• Nenhum resultado encontrado

3 DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO HUMANO: CONSENSOS E DISSENSOS

3.1 QUANTO À COMPREENSÃO DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO E SUA RELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS

Quanto à compreensão do processo de desenvolvimento e sua relação com os direitos humanos, é necessário dizer que os habituais debates e divergências conceptuais no domínio da universalização dos direitos humanos estenderam-se também na abordagem do direito ao desenvolvimento.

O conceito de desenvolvimento tem variado em função dos contextos político, social e cultural de cada povo, sobretudo nos países Ocidentais, nos países Asiáticos e Africanos. Por isso, a divergência entre os modelos de desenvolvimento, sobre o modo de concretizar o direito ao desenvolvimento está ligada também à divergência entre os defensores das teses relativistas e universalistas dos direitos humanos, bem como as concepções de diversas teorias dos direitos fundamentais.

O processo de desenvolvimento econômico tem um significado em função dos vários contextos políticos, sociais e culturais em que ocorre. Desse modo, apesar de se reconhecer

que o desenvolvimento visa o incremento do bem-estar das pessoas, o processo de desenvolvimento e o modo como ocorre na Europa, África, América Latina e Ásia tem dimensões culturais e institucionais com implicações práticas nos diversos modelos de desenvolvimento econômico e não só66 a serem adotados.

Os modelos de desenvolvimento concebidos por alguns países asiáticos (e recentemente adotados por alguns países africanos) diferem dos modelos ocidentais. E, de acordo com o nosso entendimento e análise, o centro de divergência, para além de outros de natureza diversa, está exatamente nas concepções e teorias de direitos humanos defendidos pelos diversos Estados e povos.

Quanto aos modelos de desenvolvimento econômico, Marcos Cordeiro Pires (2011, p. 166) observa:

Em princípio, na perspectiva liberal, não há um modelo econômico em si, a não ser pressupostos ditos ‘universais’ que deveriam ser adotados indistintamente por todos os países, como a criação de um ambiente econômico propício à livre iniciativa, pouca intervenção estatal, liberdade de comércio, inserção internacional baseada em vantagens comparativas, liberdade de fluxos de capitais, entre outros.

Aplicada à linguagem do desenvolvimento baseado nos direitos humanos, considera-se que um modelo de desenvolvimento sustentável serve de referência para aqueles a quem compete elaborar as Políticas Públicas de um país visando melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e do povo em geral oferecendo bens e serviços (educação, saúde e saneamento básico), segurança, justiça, meio ambiente sadio promovendo e protegendo os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

Nos dias de hoje, quando se fala das políticas públicas de desenvolvimento e/ou modelos de desenvolvimento econômico, referem-se aos modelos adotados pelos países de economia capitalista de influência neoliberal com ínfima intervenção do Estado na economia

66 Jean-François Dortier (2010, p.417) explica que no campo das ciências humanas, os modelos são frequentemente utilizados para explicar várias realidades. Por exemplo, no campo da economia, os modelos “são utilizados para descrever o funcionamento dos mercados (modelos de mercado concorrencial, oligopolistas, modelos econométricos)” e na sociologia significa o tipo-ideal, modelos de decisão. Assim, os modelos “permitem simular o funcionamento de um sistema e prever comportamento”. Assim, a ideia de “modelo” associa-se a um postulado teórico, ordenado e sistemático para explicar ou ser aplicado a um fenómeno ou realidade. Por trás dos modelos de desenvolvimento existem igualmente modelos ou teorias de crescimento e desenvolvimento econômico. Por exemplo, fala-se dos modelos de Roy Horrod (1939), de Evsey Domar (1947), de Robert Solow (1957), de P. Romer (1986), R. Lucas (1966), G. Grossman e E. Helpman (1991). Mas, todos os modelos abordam o desenvolvimento na perspectiva econômica. Para mais detalhes vide: Figueiredo; Pessoa; Silva. Op.cit., 2008, p. 48-59; Graça, 2012, p. 38-61.

(Consenso de Washington)67 e o modelo de capitalismo de Estado seguido pela China e alguns países asiáticos e com forte intervenção do Estado na condução do sector econômico (Consenso de Pequim).

