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4.3 Fluxos do Caminho

4.3.5 O evento de PANCs

Figura 33 - Evento de Pancs – Oficina de Gastronomia PANC

Fonte: <https://www.facebook.com/pg/taboafortalecimentocomunitario/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 15 abr. 2020.

Houve ainda nesse período de 2018 o evento de PANCs pela Universidade Federal da Bahia, que convidou o Caminho das Ervas para participar da elaboração do Primeiro Encontro da Rede de PANCs do Sul da Bahia. A pedido de Val, fiquei responsável por participar da organização. Este evento, que foi bastante trabalhoso, contava com a contribuição de Val em três momentos: duas mesas em que ela falaria sobre ervas medicinais e alimentação saudável, e uma expedição pelos quintais da região reconhecendo as PANCs. Tais participações seriam remuneradas e uma parte seria destinada ao Caminho das Ervas.

O evento envolvia uma oficina com o Cheff Alício, de Salvador, em que ele ensinaria receitas de pratos feitos com as PANCs e foram oferecidas vagas gratuitas aos participantes do Projeto social Oficina de Gastronomia84. Além disso, muitos agentes de saúde da prefeitura de Uruçuca também tiveram vagas gratuitas garantidas para aprenderem sobre as PANCs e poderem repassar tais conhecimentos durante as visitas que fazem às casas da comunidade na intenção de serem multiplicadores deste saber, proporcionando acesso mais amplo a uma alimentação nutricionalmente rica e acessível.

Porém, no dia do evento, Val me enviou uma mensagem dizendo que não iria, já que estava com visitas em casa e que tinha certeza de que os outros participantes dariam conta de “ancorar” (termo nativo nova era que se refere a ideia de sustentar uma situação) sem ela. Sua atitude me deixou bastante confusa com relação às suas ideias sobre compromisso e importância. Esse conjunto de rompimentos, depois de bastante energia despendida, me trouxe muita frustração com relação ao Projeto Caminho das Ervas de um modo geral. Com o tempo, e com as muitas conversas que se seguiram sobre esses acontecimentos no grupo, minha percepção sobre minha frustração vinha de uma expectativa de concretização que não condizia com o processo de desenvolvimento do Projeto Caminho das Ervas.

Figura 34 - Seu Rosalvo, erveiro, mostrando suas ervas em seu quintal durante o evento de PANCS, setembro 2018

Fonte: Acervo pessoal.

84 O Projeto Oficina de Gastronomia acontece no bairro Novo e é uma iniciativa da “nativa” Cris voltado para o

Como me afirmou certa vez Marina, terapeuta e participante do Laboratório Alquimia dos Pés Descalços: “A energia vital precisa morrer pra nascer outra coisa, é preciso deixar as coisas fluírem, senão fica segurando uma energia que já deveria ter sublimado. As expectativas impedem o fluxo”. Os processos e não os fins configuram a questão central dos participantes do Caminho das Ervas. Os grupos, atividades, projetos, apesar das reuniões e esforços para sua realização, também estão abertos para um desenrolar diferente do planejado. Formatos, expectativas e resultados normalmente não correspondem às dinâmicas do projeto.

Retomo uma das questões que coloquei no início deste capítulo para destacar a diferença do Caminho das Ervas frente a outros espaços terapêuticos descritos no capítulo anterior. Ele diferencia-se em alguns pontos do cenário terapêutico nova era de Serra Grande. A orientação idealista do trabalho voluntário agrega certo romantismo à sua agência, que se permite mover entre linhas de força de maneira fluida, já que objetivos, limites e prazos nem sempre estão em jogo. Essa característica torna o projeto bastante valorizado socialmente pelos moradores da região, bem como por pessoas de todo o país e exterior. Por outro lado, dificulta a permanência de seus membros que, depois de certo tempo, necessitam de retornos financeiros ou até mesmo reconhecimentos ou realizações de outra ordem (pessoais, materiais).

A intenção reiterada de Val, de conectar os chegantes, forasteiros e nativos certamente passa inicialmente por ela própria que, nascida na região, mas fruto de experiências muito diversas pelo mundo a colocam num devir entre nativa, forasteira e chegante. Ela não é nenhuma dessas, mas é afetada por todas. Essa peculiaridade tanto a auxilia em alguns momentos a se relacionar com a comunidade, como dificulta que seu projeto seja reconhecido como um lugar da comunidade.

Bonet (2014, p. 336) sugere, a propósito da abordagem de Ingold que “Essa ênfase nos fluxos está relacionada diretamente com a ideia de movimento “ao longo de”, que Ingold chama de flâneur [wayfaring]. Seria não um movimento que busca conectar pontos, mas um movimento que ‘busca continuar andando’ [...]”. Parece ser esse o movimento do Caminho das Ervas. Assim como Val, o Projeto está “entre” as iniciativas espiritualizantes nova era, dos chegantes (Capítulo 3), os terapeutas nativos (Capítulo 5) e os cuidados “ecoterritorializados” dos forasteiros (Capítulo 6). Em coerência com seus princípios, o Caminho das Ervas pode bem configurar-se como um projeto-processo, ou nos termos nativos dos participantes, um fluxo.

CAPÍTULO 5

O CUIDADO DO OUTRO LADO DA PONTE

Se até agora abordamos as terapêuticas alternativas em Serra Grande nos circuitos nova era transnacionais e locais, neste capítulo busco descrever outras formas de cuidado existentes – seria melhor dizer resistentes – em Serra Grande. Elas acontecem majoritariamente “do outro lado da ponte” do rio Pancadinha que separa a Vila Alta do Bairro Novo. Essas formas de cuidado, terapêuticas e sociais, apresentam outros agenciamentos de saúde vivenciados pela comunidade nativa de Serra Grande.

Apresento inicialmente os principais terapeutas tradicionais da Vila, listados na Cartilha “Amigos das Plantas Medicinais” (apresentada no capítulo anterior), e relato uma experiência de tratamento com seu Mário, um terapeuta que, apesar de não constar da cartilha, me foi indicado por muitas pessoas. A seguir descrevo o Posto de Saúde de Serra Grande que, ainda que localizado na praça Pedro Gomes (Vila Alta), atende majoritariamente a comunidade nativa e mais pobre que vive fora da Vila Alta. Por fim, proponho uma reflexão sobre as categorias que adjetivam o universo terapêutico, tradicionais ou alternativas, buscando dialogar com a realidade de Serra Grande.