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3 DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO HUMANO: CONSENSOS E DISSENSOS

4 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO ORDENAMENTO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL ANGOLANO

4.1 ANGOLA: HISTÓRIA RECENTE E O DESENVOLVIMENTO HUMANO

4.1.2 O crescimento econômico e desenvolvimento humano em Angola: paradoxos e lições

O crescimento econômico não se confunde com o desenvolvimento humano, embora constitua um dos elementos essenciais para se atingir o desenvolvimento sustentável. O crescimento é apenas um meio não o fim do desenvolvimento – este abrange outras dimensões da vida no domínio político, social e cultural.

E foi para romper com a visão tradicional e reducionista do desenvolvimento ao crescimento econômico que vários autores, como Mohbub ul Haq e Amartya Sen, começaram a desenvolver teses sobre o desenvolvimento e progresso social que fosse para além do

crescimento do PIB, dando origem ao conceito de Desenvolvimento Humano (DH) e o Índice

de Desenvolvimento Humano (IDH).

Para o PNUD, o DH é o “processo de ampliação das escolhas das pessoas para que elas tenham capacidades e oportunidades para serem aquilo que desejam ser”. Esse conceito diverge, por um lado, da visão de desenvolvimento baseada apenas no aumento da renda (PIB e PNB) como único indicador de bem-estar humano e no que ele pode gerar e, por outro, procura dar uma visão do desenvolvimento voltada também para as pessoas, suas capacidades e oportunidades para levar uma vida digna.

É nessa perspectiva que foi e é aferido, até os dias de hoje, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) apresentado pelo PNUD e baseado em três pilares fundamentais: a renda per capita (medida pelo poder de compra da moeda para que as pessoas tenham um nível de vida digno), educação (medida pela taxa de escolarização bruta nos vários níveis de ensino e crescente alfabetização de adultos para se ter acesso e um alto

nível de conhecimento) e saúde ( medida pela expectativa de vida à nascença para se ter uma vida longa e saudável). Assim, o Desenvolvimento Humano de um país é avaliado por três

indicadores: índice de esperança de vida à nascença, índice de educação e o índice do produto

per capita.

Por seu lado, no sentido semelhante Amartya Sen (2010, p. 16 et seq.) deu um importante contributo ao defender que para haver desenvolvimento é preciso, antes de tudo, remover o que ele considera as principais fontes de privação da liberdade, nomeadamente a pobreza, a tirania, carência de oportunidades econômicas, destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos de saúde, educação, o autoritarismo do Estado e, acrescenta-se, a guerra e a intolerância étnica ou político-partidária. De acordo com a realidade angolana, pode-se incluir a capacidade de eliminar a malária, a cólera, a tripanossomíase, controlar e diminuir os impactos do VIH/SIDA, da seca e acabar com o analfabetismo.

Nesse contexto, fica claro que o desenvolvimento não se confunde com o crescimento econômico. Pode haver crescimento econômico sem que necessariamente resulte em desenvolvimento humano.

Sem subestimar a importância do crescimento econômico, para que haja desenvolvimento humano é necessário haver Políticas Públicas eficazes em vários domínios da vida social e política em favor dos pobres que, no seu conjunto, contribuam para o investimento na saúde e na educação, a criação de mais postos de trabalho dignos, a

prevenção da exploração e do esgotamento dos recursos naturais, a garantia do equilíbrio de gênero e da distribuição equitativa a riqueza (PNUD, 2013, p. 65).

Foi precisamente no Relatório de Desenvolvimento Humano de 1996 que se clarificou a relação entre crescimento econômico e desenvolvimento humano. Nele, existem vários pontos dignos de nota. De acordo com o PNUD (1996, p. 75-96) torna-se claro o seguinte:

Primeiro, o vínculo crescimento econômico e desenvolvimento humano não é automático, isto é, o aumento da renda per capita ou do PIB não significa, necessariamente, melhoria do nível de desenvolvimento humano e na elevação da qualidade de vida das pessoas106.

Segundo, o crescimento econômico deve vincular-se com outros elementos do desenvolvimento humano, nomeadamente, as liberdades políticas, o patrimônio cultural e a sustentabilidade do meio ambiente.

Terceiro, na generalidade, o crescimento econômico e o desenvolvimento humano devem evoluir juntos e reforçar-se mutuamente. Desse modo, o fortalecimento dos vínculos entre crescimento e desenvolvimento humano dependerá de vários fatores, entre os quais, a equidade na distribuição dos recursos, priorização dos gastos públicos na prestação universal dos serviços sociais básicos, aumento das oportunidades de obter riqueza mediante o acesso ao emprego, igualdade no acesso aos bens e riquezas produzidas, boa governação e participação das pessoas na vida pública e a participação da comunidade, das ONG e da sociedade na definição das prioridades do desenvolvimento.

O que se pretende com a exposição até agora apresentada é contribuir para melhor compreensão do Desenvolvimento Humano em Angola à luz dos indicadores publicados nos Relatórios do PNUD no período 2000-2012.