Quando se fala do modelo de desenvolvimento baseado no “Consenso de Washington”, pretende-se designar aquele modelo que segue “o manual de políticas econômicas neoliberais recomendadas pela tríade Banco Mundial-FMI-OMC [...] com intuito de reestruturar suas economias” (SILVA, 2011, p. 245) e seguido por alguns países Ocidentais. Do Consenso de Washington68 originaram quatro grandes diretrizes ou palavras de ordem: liberalizar, desregular, privatizar e globalizar. Com elas, foi introduzido e implementado o neoliberalismo que desde 2007/8, com as crises econômicas, parece estar a perder o seu vigor. (NUSDEO, 2010, p. 222, grifos nossos).

Por outro lado, a China, por exemplo, com base na sua realidade econômica, política, social e cultural, “optou pela não adesão aos princípios neoliberais, seguindo uma orientação de política econômica distinta: a prioridade à inovação tecnológica, intervenção estatal [...] controle da conta capital e manutenção de uma taxa de câmbio competitiva” (SILVA, 2011, p.245). É o chamado Consenso de Pequim.

Assim, designam-se por Consenso de Pequim as políticas levadas a cabo pelo governo de Pequim de não adesão aos princípios neoliberais do Consenso de Washington. É com base nesses pressupostos econômicos e na sua realidade política e cultural que a China desenvolveu um modelo ou estratégia de desenvolvimento econômico e social.

Em síntese, Jacqueline C. de Oliveira Silva (2011, p. 252) apresenta as diferenças entre os dois modelos:

O Consenso de Washington diverge do Consenso de Pequim. Enquanto o primeiro baseia-se políticas neoliberais (privatizações, austeridade fiscal,

67 Expressão formulada em 1989 pelo economista inglês John Williamson, ex-funcionário do Banco Mundial e do FMI, numa conferência do Istitute for international Economics, em Washington. Apesar dos protestos contra sua aplicação, as medidas saidas do Consenso de Wanshigton foram adoptadas como condição para concessão de empréstimos em muitos países da América Latina e da África.

68 O Consenso de Washington é um conjunto de medidas econômicas fundadas em teorias neoliberais – constituída por dez regras básicas – formulado por economistas de instituições financeiras situadas em Washington D.C., como o FMI, o BM e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, em 1989, e em 1990 se tornaram política oficial do FMI para ser aplicada aos Programas de Ajustamento Estrutural Macroeconômicos aos países em desenvolvimento do terceiro mundo, sobretudo os da América Latina e África, que passavam várias dificuldades na promoção do desenvolvimento econômico. As dez regras básicas são: abertura comercial, taxas de câmbio exequíveis, reforma da dívida, investimento direto estrangeiro, reforma do sistema fiscal, redução das despesas públicas, liberalização financeira, privatizações de sectores, revisão da legislação laboral, revisão dos direitos de propriedade. A. Valette apud Maria Alerte Cruz. Os Programas de Ajustamento Estrutural: Um obstáculo ao Desenvolvimento? In: População, Ambiente e Desenvolvimento em África. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa, 2001, p. 61-82.

controle inflacionário, menor participação do Estado na economia e abertura financeira e comercial). O segundo apresenta um modelo baseado na intervenção estatal (promoção do crescimento e do desenvolvimento econômico), política industrial focada na inovação tecnológica e grande volume de investimento na educação e nos recursos humanos.

Todavia, a discussão sobre cada modelo, sobretudo no sentido de dizer ou avaliar qual deles é o melhor, está além da finalidade do presente trabalho. O que importa constatar, para efeito desta dissertação, é que cada um tem suas vantagens e desvantagens e têm influenciado na política de cooperação para o desenvolvimento, principalmente, para os países em desenvolvimento, entre eles, os africanos.

Nos dias atuais, para os países em desenvolvimento, praticamente não se pode falar de cooperação internacional para assegurar o desenvolvimento e diminuir os seus obstáculos sem o recurso às instituições financeiras internacionais e à China enquanto economia em franco crescimento.

Na prática, os países Ocidentais, inspirados no Consenso de Washington, têm apresentado pré-condições para Cooperação para o Desenvolvimento, como exigência de respeito pelos direitos humanos, abertura democrática, boa-governação e o seguimento de um modelo de desenvolvimento por eles concebido previamente e imposto unilateralmente, muitas vezes, sem reciprocidade entre os países doadores e recebedores69.

