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“As características identitárias de um local, decorrem da forma como a po pulação se relaciona com o ecossistema e se apropria do espaço, originando

No documento Design inclusivo na cidade (páginas 125-133)

padrões de vida específicos que se reflectem na configuração da paisagem.

Os locais memoráveis são aqueles que traduzem uma interação equilibrada

entre o homem e o meio, ostentando uma identidade singular que as pessoas

reconhecem facilmente.”

111

O conceito de identidade urbana aparece do signifi cado acrescentado a um lugar,

através da apropriação do mesmo.112 O autor indica-nos ainda que a percepção da

identidade urbana utiliza conceitos como, Memória coletiva (conjunto de memó- rias individuais e coletivas, de um lugar e que podem ser transformadas quando são acrescentados novos signifi cados ou novos usos ao espaço), Uso e Apropriação do espaço (que corresponde à relação que existe entre os indivíduos e um deter- minado espaço) e por fi m, o Espírito do lugar (o conceito de lugar dá ênfase à importância do sentido de pertença, e/ou à relação emocionalmente estabelecida com determinado lugar).

111 Brandão, Pedro, et al. O Chão da Cidade – Guia de Avaliação do Design de Espaço Público, 2002, p. 35.

112 Brandão, Pedro, “A identidade dos lugares e a sua representação colectiva –Base de Orientação, qualifi cação e gestão do espaço público”, Lisboa: DGOTDU, 2008, p.13-17.

Segundo Kevin Lynch, no seu livro The Image of the City (1982), a identifi cação de um objeto implica a sua distinção em relação às outras coisas, tal como a identi- dade signifi ca o reconhecimento de uma entidade separada; isto signifi ca, a sua identidade. Para além disso, a imagem da cidade deve ainda incluir o padrão es- pacial ou a relação do ob jeto com o observador e com os outros objetos, que o autor designa como estrutura. A confi guração do espaço urbano dá-se através de formas, signifi cados e práticas sociais que lhe atribuem um caráter singular e per-

ceptível.113 O autor associa a percepção desses elementos através da imagem que a

cidade propõe, fundamentando-o através da análise de três componentes, identidade, estrutura e signifi cado.

O primeiro destes identifi ca um objeto, o que implica a distinção das outras coisas. Existe a necessidade de que a cidade seja fácil de entender, encoraje a comunidade

à mobilidade,114 e a criação de ferramentas para guiar as pessoas e ao mesmo tem-

po manter a sua identifi cação com a cidade.115 A identidade é vista por Lynch não

como igualdade mas como signifi cado de individualidade.116

Por outro lado, é também necessário que a imagem inclua a relação estrutural ou espacial do objeto com o observador e com os outros objetos.

Por último, este objeto deve ter um signifi cado para o observador, tanto prático como emocional. Continuando na abordagem de Lynch, os elementos físicos e perceptíveis, como as ruas, os bairros, os cruzamentos e os elementos urbanos são

113 Lynch, Kevin, A Imagem da Cidade, 1982, p. 18. Neste livro o autor desenvolve uma relação entre os criadores da imagem da cidade e os utilizadores, como leitores das imagens geradas pela cidade, dando destaque à oposição entre o que é a imagem da cidade defi nida pelos criadores e a imagem que é percecionada pelos utilizadores. O autor procura compreender a relação entre o utilizador e a cidade, destacando a importância da memória e o signifi cado que o utilizador atribui à sua perceção da cidade.

114 Rogers, Richard, Gumuchdjian,Philip, Cidades para um pequeno planeta, 2006, pp. 169.

115 Berger, Craig, Wayfi nding – Designing and Implementing Graphic Navigational Systems, 2005, pp. 10. 116 Lynch, Kevin, A Theory of Good City Form, 1982, pp. 57-58.

os principais defi nidores da imagem da cidade, além de outros factores como o

signifi cado social de uma área, a sua função e a sua história.117

Panerai118 compreende a confi guração do espaço público tendo em conta o ponto

de vista dos utentes. A cidade não é independente dos grupos sociais que a produ- zem, que nela vivem e que a transformam.

Siebertz119 diz-nos que “o poder de atribuição de signifi cado à matéria transfor-

mada depende largamente do contexto em que o objeto se insere – tanto o lugar como os utilizadores (a respetiva cultura e hábitos) são factores determinantes”.

