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2 O RECONHECIMENTO JURÍDICO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NO DIREITO INTERNACIONAL

2.2 VIA TRATADOS CONSTITUTIVOS

2.2.2 Convenções constitutivas das Organizações Internacionais de caráter regional

De acordo com Felipe G. Isa (1999, p. 86 et seq.), o direito ao desenvolvimento também pode ser deduzido das Convenções constitutivas das Organizações Internacionais de caráter regional.

Nesse sentido, com base na proposta do autor citado, podem ser identificados, a título de exemplo, elementos que demonstram a existência do direito ao desenvolvimento como direito humano nas convenções constitutivas da União Europeia, da Organização dos

Estados Americanos, da União Africana e da Comunidade para Desenvolvimento da África Austral.

O Tratado da União Europeia (Tratado de Lisboa)40 assinado em 13 de dezembro de 2007 e entrado em vigor no dia 01 de dezembro de 2009, resultou de um processo evolutivo

40 UNIÃO EUROPEIA (UE). Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a

Comunidade Europeia. Jornal da União Europeia, 17 dez. 2007, 50.º Ano, Edição Portuguesa. 2007/C 306/01. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2007:306:FULL:PT:PDF>

de alteração e atualização de vários Tratados que foram aprovados desde o Tratado que instituía a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço de 18 de abril de 1951. Para efeito da dissertação, serão estudados apenas alguns aspectos importantes do Tratado de Lisboa por ser o último (e está em vigor) dos tratados que alteram os vários tratados de fundação da Comunidade Europeia41. Nele, podemos extrair algumas disposições ligadas ao desenvolvimento em geral e que integram o conteúdo do direito ao desenvolvimento em particular.

Segundo o referido Tratado (2007), a União Europeia funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes às minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres (artigo 1.º-A). A União tem como objetivos a promoção da paz, dos valores e do bem-estar dos seus povos; estabelece um mercado interno; empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa assente num crescimento econômico e equilibrado e na estabilidade dos preços numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e progresso social e num elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente; fomenta o progresso científico e tecnológico; combate a exclusão social e as discriminações e promove a justiça e a proteção sociais, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as gerações e a proteção dos direitos da criança; promove a união econômica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados- Membros; e, nas suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus valores e interesses e contribui para a proteção dos seus cidadãos, para a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equitativo, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos do Homem, em especial os da criança, bem como para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional, incluindo o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas (artigo 2.º n. 1, 3, 4).

A União reconhece ainda os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 07 de dezembro de 2000, com as adaptações de 12 de dezembro de 2007 (artigo 6.º n. 1). Na sua ação externa promoverá a cooperação no domínio da ajuda humanitária, cooperação para o desenvolvimento e cooperação econômica,

41 Sobre a história da União Europeia, vide: UNIÃO EUROPEIA. História da União Europeia. Disponível em: < http://europa.eu/about-eu/eu-history/index_pt.htm >. Acesso em: 19 maio 2013.

financeira e técnica com os países terceiros que não seja em desenvolvimento. O objetivo principal da política da União no domínio da Cooperação para o Desenvolvimento é a redução e, a longo prazo, a erradicação da pobreza (artigos 154, 161,166, 176-A e 188).

Por outro lado, a Carta constitutiva da Organização dos Estados Americanos (OEA) também contém conteúdos relevantes para compreensão do desenvolvimento como direito humano. A Carta da Organização dos Estados Americanos42 foi assinada em Bogotá, a 30 de abril de 1948, tendo sofrido várias reformas e, presentemente, todos os 35 Estados Americanos já a ratificaram.

Assim, a Organização dos Estados Americanos se propõe: a) garantir a paz e a segurança continentais; b) promover e consolidar a democracia representativa respeitando o princípio da não intervenção; c) prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que surjam entre seus membros; d) organizar a ação solidária destes em caso de agressão; e) procurar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que surgirem entre os Estados membros; f) promover, por meio da ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural; g) erradicar a pobreza crítica, que constitui um obstáculo ao pleno desenvolvimento democrático dos povos do Hemisférico; h) alcançar uma efetiva limitação de armamentos convencionais que permita dedicar a maior soma de recursos ao desenvolvimento econômico-social dos Estados membros (artigo 2.º).