106 Mahbub ul Haq. O Paradigma do desenvolvimento humano: Introdução ao Desenvolvimento Humano: Conceitos Básicos e Mensuração. (s. d) p. 9-10. O autor explicita, por exemplo, que existem quatro elos entre crescimento econômico e desenvolvimento humano, no qual podem ser identificadas situações de países em que a renda per capita elevada não melhorou o nível de desenvolvimento humano, e outros que com pouca renda per capita foi possível elevar o nível de desenvolvimento humano: 1) quando o Governo dá ênfase no investimento nos domínios da educação, saúde e habilidades das pessoas pode torná-las capazes de participar do processo de crescimento, compartilhar de seus benefícios, principalmente, através de empregos remunerados, ajuda na melhoria da qualidade de vida. Exemplos: China, Japão, Malásia e Cingapura. 2) quando e onde a distribuição da renda e bens é muito desigual, as altas taxas de crescimento do PNB não tiveram impacto maior nas vidas das pessoas. Exemplos, Brasil, Nigéria e Paquistão. 3) alguns países têm obtido sucesso em promover melhorias significativas no desenvolvimento humano, mesmo na ausência de crescimento do rendimento per capita adequado ou de boa distribuição. Eles conseguiram tais resultados graças a uma boa estruturação e aplicação dos gastos públicos, sobretudo, na ampliação dos serviços sociais no domínio da educação e saúde. Exemplos, Cuba e Siri Lanka. 4) quando o empoderamento das pessoas (incluindo as mulheres) acompanha todos os aspectos da vida, as pessoas podem fazer suas escolhas nas esferas social, política e econômica e há uma boa chance de que o processo seja democrático, participativo e durável, há probabilidade de melhoria na qualidade de vida.

O processo de crescimento econômico de Angola, depois da transição para economia do mercado, segundo José Alves da Rocha (2011a, p. 117), teve três fases nomeadamente: “Uma primeira fase de crescimento lento entre 1997 e 2002, uma segunda de crescimento rápido, entre 2002 e 2006, e uma fase de arrefecimento do crescimento anterior, 2007 e 2010, em boa medida provocada pelo impacto da crise internacional”. Mas José Alves da Rocha (2011a, p. 135 et seq.) sustenta que, apesar dos elevados indicadores de crescimento econômico, o desenvolvimento social e humano permanece desequilibrado, ainda existem, por exemplo, assimetrias socioeconômicas e desigualdades na repartição do rendimento.

Atende-se ao fato de que com o fim do conflito armado, verificou-se um período de emergência humana no qual era necessário providenciar condições mínimas dignas para os cidadãos em geral e para os cidadãos que viviam nas zonas em conflito, em particular. Este período de emergência não pode ser confundido com o momento atual.

Por essa razão, em harmonia com o argumento de Alves da Rocha, pode-se observar a Tendência do Índice de Desenvolvimento Humano em Angola pelos relatórios do PNUD sofreram variações.

No período de 2000 a 2005 o PIB de 12%, em 2007 a taxa de variação do PIB atingiu a cifra de 20,9%, mas já em 2008 ficou em 13,60%, em 2009-2010 baixou para 2,70% e 4,50% respectivamente (ROCHA, 2011a).

Em 2000, ainda sob os efeitos da guerra, a tendência do IDH era de 0,375, em 2005- 2007 variou para 0,406 e 0,472 respectivamente. Em 2010, verificou-se uma melhoria na tendência de IDH para 0,502, em 2011 para 0,504 e, para 2012, verificou-se o IDH de 0,508. Esses indicadores, de acordo com o PNUD, fazem com que Angola seja considerada um país de Desenvolvimento Humano ainda baixo, tendo as pessoas esperança de vida à nascença calculada em 51, 50, a média de ano escolaridade em 4,70 e o PIB per capita avaliado em 4,812. (PNUD, 2013, p. 52, 156).

Essa realidade demonstra bem a situação a que o PNUD (1996, p. 91) chama de vínculo desequilibrado entre crescimento econômico e desenvolvimento humano porque houve crescimento econômico rápido, mas o desenvolvimento humano foi lento.

Diante da análise feita, pode-se depreender que o elevado crescimento econômico verificado em Angola ainda não se traduziu em melhoria significativa da qualidade de vida das pessoas, na generalidade dos cidadãos. Houve crescimento acelerado do PIB, mas o desenvolvimento humano é deficiente.

Vale a pena recordar, nesse sentido, as explicações do PNUD constantes no Relatório de DH de 1996 no qual foram descritas cinco situações em que o crescimento econômico não

gera, necessariamente, desenvolvimento humano e devem ser evitadas: 1) Crescimento sem

emprego, que ocorre quando há um crescimento geral da economia, mas sem aumento de

empregos dignos; 2) crescimento sem equidade, no qual os benefícios do crescimento econômico servem apenas os interesses dos mais ricos e não beneficia qualitativamente os pobres, aumentando desta maneira, as desigualdades entre ricos e pobres; 3) Crescimento sem

opinião da comunidade, que ocorre quando o crescimento econômico não é acompanhado do

fortalecimento da democracia participativa envolvendo os diferentes membros da sociedade, devido o controle autoritário do Estado; 4) crescimento desenraizado, no qual são importados modelos sem respeitar as identidades e diversidades culturais; 5) crescimento sem futuro, em que o crescimento econômico é alcançado através da exploração dos recursos ambientais sem atender às necessidade das gerações futuras. (PNUD, 1996, p. 4-5).

