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CRESCIMENTO ECONÔMICO, MODERNIZAÇÃO E DIREITO HUMANO AO DESENVOLVIMENTO: DISTINÇÕES NECESSÁRIAS E COMPLEMENTARES

1 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DIREITO HUMANO AO DESENVOLVIMENTO

1.3 CRESCIMENTO ECONÔMICO, MODERNIZAÇÃO E DIREITO HUMANO AO DESENVOLVIMENTO: DISTINÇÕES NECESSÁRIAS E COMPLEMENTARES

Nesta dissertação, defende-se a perspectiva de um processo de desenvolvimento econômico, social e político baseado nos direitos humanos e na proteção do meio ambiente, o que pressupõe, para o efeito, a consideração de um processo de desenvolvimento que vai além do mero crescimento econômico ou identificado apenas com o crescimento e melhoria do PIB. O crescimento do PIB é um elemento importante para o desenvolvimento, mas não é ainda o desenvolvimento.

Hoje, o desenvolvimento e o meio ambiente (desenvolvimento sustentável) são tutelados e reconhecidos juridicamente como direitos humanos fundamentais. Nesse âmbito, o direito humano ao desenvolvimento sustentável integra, no seu conteúdo, os direitos

econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos, o direito ao meio ambiente sadio, atendendo que os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes12.

Essas características dos direitos humanos (interdependência e indivisibilidade) assumem relevância para compreensão da unicidade dos direitos humanos, pois de nada adianta as pessoas gozarem de alguns direitos sociais, como saúde ou moradia, se elas não gozam do direito à segurança, não vivem num meio ambiente sadio, se não podem exercer livremente os direitos à liberdade de expressão e opinião, se não podem fazer as suas escolhas políticas com liberdade devido à ausência de uma educação de qualidade e presença de repressão política. É por essa razão que se defende uma visão integral dos direitos humanos em geral e, em particular, do direito ao desenvolvimento sustentável.

Assim, fica claro que a perspectiva do desenvolvimento aqui defendida difere da abordagem meramente economicista que supervaloriza o crescimento do PIB e a modernização das infraestruturas no processo de desenvolvimento.

Torna-se importante clarificar, em sede desta dissertação, que, atualmente, o desenvolvimento não se confunde com o crescimento econômico/desenvolvimento econômico ou com modernização das infraestruturas. Esses aspectos correspondem apenas a uma dimensão ou parte de um todo que é o desenvolvimento sustentável.

Em apoio às posições ou ideias ora defendidas, recorremos às reflexões de alguns autores, como será demonstrado abaixo.

Fábio Nusdeo (2010, p. 353) explicita que o desenvolvimento econômico é um processo autossustentado que se traduz num crescimento contínuo da renda per capita acompanhado de um crescimento da disponibilidade de bens e serviços ao longo de um dado período. Mas não é apenas isso.

Ainda segundo Nusdeo, o desenvolvimento é mais envolvente e mais exigente, não podendo se limitar a um dado quantitativo, muito embora a variável escolhida – renda per

capita – seja uma grandeza complexa importante, no sentido de abarcar toda uma gama de

indicadores e de situações. O desenvolvimento envolve uma série infindável de modificações de ordem qualitativa e quantitativa que conduzem a uma radical mudança de estrutura da economia e da própria sociedade. Para além das mudanças quantitativas, continua o autor, o

12 Nesse sentido, lembra André de Carvalho Ramos (2013, p.178) que a “indivisibilidade dos direitos humanos consiste na constatação de que todos os direitos humanos devem ter a mesma proteção jurídica, uma vez que são essenciais para uma vida digna”. E, por outro lado, ainda segundo Ramos (2013, p. 180), a interdependência é a “mútua dependência entre os direitos humanos protegidos, pois o conteúdo de um pode vir a se vincular ao conteúdo de outro, demonstrando a interação e a complementariedade entre eles, bem como que certos direitos são desdobramentos de outros”.

desenvolvimento traz (deve trazer) alterações de natureza qualitativa, inclusive de ordem psicológica, cultural e política.

Nesse sentido, concluiu Fábio Nusdeo (2010, p. 354-366), a diferença entre crescimento e desenvolvimento consistiria no fato de o primeiro, muitas vezes por razões exógenas ao sistema econômico, limitar-se “apenas o crescimento da renda e do PIB, porém sem implicar ou trazer uma mudança estrutural mais profunda [na estrutura produtiva, nas suas características sociais e políticas, sobretudo, na melhoria do nível de vida das pessoas]”. Por outro lado, “o desenvolvimento exige progressos em uma série de dados qualitativos da economia, indicando melhoras na qualidade de vida [das pessoas]”.

De sua parte, Robério Nunes dos Anjos Filho (2013, p. 21) sustenta que “[...] o crescimento corresponde a um dado objetivo de aumento dos indicadores de riqueza que aferem quantitativamente o produto econômico, ao passo que a noção de desenvolvimento está vinculada à melhoria qualitativa das condições de vida da população [...]” através da transformação das estruturas econômicas, sociais e institucionais (grifos do autor).