Para atingir os seus propósitos, as ações dos Estados integrantes da OEA serão perseguidas com base nos seguintes princípios: respeito pelas normas do Direito Internacional; respeito à personalidade, soberania e independência dos Estados; boa-fé nas relações entre os Estados; solidariedade dos Estados com base no exercício efetivo da democracia representativa; direito de cada Estado escolher, sem ingerências externas, seu sistema político, econômico e social e cooperação mútua entre os Estados independentemente da natureza de seus sistemas políticos, econômicos e sociais; a eliminação da pobreza crítica é parte essencial da promoção e consolidação da democracia representativa e constitui responsabilidade comum e compartilhada dos Estados americanos; a guerra de agressão a um dos Estados constitui agressão aos demais Estados americanos; resolução por meio de processos pacíficos das controvérsias que surgirem entre os Estados; justiça e segurança sociais são bases de uma paz duradoura; cooperação econômica como meio para alcançar o bem-estar e prosperidade comuns dos povos do continente; proclamação dos direitos

42 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Carta da Organização dos Estados Americanos. Disponível em:

<http://www.oas.org/dil/port/tratados_A-41_Carta_da_Organização_dos_Estados_Americanos.htm>. Acesso em: 20 maio 2013.

fundamentais da pessoa humana, sem distinção de raça, nacionalidade, credo ou sexo; a educação dos povos deve orientar-se para justiça, a liberdade e a paz (artigo 3º).

Nos termos da Carta Constitutiva, o desenvolvimento integral abrange os campos econômico, social, educacional, cultural, científico e tecnológico nos quais devem ser atingidas as metas que cada país definir alcançar. Nesse âmbito, o desenvolvimento torna-se responsabilidade primordial de cada Estado e deve constituir um processo integral e continuado para criação de uma ordem econômica e social justa que permita a realização da pessoa humana (artigo 33).

Observando a Carta, lê-se ainda que o desenvolvimento integral requer que se promova a igualdade de oportunidade, a eliminação da pobreza crítica e a distribuição equitativa da riqueza e da renda e a participação do povo nas decisões relativas ao seu próprio desenvolvimento (artigo 34).

Para o efeito, os Estados deverão dedicar esforços para atingir determinadas metas, entre as quais o aumento substancial e autossustentado do produto nacional per capita, a distribuição equitativa da renda nacional, a modernização da vida rural e reformas que conduzam a regimes equitativos e eficazes de posse da terra, maior produtividade agrícola, expansão do uso da terra, diversificação da produção e melhores sistemas para industrialização e comercialização agrícolas; estabilidade do nível dos preços internos em harmonia com o desenvolvimento econômico sustentado e com a consecução da justiça social; salários justos, oportunidade de empregos e condição de trabalho aceitáveis para todos; rápida erradicação do analfabetismo e ampliação para todos das oportunidades no campo da educação; a defesa do potencial humano mediante extensão e aplicação dos modernos conhecimentos da ciência médica, a alimentação e habitação adequadas para todos os setores da população, a condições urbanas que proporcionam oportunidades de vida sadia, produtiva e digna (artigo 34).

Além dos objetivos propostos, a OEA aprovou a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de S. José de Costa Rica) em 22 de novembro de 1969.

