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4.3 Fluxos do Caminho

4.3.1 A cartilha e o vídeo

A cartilha “Amigos das plantas medicinais” surgiu a partir do curso de ginecologia natural ministrado por Dona Val (já mencionado anteriormente), em 2016, dando origem ao Caminho das Ervas. Daniela Faria, Suzana Rito e Débora Nunes escreveram um projeto para um edital da Tabôa, agência de fomento da Vila, que será apresentada posteriormente, e conseguiram recursos para sua realização. Conforme descrevem na cartilha:

Honrando nossa cultura popular e a biodiversidade da região da Costa do Cacau no litoral baiano, o Projeto Amigo das Plantas Medicinais, apoiado pela Taboa- fortalecimento comunitário, tem o propósito de valorizar e resgatar os conhecimentos das ervas medicinais da região, visando fortalecer a rede de pessoas que têm estes saberes, e fazendo uma ponte entre o conhecimento tradicional e o científico.

Foram meses de buscas e encontros para a construção do mapeamento dos erveiros e erveiras da região entre Ilhéus e Itacaré, enfocando no entorno de

nossa Vila de Serra Grande. Compartilhamos juntos a estes “sábios da terra”, experiências e conhecemos suas histórias.

A saúde natural vem sendo reconhecida e validada cientificamente cada vez mais. A importância das plantas medicinais é reconhecida pelo governo através do decreto no. 5813, 22/06/2006, que aprovou o Programa Nacional de plantas medicinais e fitoterápicas (PNPMF) e a inserção no sistema de saúde público através da portaria GM no. 971, de 03/05/2006 que aprovou as práticas integrativas e complementares no SUS.

O plantio e uso de plantas medicinais é uma forma da população se empoderar de sua própria saúde. É uma farmácia acessível a todos, que já faz parte da cultura e biodiversidade locais, porém precisa ser reativada, validada, valorizada e estimulada.

Assim, com grande alegria e realização, compartilhamos com vocês um caminho que apenas se inicia através desta cartilha. Aqui apresentamos os saberes dos erveiros e erveiras da região e suas ervas mais comentadas que tratam da saúde preventiva e curativa.

(Cartilha Amigos das Plantas medicinais, 2017)

Figura 31 - Cartilha Amigos das Plantas Medicinais

Fonte: Acervo pessoal.

Para a produção da cartilha, foi elaborado um levantamento dos erveiros da região da APA Serra Grande-Itacaré, tendo cada entrevistado apresentado as ervas e seus usos mais comuns. Doze erveiros são apresentados: Dona Delza, Dona Nice, Seu Rosalvo, Dona Izabel, Dona Ivanilda, Seu Taboquinhas, Dona Otília, Dona Miuda, Dona Val, Seu Zé de Bidiu, Dona Elza e seu Zé. Eles contribuíram para a sua elaboração, que foi distribuída para a comunidade da Apa Serra Grande-Itacaré. Além dos erveiros, foram apresentadas 14 ervas

medicinais: folha da Graviola, Poejo, Hortelã, Tioio-cravo, Mastruz, Babosa, Erva-doce, Folha da costa, Capim santo, Amescla, Manjericão, Trançagem, Jenipapo e Boldo; além de seus nomes científicos, suas indicações e ainda explicações das técnicas para seu processo: chá do tipo infusão, chá do tipo decocção, sumo extraído das folhas, banho e lambedor.

Segundo Val, sua participação se deu principalmente ajudando as meninas a adaptar as receitas levantadas. Em suas palavras: “Esse povo acha que pode usar tudo para todo mundo, só que não é assim não, tem que saber a toxidade da planta, né?”. Assim, a partir do levantamento dos erveiros, ervas e técnicas, elaborou-se a cartilha que foi distribuída pela Vila de Serra Grande e é comumente encontrada em uma das paredes das casas, especialmente de forasteiros e chegantes.

O vídeo “Ervas que Curam”, de 2017, também foi uma iniciativa financiada pela Tabôa. Esse trabalho é parte de uma série com 10 episódios desenvolvida pelo Coletivo de Comunicação Catarse, do qual faz parte André, um cineasta de Serra Grande, contando com o apoio de Aranda como articuladora social, como ela mesma se definiu dentro desse contexto. Os episódios narram os saberes locais da Vila de Serra Grande sobre ervas medicinais, pesca artesanal, músicas e até a feitura do acarajé, buscando valorizar os modos de fazer locais, assim como seus feitores.

No episódio “Ervas que Curam”, Dona Val, Dona Miúda e Dona Isabel apresentam-se como erveiras, detentoras do saber tradicional das ervas da região de Serra de Grande. Apesar do vídeo não se aprofundar nas suas origens, as diferenças entre seus discursos, modos de linguagem, vocabulário e experiências pessoais possibilitam-nos compreender não só a diversidade do “tradicional”, mas a articulação criativa com referências de estilos de vida alternativos, especialmente nas falas de Val, ao afirmar que “se encantou pelas ervas quando decidiu mudar sua alimentação”, por exemplo.

Diferente foi a trajetória de Dona Miúda, que afirma ter crescido no meio das ervas, quando sua avó já cuidava dos males de seus conterrâneos através das ervas cultivadas em seu quintal. Apesar de Val ser apresentada como erveira, assim como as outras duas personagens (Dona miúda e Dona Izabel), ao longo do vídeo ela assume uma postura de mediadora, de início relatando sua experiência e depois estimulando o diálogo com as outras duas. Val apresenta algumas percepções comuns em discursos nova era no diálogo com as outras participantes do vídeo, por exemplo, a importância da preservação das ervas e a conscientização de jovens para a valorização dos saberes ancestrais.

A intenção de Val, assim como do grupo envolvido com as iniciativas do projeto, e em especial nessas duas iniciativas – a cartilha e o vídeo – é indicativa de seu esforço de fomentar

as redes de cuidado em Serra Grande. Val e o Caminho das Ervas esforçam-se pela promoção da integração e da inclusão da população nativa e seus saberes dentro do Projeto. Parece-me, assim, adequado considerar o Caminho como uma “ponte”, sempre buscando conectar os saberes “tradicionais” e os seus praticantes aos saberes alternativos e à nova comunidade de forasteiros. Pode-se afirmar que entre os terapeutas populares, Val e o Caminho das Ervas já conquistaram respeito e que, em alguns momentos, existe certa interação. Mas, para a comunidade nativa em geral, o Caminho das Ervas ainda representa um lugar distante e de diferença.