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CAPÍTULO 2 – MATRIZES HISTÓRICAS E EVOLUÇÃO DO CONTROLE

2.4 Evolução do controle da constitucionalidade no Brasil

2.4.1 Constituição de 1824

Na vigência da Constituição de 1824, o Brasil desconhecia a fiscalização

jurisdicional da constitucionalidade das leis e atos normativos. O direito brasileiro

estava sob influência das concepções que vigoravam na Inglaterra e na França. Vale

dizer, o princípio da supremacia do Parlamento (Inglaterra) e a concepção da lei

como expressão da vontade geral, representada pelo Legislativo (França),

constituíam óbice à instituição do controle da constitucionalidade tal como

despontava nos Estados Unidos.

Ademais, na época do Império, o Imperador detinha a condição de Poder

Moderador, com competência para manter a independência, o equilíbrio e harmonia

entre os poderes. Em outras palavras, competia ao Imperador resolver os conflitos

envolvendo os Poderes, e não ao Judiciário.

85

Assim, o dogma da soberania do Parlamento, a previsão de um Poder

Moderador e a influência do direito europeu foram decisivos para a ausência de um

sistema de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis à época em que

vigia a Constituição de 1824.

86

Nesse período imperial, o órgão de cúpula do Judiciário era o Supremo

Tribunal de Justiça, cuja jurisdição constitucional ficou adstrita à uniformização da

jurisprudência e aplicação da lei pelos demais Tribunais de Relação. O Supremo

Tribunal revestia-se da condição de guardião do direito imperial em face da

aplicação dos demais tribunais do Império.

87

84 CAPPELLETTI, Mauro.

O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, cit., p. 73.

85 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira.

Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 983.

86

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 80-82.

87 ALVES JR., Luís Carlos Martins. O Supremo Tribunal Federal nas Constituições brasileiras. Belo

2.4.2 Constituição de 1891

A nova ordem constitucional brasileira passou a sofrer influência da doutrina

jurídica norte-americana. Desse modo, seguindo modelo dos Estados Unidos, o

Brasil adotou a República, o Presidencialismo, o legislativo bicameral, a federação, a

judicial review e a estruturação judicial com o Supremo Tribunal Federal e a justiça

federal.

Na Constituição de 1891 restou estabelecida a fiscalização, pelo Poder

Judiciário, da legitimidade das leis. Nessa época, o Judiciário praticava um controle

difuso, incidental e sucessivo da constitucionalidade.

A Lei n. 221, de 20/11/1894, lançou luzes sobre o sistema judicial de

controle de constitucionalidade ao explicitar, no artigo 13, § 10, que cabia aos juízes

e tribunais a apreciação da validade das leis e regulamentos, deixando-se de aplicar

aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos

manifestamente incompatíveis com as leis ou com a Constituição.

88

A Constituição de 1891 sofreu reforma em 1926, tornando-se mais claros os

dispositivos que tratavam da competência do Supremo Tribunal Federal e do recurso

extraordinário.

89

2.4.3 Constituição de 1934

Na Constituição de 1934 foi mantido o controle difuso, incidental e

sucessivo, reproduzindo-se os dispositivos da Constituição anterior com a redação

dada pela reforma de 1926. Foram, também, introduzidas importantes inovações:

a) Nos tribunais, a inconstitucionalidade apenas poderia ser declarada pelo

voto da maioria absoluta de seus membros;

b) Ao Senado Federal foi atribuída a competência para suspender a

execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou

regulamento declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário;

90

88 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira.

Curso de direito constitucional, cit., p. 985.

89

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 82-84.

90 Centrando foco sobre as Constituições brasileiras, Luís Carlos Martins Alves Jr. expõe que “uma

inovação importante do novo Texto é a faculdade de o Senado suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário. Com esse dispositivo, ganhavam mais força as decisões judiciais que julgavam inválidas as normas jurídicas e extirpava os problemas relacionados à validade ou não, quando houvesse a intervenção do Senado” (O Supremo Tribunal Federal nas Constituições brasileiras, cit., p. 212).

c) Houve a criação de representação interventiva, confiada ao Procurador-

Geral da República e sujeita à competência originária do Supremo Tribunal

Federal. Os Estados-membros deviam obediência aos princípios

constitucionais sensíveis no exercício de sua capacidade política, sendo

que, havendo inobservância desses princípios, caberia a intervenção federal

decretada por lei e condicionada à solução que o Supremo Tribunal Federal

desse à representação interventiva.