Ao nível do continente asiático, existe a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), criada em 08 de agosto de 1967. O ato constitutivo da ASEAN, a Declaração de

Bangkok43, subscrito pelas Filipinas, Malásia, Cingapura, Indonésia e Tailândia, estabelece os

propósitos da Organização, que, a título de exemplo, identificamos:

43 ASSOCIAÇÃO DE NAÇÕES DO SUDESTE ASIÁTICO (ASEAN). Bangkok Declaration. [Tradução não oficial]. Disponível em: <http://www.asean.org/news/item/the-asean-declaration-bangkok-declaration>. Acesso em: 27 maio 2013.

a) acelerar o crescimento econômico, o progresso social e o desenvolvimento cultural da região através de esforços conjuntos no espírito de igualdade e parceria a fim de fortalecer as bases para uma comunidade próspera e pacífica das Nações do Sudeste Asiático;

b) promover a paz e estabilidade regional através do respeito pela justiça, o Estado de direito na relação entre os países da região e adesão aos princípios da Carta das Nações Unidas;

c) promover a colaboração ativa e assistência mútua em assuntos de interesse comum nos domínios econômico, social, cultural, técnico, científico e administrativo;

d) Prestar apoio e assistência na formação e investigação nas esferas educacionais, profissional, técnica e administrativa;

e) Colaborar de forma mais eficaz para maior utilização da sua agricultura e indústrias, a expansão do comércio, incluindo o estudo dos problemas do comércio internacional de

commoditie, a melhoria do seu transporte e instalação de comunicações e melhoria dos

padrões de vida dos seus povos.

Também é importante frisar que, até o momento, inexiste um sistema asiático de proteção dos direitos humanos que contenha mecanismos de proteção semelhantes e cujos objetivos sejam semelhantes aos sistemas de outros continentes, nomeadamente o europeu, o americano e o africano.

No continente africano, no dia 25 de maio de 1963, trinta dirigentes africanos e Chefes de Estados ou de governo de países independentes assinaram a Carta Manifesto pela Unidade Africana, criando a Organização da Unidade Africana (OUA), em Adis Abeba-Etiópia (ASANTE; CHANAIWA, 2011, p. 877).

Assim, o Preâmbulo da Carta44 dispõe os fundamentos sobre os quais assenta a criação da organização: os povos têm o direito inalienável de determinar o seu próprio destino e a liberdade, a igualdade, a justiça e a dignidade são objetivos essenciais para realização das aspirações legítimas dos povos africanos.

Conscientes desses fundamentos, a OUA foi criada para atingir, por exemplo, os seguintes objetivos: a) promover a solidariedade e unidade dos Estados Africanos; b) coordenar e intensificar a sua cooperação e os seus esforços com vista a alcançar melhores condições de vida para os povos africanos; c) defender a sua soberania, integridade territorial e a sua independência; d) erradicar todas as formas colonialismo de África; e) favorecer a

44 HEYNS, Christof; LIND, Morné Van Der. Compêndio dos Documentos-Chaves de Direitos Humanos da União

Africana. Pretória: Pretória University Law Press (PULP), 2008. [on line]. Disponível em:

cooperação internacional tendo em conta a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 2º, n. 1). E, para atingir estes fins os Estados-Membros poderão estabelecer acordos de cooperação nos domínios político-diplomático, econômico, educacional e cultural; nas áreas de saúde, saneamento e da nutrição; científico, técnico e da defesa e segurança (n. 2).

Para atingir esses objetivos, a organização africana se propôs a observar, por exemplo, os seguintes princípios: igualdade soberana entre todos os Estados-Membros; não ingerência nos assuntos internos dos Estados; respeito pela soberania e pela integridade territorial de cada Estado e pelo direito inalienável a uma existência independente; solução pacífica dos diferendos por meio de negociação, mediação, conciliação ou arbitragem; e dedicação absoluta à causa da emancipação total dos territórios africanos que ainda não são independentes (artigo 2.º).

Na sua essência, a Organização da Unidade Africana tinha sido criada com o objetivo de promover e lutar pela independência dos países africanos colonizados, de lutar contra todas as formas de colonialismo e neocolonialismo, promover a paz e a solidariedade entre os povos africanos e defender dos interesses políticos, econômicos e sociais dos países membros e da África em geral.