Por seu lado, a política chinesa de Cooperação é diferente. Com base nos cinco Princípios da Coexistência Pacífica que ela estabeleceu como linhas de orientação para relações com os países recém-independentes da Ásia e da África, a China não impõe nenhum condicionalismo que interfere no que ela considera assuntos de política interna de cada país (como direitos humanos, boa governação, mudanças democráticas) e não impõe aos países parceiros nenhum (nem o seu próprio) modelo de desenvolvimento.

Desse modo, olhando para a realidade africana dos anos 90, as receitas do “Consenso de Washington” defendidas pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial através da implementação dos Programas de Ajuste Estrutural e Planos de Estabilização Econômica a fim de reestruturar as economias africanas trouxeram consequências drásticas como o desemprego crescente e outros problemas de natureza social, política e econômica. E, na prática, não ajudou a resolver obstáculos para o desenvolvimento do continente.

69 Exemplos desta realidade é o Acordo de Cotonou, celebrado entre os Países de África, Caraibas e Pacífico e a União Europeia como defende E.S. NWAUCHE e J. C. NWOBIKE, op. cit., 2005, p. 96-117.

Se, por um lado, nos países Ocidentais cujo modelo de inspiração é o “Consenso de

Washington”, com a economia de mercado liberal e com governos democráticos permitiu maior progresso na proteção e vivência, sobretudo, dos direitos e liberdades fundamentais; por outro lado, na China “o Consenso de Pequim” permitiu maior promoção dos direitos econômicos, sociais e culturais (como educação e saúde), mas na base de um governo autoritário liderado pelo Partido Comunista Chinês que se confunde com o Estado no qual se verifica um desenvolvimento econômico autoritário, sem atender o respeito e proteção dos direitos e liberdades públicas ou fundamentais.

Nesse contexto, Ana Paula Teixeira Delgado (2001, p. 108) descreve que para os “países asiáticos, a exemplo da China e de Cingapura, os direitos humanos não existem ‘in

abstracto’, mas variam de cultura a cultura, por constituírem produto das experiências

históricas de cada povo”. E, consequentemente, “não há quaisquer direitos e liberdades individuais absolutos, posto que os direitos e interesses não devem estar acima do Estado e da sociedade”.

Para melhor clarificar, Ana Delgado (2001, p. 109 et seq.) descreve ainda que de acordo com o documento Human Rights in China, a China estabeleceu que para o Governo Chinês a primazia cabe ao Estado e à sociedade, devendo os direitos humanos se subordinarem aos interesses das comunidades, não passando de meras concessões dos Estados. Esta perspectiva é distinta das concepções europeia e norte-americana, herdeiras do iluminismo de Locke e Rousseau, cuja tradição reside em atribuir-se à primazia dos indivíduos como beneficiários de direitos inerentes à pessoa humana, em contraposição ao Estado. Por esta razão, a autora prossegue afirmando que na Cingapura, o crescimento econômico também constitui a base necessária de qualquer sistema para eliminar a pobreza, ao passo que na Malásia, o direito ao desenvolvimento, vistos apenas na perspectiva econômica deve sobrepor aos demais direitos humanos como forma de erradicar a pobreza e garantir a dignidade humana.

Recorde-se, por exemplo, que “a China assinou em 1997 e ratificou em 2001 o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, mas ainda não ratificou o Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos, que assinou em 1998” (SANJUAN et al., 2009, p. 166).

Esse entendimento justifica-se, por exemplo, pelo fato de a concepção chinesa (em alguns casos, asiática) dos direitos humanos ser estritamente vinculada à noção de soberania e integridade territorial. Por isso, em virtude desse ponto de vista, a China defende uma

abordagem que condiciona o respeito dos direitos e liberdades individuais à necessidade de assegurar os interesses nacionais (fundamento ideológico).

Por outro lado, observa Amartya Sen (1997; 2010) que os defensores dessa perspectiva de direitos humanos (como Lee Yuan Yew, ex-primeiro ministro da Cingapura) justificam-na que estaria em conformidade com uma pretensa lógica dos Valores Asiáticos (fundamento axiológico-cultural), que considera que os interesses do Estado são colocados à frente dos direitos e liberdades dos indivíduos, porque, nos países asiáticos, a ordem e a disciplina seriam consideradas mais importantes que as liberdades políticas e civis. E, por essa razão, é dada prioridade aos direitos econômicos, sociais e culturais, justificando uma governação autoritária e de supressão dos direitos e liberdades civis e políticos para se promover o desenvolvimento.