Por seu lado, Castello120 sublinha que é a perceção que permite que se compreen-

da o ambiente em redor e essa perceção digere a informação recolhida ao nível cognitivo. Signifi ca que as pessoas adotam determinadas atitudes no seu compor- tamento espacial, de acordo com estímulos ambientais que elas próprias percep- cionam/ percebem.

Segundo Norman, a cognição e a emoção são inseparáveis do processo de design, o que se refl ete na conversão dos objetos e locais em realidades que estão sob o escrutinio da apreciação ou até mesmo aceitação por parte dos utilizadores. Assim o Design dentro da interação utilizador-objeto, que esteja ou não em contexto es-

pacial, convoca aspetos sociais e simbólicos para a sua análise.121

117 Ibid, pp.57-58

118 A relação que o autor estabelece entre tipos construídos e a forma urbana, considerando esta relação como “o meio para se compreender a estrutura da cidade ao mesmo tempo enquanto continuidade histórica de um pro- cesso e como fenómeno parcial de tal continuidade”. (Panerai, Análise Urbana, 2006, p. 24)

119 Siebertz, Public Space, 2008, p. 318.

120 As relações entre as pessoas e os espaços, além da evidente correspondência física que forçosamente se estabelece entre eles, tem uma forte componente psicológica. Dentro do mesmo raciocínio o autor continua a indicar que, por trás da identifi cação do lugar, encontra-se presente um processo de valorização do espaço, que na sua pers- petiva, pode ser atribuído à perceção que as pessoas têm, ou que ainda vão adquirir, em relação a esse espaço. (Castello, Repensando o lugar no projeto urbano, 2005, p. 15).

Na perspetiva de Goodmann, um objeto pode simbolizar quer coisas, quer mo- mentos diferentes, ou nada, ao mesmo tempo, ou seja, um objeto inerte ou puramente utilitário pode vir a funcionar como arte, e uma obra de arte pode vir a funcionar como objeto inerte ou puramente utilitário.122 Desta forma, Norman sugere três níveis de características

que um produto deve ter, Visceral design (aparência do objeto), Behavioral design (o prazer do uso do objeto) e Refl ective design (satisfação pessoal, memórias e a imagem própria).123

Um outro conceito que deverá ser inerente aos projetos de E.U. é o factor “susten- tabilidade afetiva”, referido por Kristina Borjesson124 na sua tese de doutoramento.

Esta ideia tem de ser tida em conta, segundo a autora, como parte do processo do projeto de objetos, considerando os seguintes pontos: a noção de tradição, a divisão entre estética e beleza, e, ao mesmo tempo, ter em conta o papel direto da perceção. A sustentabilidade, segundo Borjesson, é algo que resulta do processo cognitivo, daquilo que percecionamos: “everything aesthetic is by default also perceived, an affective experience, whilst beauty is judged by cognition, a mental experience”. Sendo assim, a relação entre o tempo e a estética torna-se uma experiência afetiva.125

Existe atualmente uma massifi cação a nível da produção e da implantação de E.U. no espaço público. De um modo geral, nas cidades europeias, estes equipamentos são colocados de forma transversal e indiscriminada. Assiste-se portanto à insta- lação de equipamentos sem qualquer preocupação com o contexto a que se des-

tinam, respondendo apenas a critérios de segurança e “bom design”.126 Desta forma,

corre-se o risco da homogeneidade cultural: todo o equipamento encontrado em

122 Goodmann, Quando há Arte? In D’Orey, C., O que é Arte?, Lisboa: Dinalivro, 2007, p.133. 123 Norman, Dan, Emotional Design,New York:Basic Books, 2004, p.39

124 Borjesson, Kristina I. B., The affective sustainability of objects; a search for casual connections. Studies of theory, processes and practice related to timeless as a phenomenon, 2006.