91

Finalmente, releva acentuar que, com inspiração no modelo austríaco, foi

apresentado projeto de instituição de uma Corte Constitucional, contendo, na

fundamentação da proposta, direta referência à conferência de Kelsen sobre a

essência e o desenvolvimento da jurisdição constitucional (Wesen und Entwicklung

der Staatsgerichtsbarkeit).

92

2.4.4 Constituição de 1937

A Constituição de 1937 tinha por função legitimar o golpe levado a cabo por

Getúlio Vargas e, no tocante à fiscalização da constitucionalidade, seguiu o modelo

instaurado em 1891.

Relativamente às inovações trazidas pela Constituição de 1934, houve

reprodução da exigência da maioria absoluta para a declaração de

inconstitucionalidade, pelos tribunais, de lei ou ato do Presidente da República.

Portanto, na Constituição de 1937 nada se constou sobre a representação

interventiva, nem sobre a suspensão pelo Senado Federal da execução da lei

declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Buscou-se, por outro

lado, atenuar a supremacia do Judiciário, consoante deixa às claras a redação do

parágrafo único do art. 96, in litteris:

“...no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento; se este a confirmar por dois terços de votos de cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do tribunal.”93

91 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro,

cit., p. 84-85.

92 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira.

Curso de direito constitucional, cit., p. 987.

93 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro,

2.4.5 Constituição de 1946

Com a Constituição de 1946, o Brasil volta a respirar os ares da democracia.

O disposto no art. 96, parágrafo único, da Constituição precedente não é mantido,

competindo ao Judiciário proferir a última palavra em questões de natureza

constitucional.

Além das competências originária e recursal ordinária, ao Supremo Tribunal

Federal foi conferida a competência para julgar recurso extraordinário em causas

que versavam sobre o controle da constitucionalidade.

Foi mantida a competência do Senado Federal para suspender a execução,

no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais pelo Supremo

Tribunal Federal em decisão definitiva.

94

A representação interventiva foi também preservada, porém com nova

configuração. Ao Procurador-Geral da República foi atribuída a titularidade da

representação de inconstitucionalidade, para efeitos de intervenção federal, nos

casos em que houvesse violação dos seguintes princípios: forma republicana

representativa; independência e harmonia entre os Poderes; temporariedade das

funções eletivas; proibição de reeleição de governadores e prefeitos para o período

subsequente; autonomia municipal; prestação de contas da Administração e

garantias do Poder Judiciário.

A intervenção federal estava subordinada à declaração de

inconstitucionalidade do ato pelo Supremo Tribunal Federal.

95

2.4.6 Emenda Constitucional 16/65

Com a Emenda n. 16, de 26/11/65, em pleno regime militar, foi instituída a

fiscalização abstrata da constitucionalidade de atos normativos federais e estaduais.

Clèmerson Merlin Clève observa que é fato curioso a implantação da

representação genérica de inconstitucionalidade pelo regime militar, sobretudo

considerando que esse mecanismo, se bem manejado, pode prestar-se para a

proteção e garantia dos direitos fundamentais, contrariando a dinâmica de qualquer

ditadura.

96

94 Ibidem, p. 86-88.

95 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira.

Curso de direito constitucional, cit., p. 989-990.

96 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro,

Noutro giro, no entender de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo

Gustavo Branco, a instituição do sistema de controle de constitucionalidade, com

vistas a preservar o ordenamento jurídico da intromissão de leis incompatíveis,

passou a ser, juntamente com os mecanismos já existentes, um instrumento

destinado a defender diretamente o sistema jurídico objetivo.