Amartya Sen (1997; 2010), indiano de nacionalidade, é um dos opositores desta corrente de pensamento e defende que a crença dos “ditos Valores Asiáticos” não é generalizada a todos os valores e todas as culturas asiáticas70.

Jack Donnelly (1999) chama de “ditadura do desenvolvimento” aquele processo de crescimento econômico e industrial alcançado através de regimes políticos repressivos ou com a subjugação das liberdades, mas considera que o crescimento econômico repressivo praticado em países como a Coreia do Sul, Singapura, Taiwan, China e a maioria das ditaduras militares é fracassado, apesar do seu sucesso de curto e médio prazo, porque as pessoas foram obrigadas a sacrificar os seus direitos e liberdades pessoais, mas não receberam desenvolvimento ou crescimento sustentável em troca.

Nesse âmbito de análise, Donelly (1999) defende que existe compatibilidade entre o desenvolvimento e direitos civis e políticos, bem como os direitos econômicos, sociais e culturais. Todavia, o desenvolvimento também pode ser alcançado por regimes repressivos, mas não existem argumentos evidentes de que para que haja desenvolvimento seja necessário à repressão, até porque a participação popular e a responsabilidade política fomentam o desenvolvimento numa perspectiva dos direitos humanos.

Por sua vez, Antônio A. Cançado Trindade (1993b, p. 64) explica que na preparação da Delegação Asiática para participar da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, em 1993, os representantes dos países asiáticos reuniram em Bangkok, de 29 de março a 02 de abril do mesmo ano. A reunião regional da Ásia adotou a Declaração de Bangkok de

70 Sobre os Valores Asiáticos e Direitos Humanos vide também: DONNELLY, Jack. Human Rights and Asian Values: A Defense of Western Universalism. In: The East Asian Challenge for Human Rights, eds. Joanne R. Bauer, Daniel A. Bell. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 60-87.

02 de abril de 1993 (Bangkok 1993) que clarificou e reafirmou a visão asiática dos Direitos Humanos e Desenvolvimento.

O Preâmbulo da referida Declaração reafirmou-se a riqueza da cultura e das tradições asiáticas, reafirmou a indivisibilidade e interdependência entre todos os direitos humanos que devem ser vistos de modo integrado sem enfatizar indevidamente determinada categoria de direitos e também reafirmou ainda a inter-relação entre democracia, desenvolvimento e o gozo universal de todos os direitos humanos. De igual modo, a Declaração realçou ainda, no seu artigo 3.º, a necessidade de se democratizar o sistema das Nações Unidas, eliminar a seletividade e aprimorar os mecanismos e procedimentos a fim de se fortalecer a cooperação internacional; realçou também a proteção dos direitos dos grupos vulneráveis; referiu-se ao problema dos obstáculos à realização do direito ao desenvolvimento e do combate à pobreza, do direito da humanidade ao meio ambiente sadio e, finalmente reafirma que os direitos humanos “universais por natureza” devem ser considerados nos contexto no “processo dinâmico e em evolução” de elaboração normativa tendo em conta a significação as particularidades regionais e nacionais e a realidade histórica, cultural e religiosa de cada povo (artigos 11, 18, 19, 20 e 8.º) (TRINDADE, 1993b, p. 64-65).

Por outras palavras, a Declaração da delegação asiática defende: o respeito à soberania, os direitos humanos (na visão só das liberdades públicas) não podem ser a única condição para o desenvolvimento, a autodeterminação dos povos, a promoção do meio ambiente saudável, o direito de cada povo determinar o seu sistema político, universalidade, objetividade e não seletividade dos direitos humanos, a universalidade natural dos direitos humanos e a interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos.

Nesse âmbito, fica claro que o desenvolvimento é tendencialmente associado ao crescimento econômico, desenvolvimento da tecnologia ou modernização e reforço dos direitos econômicos, sociais e culturais em detrimento da promoção e proteção dos direitos, liberdades e garantias fundamentais. Esta visão asiática dos direitos humanos influenciou os modelos de desenvolvimento da China, do Japão, da Cingapura e da Coreia do Sul, apesar das especificidades de cada país.

A visão africana dos direitos humanos também é marcada, sobretudo, pela valorização da vida humana, a respeito pelos anciãos como suporte de toda a sabedoria vital e a ajuda entre os membros e forte participação na vida da comunidade. Essa perspectiva influencia para uma primazia dos direitos coletivos em relação aos individuais.