Sob outra ótica, mas não contrária as anteriores, Amartya Sen (2010, p. 16) defende a tese segundo a qual “o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam” e não somente com o crescimento do PNB. Nesse sentido, Sen (2010, p. 16 et seq.) explicita que “[...] a industrialização, o progresso tecnológico ou modernização social podem contribuir substancialmente para expandir a liberdade humana, mas ela depende também de outras influências”.

Nessa ordem de ideias, afirma-se que o crescimento econômico e o aumento das infraestruturas só terão sentido se forem capazes de contribuir para melhoria do nível e da qualidade de vida das pessoas enquanto exigências da dignidade da pessoa humana. Esse pressuposto implica a proteção dos direitos e liberdades fundamentais, o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais e o respeito e proteção do meio ambiente. Para além do aumento real da renda per capita, o desenvolvimento também é medido pelo grau de oportunidade de que as pessoas dispõem para satisfazerem as suas necessidades básicas, como alimentação, habitação, educação, saúde e vestuário. Assim, o conceito de desenvolvimento sustentável é multidimensional e incorpora o PIB por habitante, a educação, a saúde, a qualidade de vida e do meio ambiente (ANDRADE, 2013, p. 24).

Por isso, olhando para a realidade angolana, de um país que vive um processo de várias transições, nomeadamente de uma cultura de guerra para paz, de uma economia centralizada para economia do mercado e de um regime de partido-Estado autoritário para Estado democrático de direito, é razoavelmente compreensível que se defenda em Angola um

processo de desenvolvimento que não se limita apenas no aumento do PIB e na recuperação das infraestruturas, mas é necessário, também, como bem observa Sen (2010, p. 16-17), que se “[...] removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos” e, acrescenta-se, a guerra, as disparidades regionais e sociais, a intolerância étnica e político-partidária.

Esclarecedor a esse respeito é, também, o Relatório do Desenvolvimento Humano 2013, elaborado pelo PNUD (2013, p. 66), quando explicita que o desenvolvimento tem a ver com o processo de mudança de uma sociedade no sentido de melhorar o bem-estar das pessoas de geração em geração – alargando o seu leque de escolha nos domínios da saúde, educação e rendimento e expandindo as suas liberdades e possibilidades de participação efetiva na sociedade no qual estão inseridas.

Outra distinção importante a ser feita tem a ver com o uso dos conceitos “modernização de infraestrutura ou tecnológica” como sinônimos de desenvolvimento. Quanto a esse assunto, se é válido o argumento segundo o qual o desenvolvimento requer que se opere mudanças nas estruturas sociais, política, econômica e cultural de um país, então, por maioria de razão, “quando não ocorre nenhuma transformação, seja social, seja no sistema produtivo, [seja nas instituições políticas, administrativas e judiciais] não se está diante de um processo de desenvolvimento, mas da simples modernização” (BERCOVICI, 2005, p. 53).

Quando não ocorrem mudanças estruturais, explicita Gilberto Bercovici (2005, p. 52- 55) a modernização mantém o subdesenvolvimento e agrava a concentração da renda porque com ela ocorre assimilação do progresso técnico das sociedades desenvolvidas, mas é limitada ao estilo de vida e aos padrões de consumo de uma minoria privilegiada. Assim, embora possa haver taxas elevadas de crescimento econômico e um aumento de produtividade, a modernização pode não contribuir para melhorar as condições de vida da maioria da população.

Nesse mesmo sentido, lembra-se o ensinamento de Celso Furtado (2007, p. 60) quando advoga que as razões de permanência do subdesenvolvimento se devem a fatores de natureza cultural, entre os quais o comportamento das elites dominantes. Furtado explicita que a adoção pelas classes dominantes de padrões de consumo iguais aos dos países de níveis de acumulação muito superiores aos nossos explica a elevada concentração de renda, a persistência da heterogeneidade social e a forma de inserção no comércio internacional. Desse modo, defende o autor, para se libertar dos efeitos desse imperativo cultural perverso, faz-se necessário modificar os padrões de consumo no quadro de uma ampla política social, elevar

substancialmente a poupança para comprimir o consumo dos grupos de elevadas rendas. Para efetivar a mudança a que se refere Celso Furtado seria necessária também a elevação do nível de educação da população.

Aliás, situação semelhante é a realidade reinante hoje em Angola. Uma minoria constituída pelas elites políticas cultiva e dissemina o discurso de que a modernização de infraestruturas já é de per se o desenvolvimento, mas existem predominantemente restrições políticas ao exercício pleno das liberdades fundamentais e acentuadas desigualdades sociais e regionais, como será analisada mais adiante.

Depois do exposto, pode-se depreender que existe, de certa forma, na doutrina do Direito Internacional dos Direitos Humanos uma convergência no sentido de que o desenvolvimento como direito humano supõe um processo que implica respeito pelas liberdades fundamentais, educação e saúde de qualidade, paz social, segurança jurídica, justiça social, democracia, sistema judicial funcional e independente e, finalmente, proteção e garantia de um meio ambiente sadio.

Por isso, nos dias de hoje, a medida do desenvolvimento já não é o crescimento da economia em si, mas a economia ao serviço do bem-estar das pessoas e respeitadora do meio ambiente e que oferece garantias das gerações vindouras gozarem de um padrão de vida digno.

1.4 A INFLUÊNCIA DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA CATÓLICA NA

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