97

A Emenda Constitucional 16/65,

98

ao instituir a fiscalização da

constitucionalidade de lei ou ato normativo em tese, permitiu que os Tribunais de

Justiça dos Estados-membros declarassem a inconstitucionalidade de lei ou ato de

Município em conflito com a Constituição do Estado.

99

2.4.7 Constituição de 1967/1969

A Constituição de 1967 manteve o modelo de fiscalização da

constitucionalidade inaugurado com a Constituição de 1891, porém trouxe duas

pequenas alterações. Não previu a representação de inconstitucionalidade genérica

no âmbito estadual e, na representação interventiva, a competência para suspender

o ato estadual foi transferida do Legislativo para o Presidente da República.

A Emenda n. 1 de 1969 não alterou o sistema. Todavia, admitiu

expressamente que os Estados-membros instituíssem a representação interventiva

para, nos moldes do modelo federal, provocar a fiscalização da constitucionalidade

da lei municipal em face dos princípios sensíveis delineados na Constituição

Estadual.

A Emenda Constitucional 7/77, por seu turno, introduziu novidades,

atribuindo ao Supremo Tribunal Federal competência para a interpretação, com

efeito vinculante, de ato normativo, bem como dispôs, às expressas, sobre a medida

cautelar (liminar) solicitada pelo Procurador-Geral da República nas representações

encaminhadas por essa autoridade.

100

97 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira.

Curso de direito constitucional, cit., p. 993.

98 Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco relatam que a Emenda n. 16

preconizou, no art.124, XIII, regra que outorgava ao legislador a faculdade para “estabelecer processo de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do Município em conflito com a Constituição do Estado”. (Curso de direito constitucional, cit., p. 993).

99 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro,

cit., p. 88-89.

2.4.8 Constituição de 1988

Com a Constituição de 1988, houve aperfeiçoamento do sistema brasileiro

de controle de constitucionalidade, combinando-se o modelo difuso-incidental com o

concentrado-principal. Dentre as inovações, com importantes consequências

práticas, podem ser destacadas:

• a ampliação da legitimação ativa para a propositura da ação direta de

inconstitucionalidade (antiga representação);

• a instituição pelos Estados-membros de ação direta para declaração de

inconstitucionalidade de ato normativo estadual ou municipal em face da

Constituição Estadual;

• a instituição da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e do

mandado de injunção;

• a citação do Advogado-Geral da União para, nas ações diretas, defender

o ato impugnado;

• a manifestação do Procurador-Geral da República em todas as ações de

inconstitucionalidade, bem como nos demais processos de competência

do Supremo Tribunal Federal;

• a criação de um mecanismo de arguição de descumprimento de preceito

fundamental decorrente da Constituição;

• a alteração do recurso extraordinário, que passou a ter feição

estritamente constitucional e

• a supressão da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar

representação para fins de interpretação.

101

Com a Emenda Constitucional n. 3, de 18 de março de 1993, foi criada a

ação declaratória de constitucionalidade. A nova ação, de competência do Supremo

Tribunal Federal, é proponível pelos mesmos legitimados da ação direta de

inconstitucionalidade e foi amplamente criticada por parte da doutrina, que

questionava sua constitucionalidade. O Pretório Excelso já se manifestou sobre a

matéria, considerando legítima sua acolhida no complexo sistema brasileiro de

controle de constitucionalidade.

102

101 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro,

cit., p. 90-91.

Com efeito, há atualmente no Brasil o controle incidental, exercido de modo

difuso por todos os juízes e tribunais, e há o controle principal, de competência

concentrada no Supremo Tribunal Federal, consoante quadro abaixo reproduzido:

a) ação direta de inconstitucionalidade (genérica – art. 102, I, a);

103

b) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º);

104

c) ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a);

d) ação direta interventiva (art. 36, III);

105

e) arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º).

106

103 “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,

cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;”

104 “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de

constitucionalidade: I ‘usque’ IX (...) § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”

105 “Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: (...) III – de provimento, pelo Supremo Tribunal

Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal.”

106 “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,

cabendo-lhe: (...) § 1º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.”