Finalmente, cabe acrescentar que o estabelecimento de mecanismos de mensuração do desenvolvimento humano por meio do IDH tem sido objeto de críticas por parte de muitos Estados, sobretudo quando as avaliações não lhes são favoráveis. Mas, atualmente, o IDH tem sido um dos melhores e mais consensual padrão de mensuração de bem-estar que superou a visão tradicional baseada no PIB ou no PNB como medida de bem-estar.

Essa visão foi ultrapassada, tanto é que outros indicadores têm sido agregados ao IDH para mensurar o desenvolvimento humano, como, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado às Desigualdades (IDH-AD), o Índice de Desigualdade de Género (IDG) e o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM)107.

Segundo Anne Louette (2009), para além destes indicadores formulados pelo PNUD, outras metodologias têm sido adotadas para medir outras dimensões do desenvolvimento que, a título exemplificativo, são indicados:

a) Os Princípios de Bellagio, criados no Canadá por especialistas e pesquisadores do mundo que praticam a mensuração do nível de progresso humano, servem para orientar os processos de avaliação de desenvolvimento sustentável, tanto na sua fase inicial, como para avaliar processos já existentes.

b) Felicidade Interna Bruta (FIB), criado no Butão para avaliar o progresso e desenvolvimento a longo prazo;

c) Barómetro da Sustentabilidade (Barometer of Sustainability) criado no Canadá para mensurar o grau de sustentabilidade e comparar o bem-estar humano e ecossistema;

107 Para mais informações sobre os diversos indicadores criados pelo PNUD vide: PNUD. Índices e Dados. Disponível em: < http://hdr.undp.org/es/estadisticas/comprension/indices/ >. Acesso em: 10 maio 2013.

d) Indicadores de Qualidade de Vida Calvert-Henderson, criado nos EUA para medir o bem-estar nacional para além dos indicadores macroeconômicos tradicionais, inclui o a educação, saúde, habitação, direitos humanos, meio ambiente, segurança nacional, emprego, energia, renda, infraestrutura, segurança pública e lazer;

e) Índice DNA Brasil, criado para medir o progresso real e a qualidade de vida no Brasil e abrange bem-estar econômico, competitividade econômica, condições socioambientais, educação, saúde, proteção social básica e coesão social;

f) Ecologial Footprint Standards foi criada nos EUA e serve para medir em que grau a humanidade (os indivíduos, as cidades e nações) estão usando os recursos naturais;

g) Índice de Desempenho Ambiental (Environmental Perfomance Index) foi concebido nos EUA com o objetivo de aperfeiçoar o desenvolvimento de políticas e modificar as decisões no domínio do meio ambiente com vista à proteção ambiental e a vitalidade do ecossistema, entre os vários indicadores citam, por exemplo, mortalidade infantil, acesso à água potável, saneamento adequado, produção de madeira, pesca excessiva, eficiência energética, proteção dos ecossistemas e uso de energias renováveis;

h) Índice de Sustentabilidade Ambiental (Environmental Sustainability Index) que classifica os países de acordo com a capacidade de proteger o meio ambiente e envolve o uso de indicadores como qualidade do ar e da água, redução do stress ambiental, saúde ambiental, governança ambiental e participação em esforços internacionais para proteger o ambiente;

i) Genuine Progress Indicator (Índice de Mensuração do Progresso de Nações) foi criado para servir de parâmetro de bem-estar e meio ambiente em alternativa ao PIB. O seu conteúdo inclui fatores como a criminalidade, poluição, degradação ambiental e fornecimento de água.

j) No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) criou os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável em 2002 que oferece informações avaliativas sobre meio ambiente e desenvolvimento, o uso dos recursos naturais e necessidades humanas, qualidade de vida e justiça social, desempenho econômico e uso de energia.

De outra parte, ao nível do continente africano, a Mo Ibrahim Foundation criou o Índice Ibrahim de Governação em África «Ibrahim Index of African Governance», baseado em quatro pilares básicos: a) Segurança e Estado de Direito – governo baseado na lei (medido pela vivência prática das regras do Estado de Direito “Rule of law”, prestação de contas –

accountability –, segurança pessoal e segurança nacional); b) Participação e Direitos

Humanos (medido pelo grau de participação, direitos e gênero); c) Oportunidade Econômica Sustentável (medido pelo modo de Gestão Pública, ambiente de negócio, infraestrutura, sector

rural); d) Desenvolvimento Humano (medido pela educação, saúde e bem-estar-estar) (MO IBRAHIM FOUNDATION, 2007).

4.2 A POSITIVAÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

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