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1 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DIREITO HUMANO AO DESENVOLVIMENTO

1.4 A INFLUÊNCIA DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA CATÓLICA NA FORMULAÇÃO DA ABORDAGEM DO DESENVOLVIMENTO

A Doutrina Social da Igreja que expressa a visão da Igreja Católica sobre os problemas sociais também influenciou na formulação do conceito de desenvolvimento e dos direitos humanos em geral, sobretudo do direito ao desenvolvimento. Com base nos valores evangélicos alicerçados no amor a Deus e ao próximo, o pensamento da Igreja sobre os fenômenos sociais e políticos marcou a análise das questões sociais no Ocidente.

Nesse âmbito, vários Documentos Pontifícios fundados nos ensinamentos cristãos foram emitidos. Destacam-se, entre eles, as Encíclicas Papais Rerum Novarum,

Quadragesimo Anno, Mater et Magistra, Pacem in Terris, Populorum Progressio e Centesimus Annum e a Constituição Pastoral Gaudium et Spes.

A Encíclica Rerum Novarum, editada pelo Papa Leão XII, a 15 de maio de 1891, tida como aquela que lançou as bases do que hoje se chama Doutrina Social da Igreja, procura, essencialmente, apresentar uma resposta cristã aos problemas do seu tempo. Na sua essência,

a referida Encíclica trata da condição dos Operários, critica a solução socialista para resolução dos conflitos entre ricos e pobres, defende o direito à propriedade privada e o destino comum dos bens, defende não a luta de classes, mas a concórdia das classes, o respeito dos operários e da sua dignidade por parte dos patrões e a consequente valorização do trabalho e do salário digno e justo, a caridade cristã para com os pobres e desfavorecidos, o dever de cada cidadão contribuir para o bem comum e do Estado cumprir com o seu papel na prossecussão do bem dos governados, sobre a necessidade de maior proteção no trabalho, sobretudo para as mulheres, que deve variar de acordo com as circunstâncias, a proibição do trabalho infantil e, finalmente, sobre o direito e finalidades de associação dos operários (n.s 3, 4, 9, 10, 11,17, 18, 19, 25 e 32).

Mais tarde, no quadragésimo aniversário da Rerum Novarum, o então Papa Pio XI, publicou a Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931. Este novo documento atualiza a resposta da Igreja Católica aos problemas sociais, tornando-se, desse modo, uma atualização e recontextualização da Rerum Novarum. Assim, destata o direito dos trabalhadores à associação, reafirma a dimensão individual e social do direito de propriedade privada, o papel do Estado na promoção do bem comum, critica os excessos do capitalismo, defende a justa distribuição dos bens ou das riquezas, o justo salário que visa garantir o sustento do operário e da sua família, a produção da empresa e a promoção do bem comum, critica o que chama de «despotismo econômico», isto é, a concentração da riqueza nas mãos de poucos, refuta o comunismo e sugere um socialismo mitigado, sobretudo de influência cristã (n. 1, 2, 4, III, 53, 55, 56).

Por sua vez, João XXIII editou a Encíclica Mater et Magistra, em 15 de maio de 1961. A referida encíclica destaca novamente o valor do trabalho e da garantia de uma remuneração justa, da necessidade solidariedade entre os operários e empresários, sugere uma reconstrução da ordem econômica e social, defende a intervenção dos poderes públicos em matéria econômica para além da iniciativa pessoal dos cidadãos com vista à promoção do bem comum e o progresso social de todos os cidadãos, ou seja, “o progresso social deve acompanhar e igualar o desenvolvimento econômico, de modo que todas as categorias sociais tenham parte nos produtos obtidos em maior quantidade”. E, logo a seguir, fala das exigências de se promover o bem comum no plano nacional e mundial, reafirma o direito à propriedade privada e a sua função social e a propriedade pública dos bens produtivos e maior justiça nas relações entre setores produtivos, sobretudo no domínio da agricultura, a necessidade de cooperação técnica, científica e financeira para eliminar a fome e a miséria e, por último, apela às nações mais desenvolvidas economicamente a respeitarem as características próprias

de cada comunidade que integram os países em vias de desenvolvimento e sobre a relação entre crescimento demográfico e desenvolvimento econômico (n. 15,16, 19, 26, 51, 68, 73, 79,80, 109, 116, 118, 162, 168 e 184).

Logo depois, em 11 de abril de 1963, ainda o Papa João XXIII edita a Encíclica Social

Pacem in Terris. Nela se defende que todo ser humano é pessoa sujeito de direitos e deveres

universais, invioláveis e inalienáveis (n. 8 e 9). Nela são elencados diversos direitos e liberdades que integram o conteúdo do que é hoje o direito ao desenvolvimento, como o direito à existência e a um digno padrão de vida que inclua o alimento, o vestuário, a moradia, ao repouso, a assistência sanitária e de ser amparado na doença, velhice, invalidez ou desemprego forçado. Também são reconhecidos direitos relativos aos valores morais e culturais, o direito ao respeito de sua dignidade e a boa fama, direito à liberdade na pesquisa da verdade, à liberdade de manifestação e difusão do pensamento, a cultivar a arte, direito à informação verídica sobre os acontecimentos públicos, o direito de participação, o direito à instrução e à educação, direito de honrar a Deus de acordo com os ditames da reta consciência, direito à liberdade de escolha do próprio estado de vida (n. 11, 12, 13, 14).