125 Ibid, p. 4.

126 Águas, Sofi a, Design de Candeeiros de Iluminação Pública para a sustentabilidade do Espaço Urbano. Tese (Docto- rat: Espai Públic Regeneració Urbana). Facultat de Belles Arts. Universitat de Barcelona. Barcelona, 2010, p. 38

Barcelona é igual ao que vemos em Lisboa, Paris, etc., transformando-se numa

linguagem única que perde a identidade cultural dos locais. Mourthé127 defende

que uma regionalização nos projetos de E.U. poderia funcionar, pois permitiria a criação de uma identidade própria relacionada com o local onde seria implemen- tado. Deste modo a identifi cação do utilizador com o equipamento desenhado com elementos do local, poderia gerar atração e infl uenciar o comportamento do utilizador, pois este passaria a ter a sensação de pertença do objeto e do local.

Segundo Lenclos, o E.U. como elemento pertencente à cidade, traz à discussão aspetos, estéticos, funcionais técnicos e comerciais. Desta forma, o plano visual é indissociável do espaço onde o objeto se insere, adquirindo este uma função utilitária, permitindo a identifi cação de um local, e uma função simbólica, a nível funcional e formal como objeto que se torna testemunha da história do espaço, Como exemplo, a autora refere as entradas das estações de metro de Paris, de Hec-

tor Guimard.128

Em Portugal, em geral, é notório o facto de que o espaço público foi desenhado e planeado para atender às necessidades de mobilidade dos veículos automóveis em detrimento das necessidades de mobilidade do transeunte, transformando-se o es- paço dedicado ao peão num reduto desconfortável, inacessível, inseguro e apenas de passagem. Um dos refl exos da evolução urbana foram as consequências, no âm- bito do ordenamento do território, protagonizado pelas periferias da urbe, em que

127 Mourthé, Claudia R., Mobiliário urbano em diferentes cidades brasileiras: um estudo comparativo. Dissertação (Mestrado em Ar- quitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 1998, p. 280.

128 “Elément constitutif du paysage, des villes et des villages, le mobilier urbain est l’enjeu de multiples facteurs, tant esthétiques que fonctionnels,

techniques et commerciaux. Sur le plan visuel, il est indissociable du lieu dans lequel il est installé, où, tout comme le evêtement du sol, il rem- plit différentes fonctions : une fonction utilitaire permettant en particulier l’identifi cation d’un lieu ou le balisage d’un parcours, une fonction décorative par sa forme, sa matière et ses couleurs, une fonction d’image en participant à l’affi rmation de l’identité de la ville, et une fonction symbolique; dans leur expression fonctionnelle et formelle, les objets de la rue et les signes graphiques peuvent être témoins de l’histoire locale, comme le sont les célèbres entrées du métro parisien dessinées par Hector Guimard entre 1899 et 1904.”Lenclos, J. Couleurs de l’Europe.

as infraestruturas não potenciavam condições de vida urbana dentro do aceitável. A este factor acresciam problemas como a desqualifi cação do espaço público, sem

espaços verdes ou espaços de passagem focados no peão.129

Após a experiência urbanística e organizacional que foi desenvolvida com reconhecido êxito na EXPO

98,130 na viragem do século XX o programa POLIS vem promover uma política de

sistema urbano a nível nacional, no entanto atendendo à identidade e um «carisma» em muitas cidades que é preciso valorizar, porque é precisamente aí que reside a diferenciação e a atrac- tividade.131 Assim, a identidade no âmbito da socialização no espaço público e dos

objetos que compõem a urbe, o design torna-se imprescindível para a criação de comportamentos, ao desenvolver novas formas de apropriação desse espaço pú- blico.

Segundo Serdoura e Silva,132 a qualidade do espaço público é uma consequência

das imagens que se tem do local, e o equipamento desempenha um papel parti- cular nesta perceção, pela forma como infl uencia a relação do utilizador com o espaço público, através de duas componentes:

a. a função ligada ao lazer, ao descanso, à contemplação e ao serviço

b. as suas funções implícitas e abstratas, ligadas à identifi cação e compreensão

da identidade do espaço pelos olhos do utilizador, através da simbologia represen-

tada nos elementos133

129 Direção Geral do Ordenamento do Território, Programa POLIS, Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2000, 2000, Diário da Républica, I Série-B, 2000.

130 Ibid. 131 Ibid.

132 Serdoura, Francisco M., Silva, Nunes da, Espaço Público, Lugar de Vida Urbana. Engenharia Civil. Universidade do Minho. Número 27. http://www.civil.uminho.pt/cec/revista/revista.htm. 2006, p. 7.

