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Sistema americano ou difuso de controle de constitucionalidade e o caso

CAPÍTULO 2 – MATRIZES HISTÓRICAS E EVOLUÇÃO DO CONTROLE

2.2 Sistema americano ou difuso de controle de constitucionalidade e o caso

CONSTITUCIONALIDADE E O CASO MARBURY & MADISON

O controle de constitucionalidade das leis é fruto do constitucionalismo

norte-americano e foi considerado, ao lado da forma federativa de Estado, a mais

importante contribuição jurídica dos Estados Unidos às democracias ocidentais.

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Na Constituição Federal dos EUA, de 17 de setembro de 1787, restou

consagrado o postulado da supremacia da Constituição, consoante redação do

artigo VI, cláusula 2ª (conhecido como supremacy clause):

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“Esta Constituição, as leis dos Estados Unidos em sua execução e os tratados celebrados ou que houverem de ser celebrados em nome dos

66 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira, cit., p. 25.

67 Dirley da Cunha Júnior assevera que “com supedâneo neste dispositivo, formou-se, em seu

derredor, todo o sistema da ‘judicial review’, a partir do célebre caso ‘Marbury v. Madison’, julgado em 1803, por obra do ‘Chief Justice’ John Marshall. Sem embargo, há quem entenda que a ‘judicial review of legislation’ do direito norte-americano, à míngua de previsão constitucio- nal expressa, decorreu de construção pretoriana.” (Controle de constitucionalidade, cit., p. 61).

Estados Unidos constituirão o direito supremo do país. Os juízes de todos os Estados dever-lhes-ão obediência, ainda que a Constituição ou as leis de algum Estado disponham em contrário.”68

O princípio da exigência da compatibilidade da lei com o disposto na

Constituição é fruto da jurisprudência americana, sendo a ela peculiar.

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Marbury v. Madison foi o primeiro caso em que a Suprema Corte exerceu o

controle de constitucionalidade, negando aplicação a leis que, conforme sua

interpretação, fossem inconstitucionais. A Constituição norte-americana não conferia

a ela ou a qualquer outro órgão judicial, explicitamente, competência de tal natureza.

Ao julgar o caso, a Corte procurou demonstrar que a competência decorreria, de

forma lógica, do sistema.

Ao expor as suas razões durante o julgamento, John Marshall enunciou os

três pilares que justificam o controle judicial de constitucionalidade: a supremacia da

Constituição, a nulidade da lei que contrarie a Constituição e o Poder Judiciário na

condição de intérprete final da Constituição.

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Marshall foi original na lógica de sua decisão, não porém quanto à

substância da ideia. Ela já era corrente na jurisprudência norte-americana, conforme

precedentes lembrados por diversos juristas. A Justiça dos Estado de New Jersey,

em 1780, declarou nula uma lei por entendê-la em desconformidade com a

Constituição do Estado. Desde 1782, os juízes da Virgínia julgavam-se competentes

para apreciar a constitucionalidade das leis. Em 1787, a Suprema Corte da Carolina

do Norte invalidou lei pelo fato de ela estar em dissonância com os artigos da

Confederação.

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Embora a decisão proferida pela Suprema Corte tenha sido alvejada por

diversas críticas,

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o fato é que o caso Marbury v. Madison inaugurou o controle de

68 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade, cit., p. 61. 69 POLETTI, Ronaldo.

Controle de constitucionalidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 24.

70 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 5-10. 71 POLETTI, Ronaldo. Controle de constitucionalidade das leis, cit., p. 25.

72 Traçando o panorama histórico sobre o tema, o constitucionalista Luís Roberto Barroso comenta

que “por haver participado direta e ativamente dos fatos que deram origem à demanda, Marshall deveria ter se dado por impedido de participar do julgamento. A decisão foi estruturada em uma sequência ilógica e equivocada do ponto de vista do direito processual, pois deveria ter se iniciado e encerrado no reconhecimento da incompetência da Corte. Havia inúmeros argumentos de natureza infraconstitucional que poderiam ter sido utilizados para indeferir o pedido, como o de que o direito ao cargo somente se adquire com a entrega efetiva do ato de investidura. A interpretação que levou Marshall a considerar a lei inconstitucional não era a única cabível, podendo-se reconhecer a incompetência da Corte ou o descabimento do ‘writ’ por outras razões.

constitucionalidade das leis, que, a partir de então, restou incorporado às Cartas

Constitucionais de diversos países, a exemplo do que ocorreu no Brasil com a

Constituição de 1891.