Na preparação da Delegação Africana para participar da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, em 1993, os representantes dos países africanos reuniram em

Tunis (Tunísia) de 02-06 de novembro de 1992 e aprovaram a Declaração de Tunis, em que se reforçou que a defesa dos direitos humanos, sejam eles liberdades civis e políticas, ou direitos sociais, econômicos e culturais, devem ter proteção de todos os Estados, independentemente, dos regimes políticos, econômicos ou culturais; defendeu a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos e que os direitos civis e políticos não são indissociáveis dos direitos econômicos, sociais e culturais, que a categoria dos primeiros não pode ter precedência sobre os demais direitos, que devem ser observados de acordo com os padrões, valores e peculiaridades culturais e históricas de cada povo. Em síntese, foi defendida a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais, do direito ao desenvolvimento e a relação entre direitos humanos e a eliminação do apartheid e todas as novas formas de racismo, discriminação, xenofobia e preconceito (Preâmbulo e parágrafos 5- 6 et seq.) (TRINDADE, 1993b, p. 59-60).

Apesar dessa constatação, a situação em África é ainda complexa porquanto o seu modelo de desenvolvimento está em construção. Esse processo de construção do modelo africano tem se manifestado uma amálgama dos valores socioculturais africanos, com um crescimento econômico elevado na base de uma economia de mercado nascente no contexto de um processo de democratização ainda mais formal do que material. São exceções a esta realidade alguns países, como a África do Sul e o Gana.

Além disso, as fortes relações entre os países africanos e a China, certamente tem acalentando as expectativas de que é possível construir um modelo de desenvolvimento na base de governos autoritários, no qual os direitos econômicos, sociais e culturais tomam a primazia em relação às liberdades civis e políticas. Mas um fator é evidente: o modelo africano terá de assentar-se também sobre na realidade sociocultural e valores africanos, entre os quais a solidariedade entre os membros da comunidade e o papel da família que, certamente, influenciam na compreensão e na prática dos direitos humanos.

Do exposto, fica claro que, apesar do avanço teórico no sentido de se reconhecer a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, no plano da prática política, ainda é patente no mundo ocidental a primazia dada aos direitos civis e políticos (direitos de primeira dimensão) e, por outro lado, na Ásia e em África a primazia dada aos direitos econômicos, sociais e culturais. Mas isso não significa que nas sociedades africanas e asiáticas não haja respeito pelos direitos humanos. É importante que não haja critérios seletivos na aplicação e implementação dos direitos humanos.

O desenvolvimento sustentado pode ter lugar, quer no quadro de um regime democrático, quer no de um regime ditatorial (autoritário). O desenvolvimento pleno,

englobando a concretização dos direitos políticos, econômicos, sociais e culturais, é apenas atingível pela democracia liberal, que respeita os direitos humanos na plenitude. As ditaduras também são capazes de promover o desenvolvimento, mas com limitações. Desse modo, argumenta o autor, o desenvolvimento pode ser concebido como as condições mínimas existenciais que permitam as pessoas viver com dignidade. Essas condições mínimas tomam a forma de direitos humanos. A democracia liberal e os direitos humanos reforçam-se mutuamente e têm impactos positivos sobre os processos de desenvolvimento ao passo que os regimes autoritários têm limitações no que concerne a uma visão global do desenvolvimento (MACEDO, s.d., p. 65-68) concebido como direito humano.

A análise até aqui feita serve para demonstrar que a questão central relativa ao direito ao desenvolvimento parece-nos, na nossa modesta opinião, que se situa na identificação do conteúdo do direito ao desenvolvimento, bem como as ações, sobretudo no plano das prioridades, que devem ser levadas a cabo para concretizar esse direito tão almejado por todos os indivíduos e povos.

Já é aceite pela doutrina majoritária de que o conteúdo do direito ao desenvolvimento tem natureza integradora no qual estão incluídos a proteção e exercício dos direitos civis e políticos, o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais e os direitos de solidariedade como a paz, a autodeterminação dos povos e o meio ambiente sustentável. O direito ao desenvolvimento supõe a satisfação das necessidades humanas existenciais da população numa base de justiça e igualdade.

A determinação das opções prioritárias no processo de desenvolvimento bem como quem deve determiná-los, parece-nos que é mais uma questão de natureza política e/ou

Documentos relacionados