133 Águas, Sofi a, Design de Candeeiros de Iluminação Pública para a sustentabilidade do Espaço Urbano. Tese (Docto- rat: Espai Públic Regeneració Urbana). Facultat de Belles Arts. Universitat de Barcelona. Barcelona, 2010, p. 87.

Dentro desta ideia da qualidade do espaço público como refl exo da identidade de um espaço, encontramos outro grupo de autores que confi rmam a importância

que a imagem desse espaço tem na escolha do utilizador.134 As características fí-

sicas do espaço onde se inclui o E.U. satisfazem as preferências individuais e cole- tivas dos utilizadores do local, o que infl uencia também o processo de decisão de

frequência do espaço.135 Ferrara136 explica a ideia anterior através do processo de

associação e signifi cado do espaço com as experiências vividas pelos utilizadores. Percebemos assim que a qualidade do espaço afeta a satisfação e frequência do

espaço por parte do utilizador.137 A perceção de qualidade do espaço, segundo

Tinoco,138 está relacionada com o signifi cado que o utilizador atribui aos equi-

pamentos urbanos. Desta forma, o equipamento possui uma função estética que

pode criar uma identidade e qualidade para o espaço público.139

Como suplemento divergente da perspetiva dos equipamentos enquanto objetos identitários do espaço, que infl uenciam a qualidade do local através da percepção

do espaço pelos olhos do utilizador, encontramos a ideia de Graham Harman, 140

que defende que a relação entre objetos não é teórica nem prática, nem mesmo epistemológica, é antes estética, pois que abarca a «singularidade» e a «suple- mentaridade» das coisas. Apenas a estética poderá resolver essa relação, desvelando o objecto por si mesmo, em si mesmo, para além do entendimento ou necessidade que possa servir. A esse «deslumbramento», o autor chama «allure». Para si, as realidades seriam constituídas pelos próprios objetos e não pelas relações científi -

134 Yázigi, 2003; Jarque, 2005; Valls, 1992; Moreno, Beerli e Martín, 2004; Woodside e Lysonskyi, 1989; Hunt, 1975. 135 Mello, 2007, p. 92.

136 Ferrara, Lucrécia D’Aléssio, Olhar Periférico. Informação Linguagem Percepção Ambiental. São Paulo, EDUSP FA- PESP, 1993.

137 Marchena, Gómez, M. J. Patrimonio y ciudad: nuevos escenarios de promoción y gestión del turismo urbano europeo privado. Sociedade e Território, n.28. Porto: Edições Afrontamento, 1999.

138 Tinoco, A., Um olhar pedestre sobre o mobiliário urbano: Itaim Bibi 1995-2001. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

139 Baudrillard, 1991; Mourthé, 1998; Montenegro, 2005.

cas em torno da percepção humana. Com esta ideia de Harman aplicada à cidade, a urbe seria vista como um grande objeto onde se insere um conjunto de com- ponentes que teriam o mesmo grau de importância. A relação objeto-E.U. teria a mesma importância do que a relação homem-objeto e paisagem-objeto, refl etindo a noção de que o E.U., para além da sua função, contribui com a sua própria está- tica para a construção da identidade estática da urbe.

O desenvolvimento rápido das cidades portuguesas nos últimos anos determinou a presença do E.U. de uma forma fragmentada e sem relação com a forma e a fun- ção do espaço público. O surgir de novas atividades e serviços levou a uma concen- tração excessiva de objetos na paisagem urbana, onde a sua implementação tornou mais difícil a leitura dos vários espaços constrangendo acessibilidade e segurança, levando ao surgimento de espaços divididos e inadaptados.

A lacuna na defi nição de programas no âmbito da intervenção da malha urbana como um todo, onde se envolvam todos os atores no processo de desenvolvimento urbano, poderá ser uma das razões para que o E.U. seja deixado para o segundo plano,141

sendo tratado como um projeto individual descontextualizado na forma e função.

141 Águas, Sofi a, Design de Candeeiros de Iluminação Pública para a sustentabilidade do Espaço Urbano. Tese (Docto- rat: Espai Públic Regeneració Urbana). Facultat de Belles Arts. Universitat de Barcelona. Barcelona, 2010.

MASSIFICAÇÃO COMO BARREIRA PARA A

No documento Design inclusivo na cidade (páginas 125-133)