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2 O RECONHECIMENTO JURÍDICO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NO DIREITO INTERNACIONAL

2.2 VIA TRATADOS CONSTITUTIVOS

2.2.1 Carta das Nações Unidas e os Pactos Internacionais de Direitos Humanos (1966)

Podem ser identificados, a título de exemplo, elementos que dão substrato ao conteúdo do direito ao desenvolvimento sustentável, na esfera das Nações Unidas, nos seguintes documentos: na Carta das Nações Unidas e nos Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966.

No Preâmbulo da Carta das Nações Unidas está plasmada a decisão a fé deste órgão “nos direitos humanos, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito entre homem e mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla”.

E, para atingir tal fim, nos termos da referida Carta, os Estados devem se comprometer a adotar mecanismos para promover o progresso econômico e social de todos os povos. No artigo 1.º estipulam-se os objetivos das Nações Unidas, entre os quais, desenvolver relações entre as nações com base no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos e fortalecimento da paz; promover a cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário e, por último, promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Às Nações Unidas incumbe-se a tarefa de efetuar estudos e fazer recomendações destinadas a promover a cooperação internacional nos terrenos econômicos, social, cultural, educacional e sanitário, e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte dos povos sem nenhum tipo de distinção (artigo 13, alínea b).

Por outro lado, o artigo 55 estabelece as condições que as Nações Unidas deverão favorecer no sentido de criar condições de estabilidade e bem-estar necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, entre as quais: a) níveis mais altos de vida, trabalho

efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. Para realização dos propósitos enumerados, todos os Estados-membros das Nações Unidas se comprometeram a trabalhar em cooperação entre si, em conjunto ou separadamente, e com as Nações Unidas para alcançar os objetivos preconizados (artigo 56).

Nesse sentido, no referido ato constitutivo atribuiu-se ao Conselho Econômico e Social a tarefa de iniciar estudos, relatórios e fazer recomendações sobre os assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos à Assembleia Geral as Nações Unidas, aos Estados membros e às entidades especialistas interessadas, a fim de promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos (artigo 62, n. 1 e 2).

Sobre o conteúdo da Carta das Nações Unidas, Fábio K. Comparato (2007, p. 216- 217) observa:

No texto da Carta, como se vê da leitura dos artigos 13.º e 55, os direitos humanos foram concebidos como sendo, unicamente as liberdades individuais. No entanto, um dos propósitos da Organização, como se lê no Preâmbulo da Carta, é o de ‘empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos’. Com esse intuito, foi criado o Conselho Econômico e Social, órgão inexistente no quadro da Sociedade das Nações, atribuindo-se-lhe a incumbência de favorecer, entre os povos, ‘níveis mais altos de vida, trabalho, efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social’. Mas o direito ao desenvolvimento só veio a ser reconhecido mais tarde e, ainda assim, despojado dons necessários instrumentos de garantia. Em contrapartida, a Carta das Nações Unidas afirma, inequivocamente, a existência de um direito de autodeterminação dos povos.

No outro lado da análise, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP)37 e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais38 (PIDESC), que entraram em vigor apenas em 1976, e seus Protocolos Facultativos39 também contêm elementos dos quais se podem deduzir o conteúdo do direito ao desenvolvimento.

37 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pactos dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais. Resolução n. 2200 (XXI) de 16 de Dezembro de 1966. Disponível em: <http://daccess-dds- ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/007/35/IMG/NR000735.pdf? >. Acesso em: 14 mar. 2013.

38 Aderida pela República de Angola pela Resolução n. 26-B/91 de 27 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série, n. 53/91.

39 Aderida pela República de Angola pela Resolução n. 26-B/91 de 27 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série, n. 53/91.

O PIDCP aprovado pela Resolução n. 2200 (XXI) de 16 de dezembro de 1966, prevê que “todos os povos têm direito à autodeterminação. E em virtude deste direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural” (artigo 1.º, n. 1). Também são reconhecidos direitos constitutivos do conteúdo do direito ao desenvolvimento que, a título de exemplo, identificamos: direitos das pessoas de viver sem nenhum tipo de discriminação (artigo 2.º), direito à vida e à integridade física (artigo 6.º e 7.º), direito a não ser escravizado (artigo 8.º), direito à liberdade e suas garantias administrativas e jurisdicionais (artigos 8.º a 15), direito à liberdade de expressão e opinião, à informação e religiosa (artigos 16 a 19), a proibição da propaganda a favor da guerra, apologia do ódio nacional, racial ou religiosa (artigo 20), direito de reunião, manifestação e associação (artigos 21 e 22), direito à igualdade (artigo 26) e direito de participação da condução dos assuntos públicos (artigo 25).

Cada Estado que ratificar o Pacto (Estado-parte) fica com a obrigação de submeter relatórios periódicos (reports) ao Secretário Geral das Nações Unidas sobre as medidas legislativas e administrativas adotadas no seu Estado para tornar efetivos os direitos previstos no Pacto (artigo 40), que depois são avaliados pelo Comitê de Direitos Humanos, seguidos de recomendação que poderão ser cumpridas pelos Estado-partes (artigo 28). E, se um Estado- parte não cumprir o conteúdo do Pacto, este pode, mediante comunicação escrita, levar ao conhecimento desse Estado-parte (artigo 41). Além disso, os particulares podem apresentar petições sobre alegadas violações dos direitos humanos previstos no Pacto por um Estado- parte ao Comitê de Direitos Humanos (artigos 1.º e 2.º do Protocolo Facultativo ao PIDCP).