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No modelo norte-americano da judicial review, qualquer juiz e tribunal pode

desempenhar o controle judicial de constitucionalidade das leis e atos do Poder

Público frente a um caso concreto. Define-se como um controle judicial, pois

somente os órgãos do Poder Judiciário podem realizá-lo. É um controle difuso na

medida em que todos os órgãos do Poder Judiciário podem exercê-lo,

independentemente de sua natureza e grau de jurisdição. E, por fim, representa um

controle incidental ou indireto (por via de exceção ou de defesa), porquanto somente

no curso de uma demanda concreta, pressupondo controvérsia, pode ser efetivado

como condição para a solução da vexata quaestio. Neste último caso, também é

referido como controle subjetivo, pois é levado a efeito em face de um conflito de

interesses intersubjetivos, cujo fim precípuo é a defesa de um direito subjetivo ou de

um interesse legítimo juridicamente protegido.

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Nos Estados Unidos, vigora o princípio do stare decisis, em que os juízes de

instâncias inferiores seguem as decisões da Suprema Corte, de vez que seus

vereditos se revestem do efeito vinculante, em virtude da força dos precedentes no

Direito americano. Trata-se, na realidade, de um mecanismo de fiscalização da

supremacia da Carta Americana de 1787, na medida em que, quando uma lei é

declarada inconstitucional pela Suprema Corte, todos os juízes passam a observar e

a seguir a sua decisão.

E a falta de legitimidade democrática no desempenho desse papel pelo Judiciário” (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 9). João Carlos Souto, em estudo aprofundado sobre o assunto, observa que, não obstante os mais de dois séculos de plena vigência do controle da constitucionalidade no âmbito do Poder Judiciário, há quem conteste de forma veemente, nos Estados Unidos, a legitimidade de o Poder Judiciário, especialmente a Suprema Corte, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. A discordância reside, segundo seus defensores, na inexistência de respaldo popular para que os integrantes dessa Corte cumpram atribuição de tal envergadura e relevância. Prossegue o jurista Souto comentando que o Professor Richard Parker, que leciona na Harvard Law School, advoga a ideia de que a suposta falta de legitimidade da Suprema Corte seria resolvida com a criação de um mecanismo que possibilitasse a participação popular na escolha de seus membros. De fato, alguns Estados norte-americanos adotaram o sistema de escolha de magistrados por meio de eleições diretas, porém, se de um lado acreditaram terem resolvido o “problema” da falta de respaldo popular, de outro acabaram criando mais um novo problema, traduzido na interferência do poder econômico nas campanhas eleitorais (SOUTO, João Carlos. Suprema Corte dos Estados Unidos: principais decisões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 9-10).

73 Ibidem, p. 11.

No sistema americano, a aplicação do stare decisis restringe-se ao controle

difuso de constitucionalidade, em que há conflitos de interesses entre as partes, não

ocorrendo em sede de fiscalização abstrata.

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O sistema americano de judicial review encontra-se, predominantemente,

em muitas ex-colônias inglesas, como o Canadá, a Austrália, a Índia, entre outros

países. Na Europa também é possível identificar analogias com o sistema

americano, como ocorre no Direito suíço, onde, ao lado da possibilidade de um

recurso direto ao Tribunal Federal, há um recurso geral (richterliches Prüfungsrecht),

limitado às leis cantonais, que assume uma importância prática inferior à do recurso

direto. Na Noruega, Dinamarca e, nos últimos anos, na Suécia vem se afirmando

como incontestável o poder dos tribunais para o controle da conformidade das leis

com a Constituição. Além disso, na Alemanha e na Itália, países em que hoje vigora

o controle concentrado, também existiu uma breve experiência de controle do tipo

americano, como se verificou na época da Constituição de Weimar na Alemanha e,

no direito italiano, durante os anos de 1948 a 1956.

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2.3 SISTEMA AUSTRÍACO OU CONCENTRADO DE CONTROLE DE