Tendo verificado que a OUA já tinha cumprido seus principais objetivos iniciais, sobretudo políticos, as lideranças africanas constituíram a União Africana (UA) como substituta da OUA, tendo o seu Ato Constitutivo assinado em Lomé-Togo, em julho de 2000 e entrado em vigor em maio de 200145.

De acordo com Ato Constitutivo, definiram-se alguns novos objetivos (no artigo 3.º) do órgão dos quais indicamos os mais relevantes: a) Alcançar maior unidade e solidariedade entre os países e povos africanos; b) acelerar a integração política e socioeconômico do continente; c) encorajar a cooperação internacional tendo em conta a Carta das Nações Unidas e a Declaração dos Direitos Humanos; d) promover a paz, segurança e estabilidade do Continente; e) promover os princípios e as instituições democráticas, a participação popular e a boa governação; f) Promover e proteger os Direitos do Homem e dos Povos, em conformidade com a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e os instrumentos pertinentes relativos aos Direitos Humanos; g) promover o desenvolvimento sustentável nos planos econômico, social e cultural, assim como a integração das economias africanas; h)

45 UNIÃO AFRICANA. Ato Constitutivo da União Africana. Disponível em: <http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/OUA/acto_constitutivo-uniao-africana.htm>. Acesso em: 15 ago. 2012. A OUA foi fundada no dia 25 de Maio de 1963, na Etiópia. Angola ratificou o Ato Constitutivo da União Africana.

promover a cooperação em todos os domínios da atividade humana, com vista a elevar o nível de vida dos povos africanos; i) promover o intercâmbio ente as Comunidades Econômicas regionais e fazer avançar o desenvolvimento do continente através da promoção da investigação em todos os domínios em especial no domínio da ciência e tecnologia; j) trabalhar em colaboração com os parceiros internacionais para a erradicação de doenças preveníveis e para promoção da boa saúde do continente.

Para alcançar estes objetivos, a UA obedecerá a vários princípios, a título de exemplo, citamos alguns deles:

a) igualdade soberana e interdependência entre os Estado-membros da União; b) respeito das fronteiras existentes no momento do acesso à independência; c) promoção da paz e segurança no continente;

d) promoção da igualdade dos gêneros;

e) respeito pelos princípios democráticos, pelos Direitos Humanos, pelo Estado de Direito e pela boa governação;

f) promoção da justiça social para assegurar o desenvolvimento econômico equilibrado;

g) respeito pela santidade da vida humana e a consequente condenação e rejeição da impunidade, dos assassinatos políticos, dos atos de terrorismo e atividades subversivas;

h) condenação e rejeição de mudanças inconstitucionais de governos (artigo 4.º). No Protocolo de Emenda do Ato Constitutivo da UA, adotado em Maputo- Moçambique em julho de 2003, ainda a espera de dois terços dos Estados-Membros para que entre vigor, é visível a preocupação dos chefes de Estado para inserir algumas disposições referentes aos direitos humanos e relevantes para o direito ao desenvolvimento, nomeadamente, a garantia da participação efetiva das mulheres na tomada de decisões particularmente nos domínios político, econômico e sociocultural.

Em termos econômicos, existem no continente africano blocos econômicos de desenvolvimento. Nesse âmbito, na África Austral criou-se a Southern African Development

Community (SADC)46, que visa alcançar vários objetivos, entre os quais o desenvolvimento e

o crescimento econômico, aliviando a pobreza, aumentando o padrão e a qualidade de vida das pessoas, promovendo a paz, a democracia, o desenvolvimento autossustentado na base da

46 A SADC é a Comunidade Econômica de Desenvolvimento dos Países da África Austral. É constituída por 15 países entre os quais Angola. Para infomações vide: SADC. Disponível em: <http://www.sadc.int/about- sadc/overview/sadc-objectiv > (Tradução nossa). Acesso em: 21 maio 2013.

independência coletiva e interdependência dos Estados membros, alcançando a utilização sustentável de recursos naturais e proteção efetiva do ambiente, na base de princípios como direitos humanos, democracia e respeito pela lei (artigo 5.º Ato Constitutivo).

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