Para Flávia Piovesan (2012, p. 237), “a importância do Protocolo está em habilitar o Comitê de Direitos Humanos a receber e examinar petições encaminhadas por indivíduos, que aleguem ser vítimas de violações de direitos enunciados pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos”.

De sua parte, o PIDESC, aprovado igualmente pela Resolução n. 2200 (XXI) de 16 de dezembro de 1966, no n. 1 do artigo 1.º acolheu ipsis verbis uma redação semelhante a do artigo 1.º do Pacto dos Direitos Civis e Políticos.

Já no artigo 2.º, o Pacto reforça o compromisso de os Estados adotarem medidas legislativas, planos econômicos e técnicos para assegurar progressivamente o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sobretudo os países em desenvolvimento que, atendendo o respeito pelos direitos humanos e a sua situação econômica, poderão determinar em que medida garantirá esses direitos. É também dever do Estado adotar medidas

legislativas e administrativas com recurso à cooperação internacional para proteger as pessoas contra a fome (artigo 11, n. 2).

O PIDESC reconhece direitos constitutivos do conteúdo do direito ao desenvolvimento que, a título de exemplo, identificamos: direito dos povos à autodeterminação (artigo 1.º); direito de toda pessoa a um trabalho livremente escolhido e aceito (artigo 6.º); direitos de o trabalhador gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, a um salário e remuneração justa e igual por um trabalho de igual valor sem distinção de sexo, condições de trabalho segura e higiênica, direito ao descanso, lazer e a férias (artigo 8.º); direito de fundar sindicatos e de fazer greve (artigo 8.º); direito à previdência social e à segurança social (artigo 9.º); direitos ligados à família e proteção da mulher na maternidade (artigo 10); direito a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família inclusive à alimentação, ao vestuário e à moradia adequada e uma melhoria contínua de suas condições de vida (artigo 11, nº 1); direito de desfrutar de um elevado nível de saúde física e mental (artigo 12); direito à educação que terá como principal objetivo o pleno desenvolvimento da personalidade dos indivíduos e do sentido de sua dignidade e o fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais (artigo 13); direito de participar da vida cultural e desfrutar do progresso científico e das suas aplicações (artigo 15).

Além dos direitos e das obrigações Estatais elencadas, cada Estado-parte fica com a obrigação de submeter relatórios periódicos (reports) ao Secretário Geral das Nações Unidas sobre as medidas legislativas e administrativas adotadas e sobre o progresso realizado no seu Estado para tornar efetivos os direitos previstos no Pacto (artigo 16), que depois são avaliados pelo Conselho Econômico e Social para exame e depois enviar à Comissão dos Direitos Humanos para fins de estudo ou recomendação de ordem geral (artigos 16 e 19).

Por outro lado, as pessoas (individual ou coletivamente) sob jurisdição de um Estado- parte podem apresentar comunicações sobre alegadas violações dos direitos humanos previstos no Pacto pelo Estado-parte. Mas tais comunicações apenas serão admissíveis se cumprirem os requisitos de admissibilidade, entre os quais o mais essencial que é o esgotamento dos recursos disponíveis na jurisdição interna desse Estado-parte (artigos 2.º e 3.º do Protocolo Facultativo ao PIDESC).

Numa clara alusão à indivisibilidade e interdependências entre os direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais reconhecidos nos pactos, Comparato (2007, p. 338) comenta:

Os direitos humanos constantes de ambos os Pactos, todavia, formam um conjunto uno e indissociável. A liberdade individual é ilusória, sem um mínimo de igualdade social; e a igualdade social imposta com sacrifício dos direitos civis e políticos acaba engendrando, mui rapidamente, novos privilégios econômicos e sociais. É o princípio da solidariedade que constitui o fecho de abóbada de todo o sistema de direitos humanos.

Por sua vez, Flávia Piovesan (2012, p. 242-243) esclarece que uma das diferenças entre os dois pactos consiste em, por um lado, o PIDCP estabelecer direitos aos indivíduos, ao passo que PIDESC define deveres aos Estados e, por outro, enquanto o PIDCP determina que “todos têm o direito a...” ou “ninguém poderá...”, o PIDESC diz “os Estados-partes reconhecem o direito de cada um a...”. Além do mais, explicita a autora, “os direitos civis e políticos são autoaplicáveis, na concepção do Pacto, os direitos sociais, econômicos e culturais têm aplicação progressiva”.

O fato de existirem formalmente dois Pactos separados não significa que o reconhecimento e o exercício dos direitos civis e políticos são separados dos direitos econômicos, sociais e culturais, pois, como já visto, os direitos humanos são indivisíveis, interdependentes e complementares. É nesse sentido que se afirma que o direito ao desenvolvimento reforça na sua essência a interdependência e indivisibilidade de todos os direitos humanos.

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