No domínio econômico, a referida encíclica declara o direito de cada pessoa a exercer a atividade econômica com responsabilidade, ao trabalho e justa remuneração (n. 18 e 19). Reconhece, ainda, o direito de todas as pessoas à reunião e associação, direito de emigração e de imigração (n. 23 e 25). No mesmo âmbito, são reconhecidos os direitos de caráter político, nomeadamente o direito de participar na vida pública e de contribuir para o bem comum dos concidadãos e proclama a indissolubilidade da relação de reciprocidade entre direitos e deveres (n. 26 e 28).

O Papa Paulo VI, em 07 de novembro de 1965, editou a Constituição Pastoral

Gaudium et Spes, que trata sobre as mudanças operadas na economia mundial, a evolução da

técnica e da ciência, as mudanças na ordem social, as transformações psicológicas, morais e religiosas que influenciaram na proteção e promoção da pessoa humana. Assim, reafirma-se o sentido da dignidade da pessoa humana e da sua natureza social e a consequente exigência de promover o bem comum que passa necessariamente pela promoção e proteção dos direitos humanos, igualdade, da cultura e reafirma que o ser humano é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida econômica-social, por isso urge remover as desigualdades econômicas (n. 7, 12, 15, 16, 23, 26, 27, 53, 63, 66).

Neste documento, a Igreja apela que “o desenvolvimento econômico deve permanecer sob a direção do homem; nem se deve deixar entregue só ao arbítrio de alguns poucos indivíduos ou grupos economicamente mais fortes ou só da comunidade política ou de

algumas nações mais poderosas” (n. 65), portanto, para que haja desenvolvimento, é necessário a paz, “que não é ausência de guerra; nem se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta duma dominação despótica. Com toda a exatidão e propriedade ela é chamada ‘obra da justiça’” (n. 78).

O contributo relevante da Doutrina Social Católica na abordagem do desenvolvimento baseado nos direitos humanos foi dado pela Encíclica Populorum Progressio, editada por Paulo VI no dia 26 de março de 1967, a encíclica sobre o desenvolvimento dos povos, reconhece e denuncia os efeitos do colonialismo para o desenvolvimento dos povos colonizados (nº 7) e defende que os povos que alcançaram a independência ou liberdade política devem também alcançar o crescimento econômico e social autônomos e dignos de garantir aos seus cidadãos o seu pleno desenvolvimento humano (n. 6).

Nesse âmbito, a visão cristã do desenvolvimento consiste e considera que “o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo” (n. 14). Por tal razão, é um dever pessoal e comunitário a promoção do desenvolvimento (n. 16-17).

Ainda na mesma encíclica, defende-se um destino universal dos bens, a industrialização e a equidade nas relações comerciais, critica os excessos do capitalismo liberal e reafirma que o desenvolvimento econômico deve estar ao serviço do homem (n. 24, 25, 26, 56).

Partindo do pressuposto de que o desenvolvimento não é só individual, mas também dos povos, Paulo VI defende na doutrina cristã que o “o desenvolvimento integral do homem não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da humanidade” e a fraternidade dos povos, sobretudo para com os mais fracos (n. 43-44). Visto dessa perspectiva, “as excessivas disparidades econômicas, sociais e culturais provocam, entre os povos, tensões e discórdia, e põem em perigo a paz”, por isso, o “o desenvolvimento é o novo nome da paz” (n. 76).

Finalmente, quanto aos sujeitos do desenvolvimento, defende-se que são os povos individualmente considerados e os outros povos através de acordos regionais que são os autores e responsáveis pelo próprio desenvolvimento (n. 77).

Nos anos 90, o Papa João Paulo II editou no dia 1 de maio de 1991, a encíclica

Centesimus Annum para celebrar o centenário da Rerum Novarum. Nela reafirmam-se os

principais pontos defendidos por Leão XIII, de modo adaptado e contextualizado, e procura- se responder aos novos problemas e desafios da humanidade, a que chama as “coisas novas de hoje”. Assim, na referida encíclica criticam-se as disparidades entre os países desenvolvidos e

subdesenvolvidos, o fenômeno do consumismo e os novos estilos de vida frequentemente prejudiciais à saúde física e espiritual do homem e a práxis do totalitarismo (n. 30-36, 44-45). Também se aborda a “questão ecológica”. Criticam-se a destruição do meio ambiente natural e, consequentemente, do “ambiente humano” e defende-se a necessidade de “salvaguardar as condições morais de uma autêntica ecologia humana” (n. 37-38).

O que se pretende com a exposição até agora esgrimida é demonstrar que o pensamento social cristão influenciou a reconceptualização do conceito de desenvolvimento, sobretudo a encíclica sobre o desenvolvimento dos povos.

1.5 O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E REGIONAIS NA

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