE E MODALIDADES
3.2 Espécies de inconstitucionalidade
A noção de inconstitucionalidade pode ser melhor compreendida a partir do
estudo das suas variadas formas de manifestação, conjugando diferentes elementos
ou critérios, que abrangem o momento em que ela se verifica, o tipo de atuação
estatal que a ocasionou, o procedimento de elaboração e o conteúdo da norma,
dentre outros.
3.2.1 Inconstitucionalidade formal, material e orgânica
A inconstitucionalidade material guarda vinculação com o conteúdo do ato
normativo, sendo malferida a norma constitucional de fundo.
A inconstitucionalidade formal diz respeito ao descumprimento de norma
constitucional de forma ou de processo e a inconstitucionalidade orgânica, espécie
de inconstitucionalidade formal, refere-se à inobservância de competência para
edição da norma.
107A inconstitucionalidade formal
108restará configurada quando um ato
legislativo tenha sido produzido em dissonância com as normas de competência ou
com o procedimento estabelecido para seu ingresso no mundo jurídico.
109No tocante ao vício de forma, há a inconstitucionalidade orgânica,
110que se
caracteriza pela inobservância da regra de competência para a edição do ato. Por
exemplo, ocorrerá inconstitucionalidade por violação da competência privativa da
União (art. 22, inciso I, da CF)
111se porventura a Assembleia Legislativa de um
Estado da Federação editar uma lei em matéria penal ou em matéria de direito
civil.
112De outra margem, haverá inconstitucionalidade formal propriamente dita na
hipótese de uma espécie normativa ser produzida sem a observância do processo
legislativo próprio, que compreende iniciativa, deliberação, votação, sanção ou veto,
promulgação e publicação. Por exemplo, na Constituição existe previsão expressa
quanto à iniciativa privativa de alguns órgãos ou agentes públicos, como é o caso do
Presidente da República. Logo, somente tal titular da competência reservada poderá
deflagrar o processo legislativo das matérias delimitadas no art. 61, § 1º da CF/88.
113107 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade, cit., p. 83.
108 Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco asseveram que, nessa hipótese,
“viciado é o ato nos seus pressupostos, no seu procedimento de formação, na sua forma final” (Curso de direito constitucional, cit., p. 961).
109 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 26. 110 Ibidem, p. 26.
111 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal,
processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;”
112 ADI 1.901/MG – Relator Ministro Ilmar Galvão – Julgamento: 03/02/2003 – DJU: 09/05/2003 –
Disponível em: <http:www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 02/11/2009. “Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFOS 1º E 2º DO ARTIGO 162 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA N. 31, DE 30/12/97. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 22, I; E 84, II, DA CARTA DA REPÚBLICA. O primeiro dispositivo impugnado, ao atribuir à instituição financeira depositária dos recursos do Estado a iniciativa de repassar, automaticamente, às contas dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas as dotações orçamentárias a eles destinadas, caracteriza ofensa ao art. 84, II, da CF/88 (de observância obrigatória pelas unidades federadas), que confere, privativamente, ao Chefe do Poder Executivo, a direção superior da Administração estadual. Já o segundo, tipificando novo crime de responsabilidade, invade competência legislativa privativa da União, nos termos do inciso I do art. 22 da referida Carta. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Procedência da ação.”
113 “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão
da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II – disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos
Na hipótese, se um parlamentar apresentar projeto de lei criando cargo público,
estará incorrendo em inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa.
A inconstitucionalidade material, por seu turno, ocorre quando o conteúdo do
ato infraconstitucional estiver em desconformidade com alguma norma substantiva
prevista na Constituição, seja uma regra ou seja um princípio.
114Por exemplo, a
fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite
constitucional fere uma regra constitucional (art. 37, XI),
115enquanto que a lei que
restringe ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão
do sexo ou idade, contraria o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, e
art.3º, IV).
116Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco advertem que a
inconstitucionalidade material envolve não só o contraste direto do ato legislativo
com o parâmetro constitucional, mas também a aferição do desvio de poder ou
excesso de poder legislativo. Cuida-se, nesse caso, de aferir a compatibilidade da lei
com os fins constitucionalmente previstos ou de apurar a observância do princípio da
na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. (...)”.
114 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 29. 115 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) I ‘usque’ X (...) XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;”
116 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I ‘usque’ III (...) IV
– promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (...) Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”